TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
ALUNO: JOSÉ ROBERTO LIMAS DA SILVA
ALUNO: JOSÉ ROBERTO LIMAS DA SILVA
TEMA: A CONCEPÇÃO
MÍTICA DE LUGAR SAGRADO E A TERRITORIALIDADE.
INTRODUÇÃO
A presente proposta de pesquisa busca, essencialmente, estabelecer relações
entre a concepção de lugar sagrado e territorialidade. Nesse sentido, procura
descobrir como o pensamento mítico/simbólico atua na construção das relações de
poder com o espaço. Considerando que a territorialidade aponta para a
“tentativa de um indivíduo (x) ou grupo de influenciar, afetar, controlar
objetos, pessoas e relacionamentos (y) pela delimitação e pela afirmação de seu
controle sobre uma área geográfica"[1], havemos de convir que, invariavelmente, este controle decorre de uma
esfera de poder, que pode ser político, econômico e/ou religioso.
Nossa abordagem focalizará o impacto de uma destas instâncias de poder, que
é a esfera do sagrado (mítico/religioso) que se manifesta no espaço. O conceito
de sagrado adotado nesta pesquisa
parte do ponto de vista de que o sagrado é um modo de existência assumido “pelo
homem ao longo da história”[2].
Neste sentido, o sagrado “não nasce da experiência religiosa”[3],
ele apenas se manifesta, pois ele é um elemento constitutivo do mundo simbólico
do ser. Haveremos de adotar, em termos espaciais, a categoria lugar como
espaço de manifestação do sagrado, onde é gestada a territorialidade, que por
sua vez, configura o território, levando, também, em conta que os lugares são
“constituintes essenciais do território”[4].
Na caracterização do território, será necessário demonstrar que a
manifestação do sagrado (hierofania, na expressão Eliadiana[5]), embora, aconteça na categoria lugar, esta manifestação estabelece a
territorialidade e configura este território, e neste sentido, a caracterização
do território não se limitará ao aspecto jurídico-político ou econômico, mas
enfatizará especialmente, seu aspecto cultural, tendo em vista que a abordagem
religiosa/sagrada está, melhor, contemplada na vertente cultural. Podemos,
neste sentido, pensarmos em território como um “dado segmento espacial, via de
regra, delimitado, que resulta da apropriação e controle por parte de um
determinado agente social”[6],
mas que possui uma estrutura impregnada de significados, símbolos e imagens.
Na investigação das relações entre a ideia de lugar sagrado e o
estabelecimento de territorialidades, o foco desta pesquisa se deterá,
primeiramente, na concepção mítica de lugar sagrado por parte das sociedades
arcaicas, em seguida se debruçará sobre o estabelecimento das territorialidades
decorrentes desta concepção. O tema espaço e religião tem sido objeto de estudo
de pesquisadores, tanto no campo disciplinar da Geografia, quanto das Ciências
da religião. Como exemplo do primeiro campo, temos eminentes pesquisadoras como
Zeny Rosendahl[7] e Maria Augusta de Castilho[8]; no segundo campo, temos Mircea Eliade[9]
e Rudolf Otto[10],
como pesquisadores, já consagrados de longa data.
A relação entre espaço e religião se evidencia na forma como o espaço é
assumido, uma vez que a ocupação dele reflete uma cosmovisão. Por isto, “a vida
de uma coletividade envolve crenças que se revelam nas condutas e se
materializam nas formas espaciais do cotidiano vivido”[11]. Portanto, a ocupação espacial pode revelar uma forma de interpretação
simbólica/mítica/religiosa daquele espaço.
A presente pesquisa tem como objetivo principal investigar como os
mecanismos simbólicos, presentes no lugar, atuam na construção das
territorialidades. Daí, decorrem outros objetivos como: i)entender a mentalidade mítica acerca da ordenação do lugar sagrado;
ii)compreender como este lugar sagrado
estabelece as territorialidades; iii)identificar, na modernidade, paradigmas simbólicos responsáveis pela
criação de territórios.
Feitas estas considerações sobre a relevância desta pesquisa, bem como de
seus objetivos, podemos dizer que temos um problema de pesquisa estabelecido,
que é descobrir como o pensamento mítico acerca de lugar sagrado estrutura a
territorialidade. A nossa pesquisa se aterá a uma abordagem metodológica descritiva, privilegiando uma investigação bibliográfica,
sobretudo, por se tratar de uma teorização geral sobre o assunto.
Na consecução desta pesquisa serão privilegiados os autores e
pesquisadores da geografia na sua vertente cultural, tendo em vista os
propósitos deste trabalho. Podemos elencar como teóricos principais nesta
pesquisa os seguintes autores: Zeny Rosendahl, Paul Claval[12],
Rógerio Haesbaert[13],
Yi-Fu Tuan[14] e
Mircea Eliade. Com relação ao paradigma metodológico, que norteará a pesquisa,
este será o fenomenológico, e sua escolha se dá em função de dois fatores.
Primeiro, por ser tratar de uma área de estudos voltada para a geografia
cultural de base fenomenológica; segundo porque a abordagem do sagrado e do
religioso não seria satisfatoriamente explorada dentro dos modelos
positivista/neo-positivista ou dialético/marxista e sim, do fenomenológico,
especialmente porque o estudo do sagrado não suporta a abstração do objeto do
mundo do sujeito. Neste sentido, a abordagem fenomenológica é aquela que
promove o encontro entre o objeto (o sagrado) e o sujeito (o homem), oferecendo
a possibilidade de se “compreender a experiência vivida das pessoas de um modo
que as outras metodologias não o fazem”[15].
Nestas considerações iniciais, não será prematuro dizer que
acreditamos que esta pesquisa nos levará a reconhecer que a forma de ocupação
do espaço reflete a ideia que se tem da sacralidade deste espaço. Também,
pensamos que será possível indicar que a distribuição espacial das atividades
antrópicas é influenciada, diretamente, pela concepção que se tem de espaço
sagrado.
Por fim, podemos dizer que a presente pesquisa se justifica e se
reveste de importância, em face da escassez de pesquisas e material
bibliográfico sobre o tema proposto. Ademais, espera-se que a pesquisa
possibilite leituras novas sobre os modelos atuais de ocupação do espaço.
Pensamos, portanto, ser uma temática original, no sentido de perguntar e, até
certo ponto, sugerir que o conceito de lugar sagrado está por detrás de toda
territorialidade.
Os capítulos desta pesquisa estão distribuídos de forma
didática e histórica, buscando a coesão dos assuntos e a compreensão histórica
(ao longo do tempo) da relação entre espaço sagrado e territorialidade. O
primeiro capítulo busca caracterizar o lugar, como categoria geográfica, onde o
sagrado se manifesta. O segundo capítulo vai teorizar sobre as bases
conceituais para justificar o lugar sagrado como fonte de territorialidade. O
terceiro e último capítulo demonstrará que, ainda hoje, existem paradigmas simbólicos/míticos
que determinam territorialidades. Neste sentido, a modernidade científica, não
conseguiu suprimir a ideia de lugar sagrado.
1
LUGAR - CATEGORIA GEOGRÁFICA ONDE O SAGRADO SE MANIFESTA
A leitura que a modernidade científica-positivista faz da
compreensão mítica do espaço, pertence a um contexto pré-científico, regido
pelos mitos e pelo simbolismo religioso. Não obstante, a nossa modernidade
científica não pode negar que “o conhecimento que temos como indivíduos e como
membros de uma determinada sociedade permanece muito limitado, seletivo e
influenciado pelas paixões da vida”[16].
Daí decorre uma questão a ser enfrentada, que é o fato de que o homem sempre
idealiza/imagina um espaço mítico na lacuna deixada pela incapacidade de ser
preciso e seguro no conhecimento da totalidade. Ademais, não se deve conceber
uma ciência que estuda as relações do homem com o seu meio (caso da Geografia),
que deixe de propor “uma compreensão do homem, não somente em sua percepção do
mundo, mas também pelo imaginário que elabora acerca do seu meio”[17].
Haverá sempre realidades que lhe escapam à compreensão objetiva, mormente, as
realidades espaciais que se estendem além da visão física, e desta forma, “os
pequenos mundos da experiência direta são bordejados por áreas muito mais
amplas conhecidas indiretamente através dos meios simbólicos”[18].
Quando se pensa o espaço, não parece sábio divorciá-lo de quem o
concebe como tal e, portanto, neste sentido, o espaço não deve ser separado do
homem. Desta forma, o espaço físico é fruto de uma construção subjetiva, ou
seja, “a realidade do rio, da montanha, da terra não é uma realidade
subsistente, mas validada, instituída; é o mito que valida e constrói a
realidade”[19].
É o homem quem significa (dá significado) o espaço. A construção de
espacialidades objetivas e subjetivas (físicas e simbólicas) pode ser
determinada pelo pensamento mítico, uma vez que ele é “um construto
intelectual”[20],
portanto, uma racionalização daquilo que, ainda, é desconhecido, a
partir de um conhecido. Por isto, o espaço habitado e explorado (objetivo) é
mítico no seu simbolismo e sacralidade imediata, tendo em vista que esta
formulação afetivo/simbólica é feita a partir do lugar onde vive este homem.
O entendimento que se tem neste sentido é que “o mundo que nos
rodeia, o mundo no qual são sentidas a presença e a ação do homem – as
montanhas que ele escala, as regiões povoadas e cultivadas, os rios navegáveis,
as cidades, os santuários – tudo isto tem um arquétipo extraterreno (...)”[21].
Desta forma, o processo de ocupação da terra (habitação, exploração do solo
etc) é mediado por uma elaboração mítica e simbólica, que é a responsável pela
configuração daquele espaço, sendo este espaço uma materialização de um modelo
mítico.
Feitas estas considerações introdutórias e, antes de adentrarmos
questões mais viscerais desta relação mítica que o homem trava com o espaço,
convém que definamos quais categorias geográficas priorizaremos neste trabalho.
Tendo em vista que a nossa pesquisa privilegiará as questões que envolvem a
territorialidade, o território e o lugar, nada mais justo que caracterizemos,
particularmente, cada uma deles.
1. 1 – Definindo as categorias de territorialidade, território e lugar.
a) Territorialidade
O conceito de territorialidade na geografia é emprestado da
zoologia. A ideia de territorialidade remonta a experiência do ornitólogo
Elliot Howard[22],
que percebeu que “os pássaros delimitavam determinado território, cuja posse
determina, a seguir, a hierarquia social e o acesso ás fêmeas”[23].
Ainda de acordo com Howard, a
territorialidade podia ser definida como “a conduta característica adotada por
um organismo para tomar posse de um território e defendê-lo contra os membros
de sua própria espécie”[24].
Tomando este modelo de territorialidade animal, percebe-se que a
territorialidade humana está fundada num conceito parecido, ou seja,
determinado grupo social se apropria de certos espaços, estabelecendo as suas
fronteiras e as regras para a utilização daquele espaço. A ideia de posse e de
dominação, certamente, é uma característica distintiva da territorialidade.
Deduz-se destas características que a territorialidade é uma esfera de poder
que cria e mantém determinado território. Neste sentido, “a territorialidade
(...) não é apenas um meio de criar e manter a ordem, mas é uma estratégia para
criar e manter”[25]
determinado espaço. Nesse primeiro momento, “a territorialidade é compreendida
muito mais pela relação social e cultural”[26]
do que pelos aspectos físicos/materiais, especialmente porque a territorialidade
pode ser “uma estratégia político-cultural”[27] com vistas à legitimação da ocupação de
determinado espaço.
O conceito de territorialidade, herdado da biologia/zoologia,
enfatiza a ideia de uma territorialidade inata. Desta forma, a territorialidade
é um comportamento humano presente em todos os grupos sociais. As
representações simbólicas presentes na cultura fornecem o substrato teórico na
elaboração desta territorialidade, que confere identidade ao grupo social representado.
Portanto, “toda cultura se encarna, para além de um discurso, em uma forma de
territorialidade”[28].
b) Território
Podemos partir do ponto de vista de que o território é uma
materialização de uma territorialidade, logo ele dá visibilidade a esta. Pensando
assim, fica fácil concluir que é pela existência de uma territorialidade que se
cria um território. Logo, não existe território à margem da territorialidade.
Convenciona-se dimensionar o território nas esferas cultural, econômica, social
e natural, mas pensamos que não é uma ideia inteligente, visto que
fragmentaríamos demais sua estrutura. Acreditamos que as dimensões cultural e
social resumiriam bem sua estrutura. Neste sentido, o aspecto cultural merece
ser lembrado, como também, o aspecto social, uma vez que o território é produto
de uma formulação simbólica e é o palco das relações sociais.
Cabe-nos, apenas, diferenciar estes dois aspectos, uma vez que o
social é político, econômico, objetivo e linear; enquanto o cultural é
simbólico, ideológico e subjetivo. É necessário, portanto, que o território
seja percebido nestas duas esferas, pois ele materializa realidades sociais e
culturais. Sendo assim o território não deve ser pensado ignorando sua dimensão
social (política/jurídica) uma vez que ele pode ser definido como “uma
determinada porção da superfície terrestre apropriada por um grupo humano
(...). Dessa forma, o território é posto, como um espaço que alguém possui, é a
posse que lhe dá identidade”[29].
Igualmente, sua dimensão cultural precisa ser admitida, uma vez que a
territorialidade está estribada num discurso recheado de mitos, símbolos e
heróis; e é esta territorialidade que organiza o território.
Partindo desta ambivalência do território é que compreendemos como
ele é capaz de assegurar uma identidade ao grupo que lhe pertence, uma vez que
“os grupos, as etnias e os povos existem por sua referência a um território”[30],
ou seja, os grupos sociais tendem a se desintegrar quando não estão ancorados
num território. Neste sentido, a nação de Israel ilustra bem esta relação: povo
e território. A história dos hebreus[31]
começa com a promessa da terra prometida (região da Palestina), onde se
estabeleceria como nação, sendo que depois de estabelecida, passa por guerras,
sofrendo seguidos cativeiros ao longo dos séculos, reassumindo seu território,
somente, após a segunda guerra mundial.
Uma exceção interessante nesta relação território e grupo social é
a situação da Catalunha[32]
que não possui território com o status de Estado (juridicamente, falando), mas
que possui uma identidade cultural própria dentro do território da Espanha,
tendo um sentimento nacionalista diferente do resto da Espanha, sendo que este
nacionalismo “elaborou mitos, rituais, símbolos que deram vida a um imaginário
que competia com a identidade nacional espanhola (...)”[33].
Desta forma, a Catalunha tem um componente simbólico identitário/nacionalista,
mas se submeteu a uma privação do território, não obstante, atualmente, tem
florescido o desejo de se ter um território próprio.[34]
Retomando o debate sobre os aspectos cultural e social, encontramos
em Haesbaert a seguinte impressão sobre o território:
Desde
a origem, o território nasce com uma dupla conotação, material e simbólica,
pois etimologicamente aparece tão próximo de terra-territorium quanto de
térreo-territor (terror, aterrorizar), ou seja, tem a ver com dominação
(jurídico-política) da terra e com a inspiração do terror, do medo –
especialmente para aqueles que, com esta dominação, ficam alijados da terra, ou
no ‘territorium’ são impedidos de entrar[35].
As dimensões dadas por Haesbaert ao território são a material e a
simbólica, que podem ser traduzidas em social e cultural (conforme proposto,
anteriormente). O território sempre representa ou materializa um poder, seja
ele oriundo do social/material/político, seja ele oriundo do
cultural/simbólico/mítico. Dada esta estruturação do território, ele atua na
esfera do funcional, como recurso, matéria prima entre outros, em função da sua
dimensão social. Como atua, também, fornecendo sentido, significado e ideologia,
dada a sua dimensão cultural.
Finalizando estas breves considerações sobre o território, precisa
ficar claro que o território nunca deve ser concebido isoladamente na sua
dimensão cultural/simbólica, mas sempre envolvendo sua dimensão
social/material. Isto decorre do fato de que “ao contrário da territorialidade,
ele sempre envolve uma dimensão material-concreta”[36].
c- Lugar
Podemos começar caracterizando o lugar pelo seu sentido
etimológico, que significa espaço ocupado, localidade, posição etc. Isto, de
imediato, demonstra que o lugar é um espaço fixo e limitado. Logo o lugar se
apresenta como um espaço conhecido e, numa perspectiva fenomenológica, um
espaço relacional. Assim ele é o palco das relações sociais, onde funciona como
um “microcosmo, onde cada um de nós se relaciona com o mundo e o mundo se
relaciona conosco”[37].
Dentro desta compreensão, o lugar é fruto de uma elaboração afetiva, de tal
maneira que há uma correspondência entre o homem e o lugar carregada de sentimentos
(saudades, lembranças, afetos).
O lugar sempre evocará a subjetividade do indivíduo. Percebe-se que
“a esperança das pessoas gira em torno de determinados lugares carregados de
histórias e símbolos”[38].
Por isto a análise da categoria lugar só e possível a partir do indivíduo, mas
isto não deve pressupor que os lugares são criações do sujeito, mas devem ser
considerados como espaços locais que “possuem características próprias”[39],
ou seja, que tem existência real, seja no plano material, seja no cultural.
Dentre as categorias geográficas (lugar,
região, território, paisagem), o lugar é a categoria que faz um corte no espaço
e no tempo, possibilitando formulações afetivas de ordem pessoal, criando um
ambiente de comunhão com o indivíduo. Este recorte da realidade realizado pelo
lugar explica porque
a
afeição não pode se estender a todo um império, porque frequentemente este é um
conglomerado de partes heterogêneas, mantidas e unidas pela força. Ao contrário
a região natal (pays) tem continuidade histórica e pode ser uma unidade
fisiográfica (um vale, litoral ou afloramento calcáreo) pequena o suficiente
para ser conhecida pessoalmente[40].
Por isto, o lugar é um espaço uno, limitado e que faz parte da
vivência do indivíduo. O lugar é sempre uma experiência cognoscível sem
sobressaltos ou mistérios, pois ele é uma parte conhecida e reconhecida da
existência do indivíduo. Todos sabemos que o homem “somente pode estabelecer
raízes profundas em uma pequena parte do mundo”[41],
que chamamos de lugar.
1. 2 – O lugar como categoria a priori da geografia
A presunção de que o lugar é uma categoria a priori se funda no
fato dele ser uma categoria a partir de onde pensamos as demais categorias. Não
se pretende, aqui, adentrar em discussões filosóficas sobre o alcance da
expressão a priori. Apenas entendemos que esta expressão parte de causas
já definidas sem haver a necessidade de comprovações (a posteriori),
bastando para isto uma argumentação racional. Logo, se pretende demonstrar que
o lugar é uma categoria “a priori”, por causas já conhecidas e admitidas.
Porque podemos afirmar que o lugar é uma categoria a priori?
Primeiramente, porque, evidentemente, pensamos o mundo a partir da nossa
subjetividade e nossas vivências. Neste sentido, é a partir do lugar onde moramos/vivemos
que elaboramos nossa cosmovisão (onde estão inseridas, inclusive, as outras
categorias geográficas). Sabemos que a “essência do lugar é a de ser o centro
das ações e das intenções, onde são experimentados os eventos mais
significativos de nossa existência”[42],
desta forma é a partir do lugar que sentimos a vida e pensamos o mundo.
Pensando, objetivamente e lançando mão da história da geografia,
sabemos que o nascedouro da geografia foi local, sobretudo pelas limitações
tecnológicas da época. Não bastasse, no dizer de La Blache (citado por RELPH,
1976), “a geografia é a ciência dos lugares (...).”[43].
Não obstante, não queremos justificar, através deste argumento, que o lugar é uma categoria a priori, uma vez que
o contexto da palavra lugar tem uma dimensão mais abrangente. Queremos nos
valer dos aspectos mais culturais, uma vez que o lugar é, antes de tudo, uma
elaboração afetiva, porque “o lugar encarna as experiências e aspirações das
pessoas”[44].
Entendemos que não podemos pensar as categorias mais abrangentes
como território, paisagem, região e o próprio espaço se não partirmos de um
ponto fixo, de um local. Não se pode compreender o todo se não partirmos da
parte onde está inserido o sujeito observador. Desta forma, o lugar “é uma
entidade única, um conjunto especial que tem história e significado”[45]
e é a partir desta significação que o lugar possibilita afirmarmos que o lugar
é um pequeno mundo, onde pensamos o grande mundo.
Pensando na relação espaço e lugar, entendemos que “o espaço é
amorfo e intangível e não uma entidade que possa ser diretamente descrita e
analisada”[46],
por isso, não podemos conhecer objetivamente o espaço, sendo que isto só é
possível pela mediação do lugar, por ser “um espaço estruturado”[47].
As coisas e as pessoas (tecnicamente, objetos) só podem ser estudadas e
conhecidas a partir do lugar, porque é o lugar que organiza e dimensiona o
espaço, à medida que ele (o lugar) representa uma fragmentação deste espaço.
Podemos dizer, filosófica e poeticamente (embora, seja um risco nos trabalhos
científicos, ainda reféns do positivismo comtiniano) que os lugares são as
praças, onde o tempo e o espaço se enamoram.
Ainda, na defesa da aprioricidade do lugar, não queremos limitar o
lugar, nem de longe, aos aspectos culturais, porque ele representa, também, uma
unidade espacial/física. A abordagem de lugar nesta pesquisa trabalhará com as
duas dimensões da categoria lugar (cultural e espacial). Não obstante, existem
outras abordagens que poderão caracterizar o lugar somente nos seus aspectos
simbólicos, no entanto, não é a intenção desta pesquisa seguir este caminho.
Por fim, podemos dizer que a compreensão do espaço só é razoável a
partir do vivido, do experimentado. A ideia de que podemos compreender o mundo
e as coisas, abstraindo os objetos do espaço, ignorando seu lócus, suas
relações e suas essências individuais, tem demonstrado ser um grande equívoco,
desde o enfrentamento do positivismo pela fenomenologia husserliana, no início
do século XX. Além do mais, quando falamos de lugares, “estamos falando da
significação do espaço para cada indivíduo”, pois não podemos explicar o
espaço, a vida, os objetos e as relações senão a partir do indivíduo. Neste
sentido, o indivíduo só pode viver no lugar, ademais a ideia de uma topofilia
(topos e filos na língua grega, significam respectivamente, lugar e
amor/afeição) só é possível a partir do lugar, uma vez que ela (a topofilia)
exige um “tamanho compacto, reduzido às necessidades biológicas do homem e as
capacidades limitadas dos sentidos”[48],
uma vez que você não pode amar/gostar/apreciar aquilo que sua sensoriedade não
alcança.
1. 3 – O lugar, espaço onde o sagrado se manifesta.
Antes de considerações específicas acerca do lugar como espaço onde
o sagrado se manifesta, entendemos que a ideia de território, como espaço onde
o sagrado se manifesta, não é razoável, dado a sua extensão e estruturação
jurídica-política, bem como o fato de que a hierofania se manifesta em dado
lugar do espaço, não numa porção desconhecida pelo sujeito, nem na totalidade
do espaço, mas numa perspectiva local e particular.
Partindo da rejeição do território como espaço onde se manifesta o
sagrado e não negando que o sagrado manifesto em dado lugar irradiará
sua ação santificadora ao território, reafirmamos que estamos
discutindo, neste momento, onde se manifesta o sagrado, não a propagação do
sagrado, porque a “teofania[49]
consagra um lugar pelo próprio fato de torná-lo ‘aberto’ para o alto, ou seja,
comunicante com o Céu, ponto paradoxal de passagem de um modo de ser a outro”[50].
Portanto, a manifestação do sagrado é local, porque significa uma “rotura
operada no espaço”[51],
criando um lugar sagrado.
O lugar, como já foi comentado, é uma elaboração afetiva que
acontece numa espacialidade estruturada e resumida. É dentro desta
espacialidade enxuta que “os mitos religiosos e políticos mudam a natureza de
parcelas do espaço: existem fontes, florestas, árvores e serras que viram
sagradas, enquanto os seus arredores permanecem profanos”[52].
Quando a hierofania irrompe em dado lugar,
este lugar passa a ser dotado de um caráter mágico, transcendente. A
manifestação do sagrado no lugar não o descaracteriza espacialmente, mas
reveste-o de um simbolismo, de uma transcendência, ou seja, “a pedra sagrada, a
árvore sagrada não são adoradas como pedra ou como árvore, mas justamente
porque são hierofanias, porque revelam (...) o sagrado, o ganz andere”[53].
Portanto, a sacralidade é decorrência da manifestação do sagrado,
que pode e deve ser, primeiramente, entendida sob um viés teológico, significando
a manifestação do totalmente diferente (ganz andere)[54],
tratando-se de uma experiência em que algo misterioso, grandioso, tremendo,
extraordinário se manifesta. Logo este lugar adquire uma mística, uma condição
mágica, uma supremacia religiosa, um status espiritual, uma vocação sagrada. As
experiências de manifestação do sagrado estão sempre associadas a lugares
específicos, como exemplos, Moisés no Monte Sinai (recebimento do decálogo),
Cristo no monte da transfiguração, Maomé no lugar chamado de Jabal Al-Nur ou "a Montanha da Luz”,
o apóstolo Paulo no caminho de Damasco etc.
Não raramente o comportamento social
de determinada comunidade reproduz uma ética retirada de uma manifestação do
sagrado, porque “a vida
de uma coletividade envolve crenças que se revelam nas condutas e se
materializam nas formas espaciais do cotidiano vivido”[55]. E a forma espacial que pode ser vivida esta experiência é o lugar, que é
o espaço existencial, onde estão as pessoas, as coisas e as relações. E neste
sentido, o lugar é onde se tecem as teias simbólicas da territorialidade, como
veremos no próximo capítulo.
2 O LUGAR SAGRADO FUNDA O CONCEITO DE TERRITORIALIDADE
Partindo do ponto de vista de que há
consenso acerca da aceitação da categoria lugar como espaço, onde o sagrado se
manifesta, acreditamos que o lugar sagrado estabelece uma áurea mítica e
simbólica no seu entorno, uma verdadeira esfera de poder. Neste sentido, esta
escala de poder funda conceitualmente a territorialidade, que “seria um espaço
de representação e apropriação simbólica de determinado espaço sagrado”[56].
O fato desta territorialidade adquirir,
eventualmente, ares político/jurídicos não a esvazia de sua concepção
ligada ao espaço sagrado, uma vez que “o sagrado é fundamental para o homem, na
medida em que para ele a alma é imortal, e para viver bem na terra e
apresentar-se puro diante de Deus após a morte carnal esse homem serve-se de
símbolos, ritos para a celebração de festas e cerimônias religiosas”[57]. E, ainda que o homem moderno (e pós-moderno)
possa se sentir indiferente ou totalmente descrente desta vida sagrada, não
poderá se libertar da herança antropológica e histórica que permeia sua
natureza humana, mesmo não sendo expressa ou demonstrada em ações religiosas. O
homo religiosus precede o homo laicus. E esta herança bendita/maldita é
irremovível da natureza do homem, uma vez que na proporção que
o homem a-religioso se constitui por oposição a seu
predecessor, esforçando-se por se ‘esvaziar’ de toda religiosidade e de todo
significado trans-humano. Ele reconhece a si próprio na medida em que se ‘liberta’
e se ‘purifica’ das ‘superstições’ de seus antepassados. Em outras palavras, o
homem profano, queira ou não, conserva, ainda os vestígios dos significados
religiosos. Faça o que fizer, é um herdeiro[58].
A territorialidade, entendida como este
apropriamento simbólico de determinado espaço (mas que se materializa na
estruturação do território) evidencia claramente que ela é fruto de uma ideia
legitimadora, construída simbólica/mítica/sagrada/religiosamente. A
manifestação do sagrado em determinado lugar desencadeia a territorialidade,
uma vez que a cultura do sagrado manifesto no lugar possibilita uma teia de
valores e significados, sendo que estas “culturas não representam somente um
gênero de vida, uma maneira de viver e de sobreviver; são também uma arte de
viver, e mesmo, além disso, uma razão de viver”[59]. O sagrado oferece
significado para a vida, possibilitando uma organização das ideias e do
pensamento acerca da vida. “Essa ordem de pensamento baseia-se em crença, mito
e valores”[60].
Não somente isto, “para entender os
objetivos da ação humana, tem-se de supor ser possível a comunicação com outros
mundos. Os geógrafos têm de estudar o papel desses outros mundos na
diferenciação do sagrado e do profano, e na construção das categorias do bem e
do mal”[61]. A negligência em analisar
as motivações irracionais/simbólicas (íntimas/subjetivas) do indivíduo
empobrece a compreensão da ação do homem na construção de seus espaços, pois
todos os homens compartilham uma experiência
fundadora porque têm o sentimento de que, sob o real ou acima dele, esconde-se
uma realidade mais fundamental. Se esta lhes fosse totalmente oculta, não
desempenharia nenhum papel na sua existência. Mas a experiência do sagrado
permite conhecê-la – e essa experiência está associada a certos lugares[62].
Esta pesquisa, tendo em vista, sua
abordagem cultural, reafirma a ideia de que o homo religiosus está presente de
forma latente ou efetiva na vida do homem moderno, não obstante, a
secularização e o desencantamento do mundo, preconizado por Weber. Por isto,
este homem religioso (ainda que latente na sua psiquê), acredita que “existe
uma realidade absoluta, o sagrado, que transcende este mundo (...)”[63] e isto, independentemente
do período histórico. Esta transcendência, nem sempre, está claramente expressa
na sociedade, mas se manifesta na “procura de sentidos que compartilham os
homens, e o esforço que sempre fizeram para se elevar, pela consciência, fora
do quotidiano, do contingente, a fim de encontrar um significado para a sua
experiência”[64].
Desta forma, resta-nos, apenas, compreender como esta territorialidade é tecida
em face do lugar sagrado
2.1 – O
simbolismo do lugar central: agente irradiador de territorialidade
Uma questão interessante na elaboração do pensamento mítico, com
relação à territorialidade, é a ideia de centralidade cósmica do espaço sagrado[65].
Na presente pesquisa, este conceito de espaço/lugar sagrado, como centro
irradiador de territorialidade, é definitivo na compreensão do processo de
ocupação e exploração do espaço, nos seus aspectos econômico e cultural.
Considerando que o tema deste capítulo é explicar como o lugar sagrado gera o
conceito de territorialidade, pontua-se, aqui, que o lugar sagrado como centro,
é um conceito fundante, apesar de ser produto de uma mentalidade arcaica, onde,
“apenas o que é sagrado existe de maneira absoluta”[66].
Não obstante o distanciamento histórico e científico destas sociedades, havemos
de convir que as instituições modernas, que representam as esferas de poder,
buscam sempre uma centralidade (seja física, seja simbólica) dentro de um
espaço geográfico/político[67].
Portanto, vamos encontrar nas sociedades arcaicas[68]
o simbolismo do centro de diversas maneiras, como “a montanha sagrada –
onde o céu e a terra se encontram – está localizada bem no Centro do mundo
(...). Cada templo e palácio – e, por extensão, toda cidade sagrada ou
residência real – é considerado como uma montanha sagrada, sendo visto,
portanto, como um centro”[69]. Neste sentido, para a mentalidade arcaica, a
manifestação do sagrado no espaço, “funda ontologicamente o mundo”[70],
ou seja, o espaço é significado (adquire sentido) pela hierofania (manifestação
do sagrado).
O que a compreensão mítica do espaço sagrado demonstra é que a vida
das sociedades arcaicas estava organizada em torno dos lugares sagrados e,
portanto, pode-se considerar a territorialidade uma decorrência desta leitura
mítica. Esta organização espacial denuncia duas realidades espaciais: a sagrada
e a profana. O espaço sagrado é o organizado e conhecido que serve de fronteira
ao resto do mundo. O espaço sagrado é o centro, a realidade, enquanto o profano
é a periferia, o desconhecido. Os dois espaços demonstram a dicotomia que os
envolve, a descontinuidade que os marca. O próprio termo sagrado/santo (kadosh
na língua hebraica e hagios na língua grega) significa separado, distinto dos
demais. Diante desta dicotomia, fica demonstrada “duas modalidades de
existência assumidas pelo homem ao longo de sua história”[71].
As implicações desta interpretação mítica do espaço se percebem no
processo de construção das cidades da antiguidade. É facilmente percebido o
fato de que “a religião estava em toda parte”[72],
na quantidade de templos e santuários que existiam nas cidades antigas, como
nas centenas de zigurates[73]
da cidade de Babilônia, por exemplo. Faz-se necessário explicar que o espaço
sagrado, na perspectiva da compreensão mítica/pré-científica, não é,
necessariamente, um componente da paisagem, mas “um elemento de produção do
espaço”[74].
Por isto, quando pensamos no simbolismo do centro como lugar que desencadeia a
territorialidade, “devemos saber que, nas coisas mais importantes, os conceitos
não se definem jamais por suas fronteiras, mas a partir do seu núcleo”[75].
A ideia de centro está associada à distinção que se deve fazer ao
restante do espaço, sendo que as hierofanias (manifestações do sagrado)
“anularam a homogeneidade do espaço e revelaram um ponto fixo”[76].
E é esse ponto fixo que nos permite “entender o comportamento religioso em relação
ao espaço em que se vive”[77].
Neste sentido, admitimos que o homo religiosus é uma herança consciente ou
inconsciente que o homem moderno não é capaz de eliminar, sobretudo porque é
uma inerência histórica presente na cultura. Sendo este homem, moderno ou
pós-moderno, agente e paciente desta teia simbólica presente na cultura, ele
jamais se encontrará em estado de puro secularismo ou dessacralização. “Em
outras palavras, o homem profano, queira ou não, conserva ainda os vestígios do
comportamento do homem religioso, mas esvaziado dos significados religiosos”[78].
2. 2 – O lugar
sagrado e a territorialidade urbana
A leitura mítica/simbólica/religiosa das sociedades arcaicas se
percebe, sobretudo, na vida urbana e
não
podemos perder de vista que, entre, os antigos, o que constituía o vinculo de
toda sociedade era um culto. Assim como um altar doméstico mantinha reunidos ao
redor os membros da família, assim também a cidade era a reunião dos que tinham
os mesmos deuses protetores e executavam o ato religioso no mesmo altar[79].
Fica evidente que no pensamento de
Coulanges (acima), a cidade era concebida como “uma pequena igreja completa,
com deuses, dogmas e culto”[80],
sendo organizada a partir do seu local de culto (santuário). Pode, até, parecer
grosseira e distante esta concepção de delimitação de espacialidades, mas
convém notar que este pensamento mítico foi o substrato para o pensamento
racional, bem como, o pensamento pré-científico foi o chão para a futura
cientificidade. Portanto, “esta vida
pré-científica seria o mundo da vida que seria o fundamento para o mundo
cientificamente verdadeiro e o compreende na sua concreção universal”[81].
O conceito mítico de espaço sagrado
é inaugural e epistemologicamente fundacional para a noção de territorialidade,
pois, o lugar sagrado para as sociedades arcaicas representavam o ponto central
e fixo, a partir do qual se desenrola o processo de organização da comunidade.
Para a mentalidade mítica, o mundo se organiza a partir do lugar sagrado, e é
“por esta razão que o homem religioso sempre se esforça por estabelecer-se no
centro do mundo”[82].
O conceito de territorialidade se estabelece a partir desta concepção, sendo
assim, a territorialidade significa o alcance da influência religiosa do lugar
sagrado sobre a ocupação e a forma de exploração do meio. Um exemplo interessante
é a ocupação da palestina pelos hebreus em 1400. A.C., com a posterior
construção do Templo Sagrado em Jerusalém (800 A. C), sendo que, a partir de
então, todo hebreu precisava comparecer três vezes por ano no templo, a fim de
participar das festas religiosas (Páscoa, Tabernáculos e Pentecostes)[83].
Neste período eles eram orientados acerca da Torah (Lei Mosaica)[84],
que era um código de leis que norteava a vida religiosa e civil da nação. Neste
sentido, o lugar sagrado determinava a vida social e econômica da nação,
especialmente nas questões voltadas para a posse e uso da terra.
Outro exemplo interessante é a forma como as cidades antigas eram
fundadas, sendo que, elas sempre se formavam a partir de um evento
mítico/simbólico/religioso. Desta forma, “a primeira preocupação do fundador é
escolher o lugar da nova urbe. Mas essa escolha, que é grave e da qual se crê
depender o destino do povo, é sempre entregue à decisão dos deuses”[85].
Portanto, a leitura mítica/religiosa da vida determinava as relações políticas,
sociais e econômicas na urbe (cidade), deixando claro que o fundamento de toda
territorialidade estava baseado na compreensão do lugar sagrado, que poderia
ser um santuário, um templo, um monumento sagrado. Desta forma podemos
asseverar que o conceito fundante da territorialidade estava entrincheirado com
a leitura religiosa/mítica que se fazia daquele espaço. Por isto, no contexto
das sociedades arcaicas, “cada cidade fora fundada com ritos que, segundo os
antigos tiveram como efeito estabelecer dentro de suas fronteiras os deuses
nacionais”[86].
A compreensão mítica do mundo e das coisas produziu nas sociedades
arcaicas um modelo religioso, baseado em crenças locais e circunscritas a uma
região específica, diferentemente da atualidade, quando as religiões extrapolam
fronteiras (como é o caso do Cristianismo e do Islamismo). As sociedades
arcaicas possuíam deuses territoriais que produziam uma religiosidade
nacional/local e exclusivista. Não havia o interesse em fazer proselitismo,
pois aquela divindade estava comprometida, apenas, com os naturais da terra, e
isto era tão verdadeiro que “a cidade que possuísse uma divindade não queria
que ela protegesse os estrangeiros e não permitia que ela fosse adorada por
eles”[87].
Portanto, em relação ás sociedades arcaicas e sua compreensão
mítica, que denominamos de pré-científica, podemos afirmar que a gênesis da
ideia de territorialidade é a busca de uma relação de domínio e influência
sobre determinado espaço, com vistas ao uso exclusivo de um grupo social. Neste
sentido, a territorialidade é a manifestação de uma esfera de poder, exercendo
controle sobre determinado espaço e, certamente, a primeira instância deste
poder se deu (historicamente, falando) no âmbito do
sagrado/mítico/simbólico/religioso. Desta forma, “é conveniente partir da
experiência religiosa, quando se deseja compreender a distribuição dos homens,
o controle das paisagens e a organização do espaço afetado pela fé”[88].
2. 3– O
surgimento do território como fruto da territorialidade gerada no lugar
sagrado.
Entende-se que o território é produto de uma territorialidade
elaborada na cultura, uma vez que “a territorialidade emana da etnia, no
sentido de que ela é, antes de tudo, a relação culturalmente vivida (...) cujo
traçado no solo constitui um sistema espacial – dito de outra forma, um
território”[89].
Logo o território materializa uma territorialidade construída a partir da
cultura e, mais especificamente, na ideia do sagrado contida no lugar.
Pode-se dizer que a demarcação de um território é considerada um
ato criador. O território surge então como um ato de posse de uma região
sacralizada pela associação com um arquétipo celestial (mítico). Por isto, “o
processo de povoação de uma nova região, não-cultivada e desconhecida, equivale
a um verdadeiro ato de Criação e seu estabelecimento como território só é
considerado real quando se realiza um ritual de tomada de posse”[90].
Um exemplo significativo é a tomada de posse das terras conquistadas pelos
espanhóis e portugueses, que sempre era feito em nome de Jesus Cristo e da
Igreja. A primeira missa, celebrada no Brasil, é outro exemplo deste ritual de
posse e conquista de um território.
O território, visto como produto de uma apropriação/valorização
simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido, exige um substrato
teórico legitimador de suas fronteiras. Sendo assim, o lugar sagrado (religiosa
ou culturalmente, falando) funciona como “o umbigo do mundo, o ponto em que
começou a Criação”[91].
Então, é a partir deste umbigo/centro do mundo/lugar sagrado que as fronteiras
do território são estabelecidas, e neste sentido, “a fronteira, esse produto de
um acto jurídico de delimitação, produz a diferença cultural do mesmo modo que
é produto desta”[92],
ou seja, as fronteiras são produto do sagrado, da mesma forma que o
circunscreve (limita) àquele espaço.
Quando enfatizamos o sagrado como gerador de territorialidade, não
limitamos o sagrado á uma manifestação religiosa, mas contemplamos todos os
aspectos mítico/simbólicos do sagrado, sem reduzi-lo a uma experiência
religiosa. Daí decorre o fato de que “não pode haver sociedade que não sinta a
necessidade de conservar e reafirmar, a intervalos regulares, os sentimentos
coletivos e as ideias coletivas que constituem a sua unidade e a sua
personalidade”[93].
Sendo que estes sentimentos e ideias coletivas são produzidas no arcabouço da
cultura, através dos mitos e dos símbolos.
Em face do já dito, o território não é fruto, primeiramente, de uma
delimitação político/jurídica, mas de uma construção mítico/simbólica oriunda
da cultura, traduzida na forma de territorialidade. Em função disto, o
território materializa uma relação simbólica, sendo que “os grupos, as etnias e
os povos existem por sua referência a um território (...)”[94].
É o território que dá visibilidade à relação simbólica com o lugar sagrado,
existindo, “portanto, uma leitura da história a partir da relação vivida e
quase carnal que os homens travam com seu território”[95].
Outro fator importante de ser mencionado, com relação à teia
simbólica que envolve a criação e delimitação de um território, é a questão dos
laços identitários e relacionais porque “o território é, primeiramente, uma
determinada maneira de viver com os outros; em inúmeros casos seus limites
geográficos são os das relações cotidianas”[96].
Apesar da particularização da ideia de território feita por Bonnemaison
(acima), podemos estender esta compreensão para a criação dos modernos Estados
Ocidentais, quando nas suas Cartas Constitucionais vemos como princípios
basilares, uma moralidade oriunda do judaísmo/cristianismo, em face destes
povos serem de uma tradição religiosa cristã, refletindo assim, na constituição
(jurídica e cultural) de seus territórios a sua moralidade cotidiana. Portanto, observamos que a mentalidade
mítica/simbólica se apresenta como uma experiência recorrentena vida do ser
humano, sendo assim, tentaremos observar (no próximo capítulo) vestígios desta
concepção na construção de territorialidades na pós-modernidade.
3 OS SIMBÓLICOS DA PÓS-MODERNIDADE E A CONSTRUÇÃO DE NOVAS
TERRITORIALIDADES
A leitura simbólica do espaço é atemporal, pois se mudam ou
ressignificam os símbolos, os mitos e os heróis, mas a visão
mítica/sagrada/religiosa permanece. Ora, se a territorialidade é medida por
fatores sociais e culturais e o território materializa esta relação entre
espaço e sociedade, não há como se desvencilhar de uma visão simbólica perene.
Sobretudo, porque “o território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e
dos sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como
território usado. O território usado é o chão mais a identidade”[97].
E a identidade do sujeito só pode ser construída a partir de um processo
simbólico, porque “a identidade é conferida pelo meio ou por alguns dos
elementos do meio que nós escolhemos. Nós ingressamos num mundo de signos – e
de consumo cultural”[98].
A geografia, legítima detentora da análise da relação sociedade e
natureza, não pode se esquivar de seu passado mítico, pois a ideia de
objetivar/naturalizar/mecanizar esta relação não contempla a complexidade da
teia simbólica que envolve o homem e o meio. Não podemos esquecer que a
concepção positivista de ciência, herdeira do racionalismo iluminista, produziu
a crença arrogante e ingênua de que existe uma forma de conhecimento objetivo
que seja infalível, imaginando “que as observações sempre eram o reflexo das coisas
reais, e toda subjetividade (identificada com o erro) podia ser eliminada
através da concordância e da verificação das experiências”[99].
Neste sentido a geografia, especialmente, por transitar entre as ciências
sociais (homem/sociedade) e naturais (espaço físico) deve se valer de sua
herança subjetiva/simbólica, se quiser ter êxito na interpretação da relação
sociedade e natureza.
Neste
sentido, precisamos concordar com Dardel, embora sua defesa apaixonada da
sacralidade da terra possa soar como uma ingenuidade[100]
para a tecnológica e secularizada geração pós-moderna. Não obstante, vamos as
suas considerações:
Nas
sociedades ditas primitivas e na maior parte das sociedades antigas e
medievais, a ligação do homem com a terra recebeu na atmosfera espaço-temporal
do mundo mágico-mítico, um sentido essencialmente qualitativo. A geografia é
mais do que uma base ou um elemento. Ela é um poder. Da terra vêm as
forças que atacam ou protegem o homem, que determinam sua existência social e
seu próprio comportamento, que se misturam com sua vida orgânica e psíquica, a
tal ponto que é impossível separar o mundo exterior dos fatos propriamente
humanos.[101]
Levando em conta essa comunhão visceral entre homem e natureza, que
não se limita a aspectos orgânicos, mas que contempla aspectos subjetivos
também, vamos nos ater aos paradigmas simbólicos de nossa contemporaneidade e
sua construção de territorialidades. Inicialmente, vamos analisar a categoria
geográfica lugar, que é exatamente onde se estrutura a teia simbólica da territorialidade.
3. 1 – O conceito de lugar, em face dos novos paradigmas simbólicos da
pós-modernidade.
Não será demais lembrar que, ao longo desta pesquisa, a categoria
lugar é vista como categoria a priori na geografia, uma vez que “os fatos da geografia
são fatos do lugar”[102].
Não há de se pensar em geografia se não a partir do lugar. Sendo assim,
queremos estender o conceito de lugar, considerando os modernos arranjos
espaciais, bem como, o fato de que o homem pós-moderno é dinâmico e desloca grandes
distâncias em curto espaço de tempo. Esta é uma questão tensa para o
estabelecimento de um conceito de lugar, uma vez que “a situação de um homem
supõe um espaço onde ele se move; um conjunto de relações e de trocas e
distâncias que fixam de algum modo o lugar de sua existência”[103].
Diante desta intensa mobilidade humana, precisamos avançar na compreensão de
lugar, não o vendo, apenas, como um local estático, mas como um espaço móvel e
dinâmico.
Nesta empreitada de libertar o lugar da condição estática/locacional
e atribuir a ele significado translocal, precisamoster o cuidado de não
esquecermos que o lugar é o ancoradouro das experiências, ou seja, “o lugar
encarna as experiências e aspirações das pessoas”[104].
Desta forma, não podemos reduzir o local a uma subjetivação, matando o seu
aspecto físico/local/estático. O lugar é o substrato das experiências, não a
experiência em si, logo ele é o espaço/mundo das vivências[105].
Se não podemos reduzir o local às vivências e experiências, havemos de convir
que as experiências e vivências no mundo pós-moderno se manifestam em espaços
variados, fragmentados e distanciados.
Considerando, ainda, que o lugar não é um espaço amorfo e
homogêneo, uma vez que ele materializa um espaço significativo, separado (ideia
de santo/sagrado) e emblemático, este mesmo lugar, na pós-modernidade, é
concebido qualitativamente e não pelas coordenadas geográficas. Assim, todo
lugar é sagrado/mítico/religioso quando ele é o substrato das vivências
significativas (trabalho, lar, lazer, culto etc). A espacialidade física
continua sendo essencial, entretanto, o lugar se torna significativo pela
experiência vivida, porque são “as pessoas que lhe dão significado”[106]
e não a sacralidade/simbolismo inerente ao lugar, diferentemente do conceito de
hierofania (para os povos da antiguidade), onde “uma irrupção do sagrado que
tem como resultado destacar um território do meio cósmico que o envolve e o torna
qualitativamente diferente”[107].
Esta diferenciação na forma como as vivências são experimentadas é
a responsável pela ampliação do conceito de lugar, na pós-modernidade. Os
lugares das vivências significativas passam a ser arquipélagos de uma mesma
espacialidade mítica/simbólica/sagrada, um verdadeiro mundo da vida (lebenswelt
na língua Alemã, berço do existencialismo fenomenológico de Husserl e
Heidegger). Grosseiramente, a soma dos micro-lugares significativos (escola,
igreja, família, trabalho etc), produz um macro-lugar
afetivo/simbólico/mítico/sagrado. Neste entendimento, admitimos que “todos os
lugares são pequenos mundos”[108]
significativos, ou seja, dotados de sentido.
Este lugar abrangente, somatório de todos os demais lugares, se
espacializa em qualquer micro-lugar. Onde a experiência/vivência significativa
está acontecendo, este é o lugar sagrado/mítico. Então, este macro-lugar é cada
parte e todas as partes ao mesmo tempo. Nesta compreensão é apropriado citar
Pascal:
Como todas as coisas são
causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas são
sustentadas por um elo natural e imperceptível, que liga as mais distantes e as
mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo,
tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes[109].
Esta tentativa de configuração sistêmica do lugar se explica pelo
fatodeste sujeito estar descentrado, desconexo da realidade histórica passada,
manifestando um comportamento “disperso e alienado de qualquer totalidade
possível”[110].
Neste sentido, as experiências dispersas e fragmentadas são alocadas e
organizadas em micro-lugares[111],
numa tentativa de estruturação de seu mundo particular, construindo uma teia
sistêmica de sentidos. O indivíduo passa a portar em si mesmo, de forma
sistêmica, a memória de diversos lugares, sendo que o comportamento deste
indivíduo na sociedade demonstra a fluidez destes espaços/lugares
míticos/simbólicos/sagrados.
Encontramos, atualmente, em alguns grupos sociais as marcas de uma
busca pela experiência do sagrado, do sobrenatural, do transcendente em
lugares, notadamente, profanos. Um exemplo são as Raves, que são “festas
cosmopolitas que misturam cultura e música tecno, drogas e uma multidão de
jovens adolescentes ansiosos por emoção – como uma forma de acesso ao sagrado
que se abre pela transgressão da ordem cultural e pela ritualização dessa
experiência”[112].
A busca pelo transcendente, pelo sagrado em um lugar profano, na
pós-modernidade (científica e laica), demonstra que a pós-modernidade conserva,
ainda, o “anseio de transcender o nosso próprio tempo, pessoal e histórico, e de
mergulhar num tempo estranho”[113].
A dimensão do simbólico, do mítico, do sagrado parece ser inerente
a condição de humano, “em suma, a maioria dos homens ‘sem religião’ partilha
ainda das pseudo-religiões e mitologias degradadas. Isso, porém, não nos
surpreende, pois, como vimos, o homem profano descende do homo religiosus e não
pode anular sua própria história (...)”[114].
Portanto, o que mudou não é a mentalidade mítica/simbólica/religiosa do homem,
mas a forma como os mitos e símbolos são elaborados, sendo um produto cultural,
contextualizado ao seu período histórico. Neste sentido, o lugar
funciona como o laboratório, onde são fabricados estes mitos, símbolos e
heróis.
Esta elaboração simbólica construída em diversos micro-lugares
constitui um imaginário simbólico bastante denso e abrangente que redundará
numa territorialidade difusa e complexa. Diante disto, precisamos analisar a territorialidade
como uma instância de poder que se constrói, primariamente, a partir de um
indivíduo em busca de identidade e de sentido num mundo globalizado e
massificante.
3. 2: Os paradigmas simbólicos pós-modernos e os conceitos de
territorialidade e território
O território dá
visibilidade ao sentimento de identidade, caracterizado por memórias,
lembranças, afetos, que são construídos nos “lugares, ’nas porções’ da natureza
em que estão enraizados os seus potenciais (...) e a sua relação tecida entre a
história e o espaço fornece uma base aparentemente material á identidade: ela
lhe proporciona um território”[115].
Sendo assim, o território é um ancoradouro de identidades. Por isto, a
identificação com o espaço é, notadamente, simbólica, uma vez que é gerada
subjetiva/afetivamente e não objetiva/racionalmente. Isto é evidente pelo fato
de um mesmo lugar[116]
despertar diferentes sentimentos naqueles que residem ali, mas todos os
sentimentos e afetos são construtores desta identidade ou identificação com o
lugar.
A formação do
território, então, é uma decorrência deste processo identitário forjado no
lugar (categoria geográfica a priori), que é um espaço simbólico, mítico,
sagrado, representativo. A identidade do grupo social, desta forma, não é
estruturada objetivamente, mas mediada pela presença de mitos, histórias,
memórias etc. É este sentimento identitário elaborado no lugar que confere uma
territorialidade, que se consuma na ordenação do território.
Um exemplo
interessante da presença do mítico/simbólico na estruturação de territórios
recentes é a construção de Brasília (capital do Brasil). Percebe-se nela a
presença de vários elementos simbólicos, pois o plano piloto da cidade, muitas
vezes, é comparado “com a forma de um pássaro ou de um avião. As asas norte e
sul são zonas residenciais e o eixo monumental leste/oeste é o corpo. Brasília
é um pássaro que pousou na terra, uma nova Jerusalém descendo do céu de Deus”[117].
Isto sem mencionar que o traçado da cidade é o de uma cruz, símbolo caro para
os cristãos.
Não
obstante, pensamos que possa surgir algum questionamento sobre a atualidade do pensamento
mítico/simbólico/religioso, argumentando que as territorialidades das
sociedades tradicionais (antigas) não encontram eco na modernidade e, mormente,
na pós-modernidade, em face do declínio ou pelo desmoronamento das ideologias e
filosofias históricas, “sobre as quais repousavam as sociedades ocidentais”[118].
A isto poderia ser acrescentado o fato de que na pós-modernidade, a
fragmentação histórica, a sociedade líquida, a rejeição do absoluto e da
tradição são marcas evidentes. Neste sentido, haveria na pós-modernidade,
“pouco esforço aberto para sustentar a continuidade de valores, crenças ou
mesmo de descrenças”[119].
Diante deste quadro de incertezas, pensava-se, inclusive,
que as culturas locais, as tradições, os mitos seriam diluídos na cultura
globalizante de viés econômico-político. E neste sentido, muitos julgaram
que o desaparecimento da maior parte dos traços que promoviam a infinita
variedade do mundo tradicional anunciasse a erosão das diferenças culturais,
mas “o que se observa hoje são sociedades onde os problemas de identidade são
mais envolventes do que nunca”[120].
Atualmente, percebe-se, claramente, discursos
e movimentos identitários em várias partes do globo, que buscam fugir do
“contágio dos modos de pensamento que se condena, do jeito arrebatador de
comportamentos e atitudes que reprovamos moralmente, da poluição á qual nos
expomos ao permanecermos em ambientes impuros”[121].
Tais discursos revelam a construção de elementos míticos/simbólicos/religiosos
expressos em palavras como comportamentos, moralmente, impuros, que são
valores absolutos, recheados de religiosidade. O que dizer dos nacionalismos e
regionalismos evidenciados na criação de partidos políticos de viés
nacionalista e intolerantes á presença de elementos estrangeiros (xenófobos)?
Tudo isto indica uma reação à cultura globalizante e massificante. Observa-se
que
numerosos setores sociais se refugiam nas trincheiras de
identidade construídas em torno de sua experiência e de seus valores
tradicionais: sua religião, sua localidade, sua região, sua memória, sua nação,
sua cultura étnica, seu gênero ou, em algumas ocasiões, sua opção identitária,
constitutiva de um sistema de valores alternativos[122].
Sendo assim e admitindo
que a territorialidade apresenta-se como a “tentativa
de um indivíduo ou grupo de influenciar, afetar, controlar objetos, pessoas e
relacionamentos pela delimitação e pela afirmação de seu controle sobre uma
área geográfica"[123]; fica evidente que esta instância de poder e dominação transcende a
questão temporal e espacial, sendo uma experiência não circunscrita a períodos
históricos e espacialidades. É uma experiência humana inata, senão como
poderíamos justificar o fato de que, atualmente, identificamos grupos de jovens
e adolescentes que se organizam “em gangues e tentam assegurar o controle
exclusivo de territórios que eles defendem contra a penetração de vizinhos”[124].
O que se percebe é que “no imaginário
das gangues, os espaços da cidade se configuram enquanto locus de disputas, confrontos
e delimitação de posses”[125].
Tal comportamento remonta às sociedades camponesas tradicionais, onde “os
jovens também lutavam, aldeia contra aldeia, para se afirmar, provar sua
virilidade e mostrar sua capacidade de se impor frente aos outros”[126]. Estas gangues[127]
da pós-modernidade relembra o comportamento de cangaceiros, na região nordeste
do Brasil, em tempos idos.
Na pós-modernidade, esta construção
simbólica com vistas à dominação de certa espacialidade (território), se
apresenta de forma bastante líquida e dinâmica. Senão vejamos os casos dos
bailes Funks ou de Hip Hop nas grandes cidades, que tem uma visão de
território, “quase sempre delimitada pela violência, seja como luta de
contrários, ‘dos ricos contra os pobres’, relatada pelo Hip Hop; seja pela
guerra entre áreas de turmas rivais, protagonizadas pelas gangues”[128].
O que dizer, ainda, das questões ligadas à intolerância religiosa, experiência
antiga, mas reeditada recentemente nas favelas do Rio de Janeiro, quando pais e
mães de santos foram “expulsos de favelas da zona norte pelo tráfico”[129].
Sendo que em algumas destas favelas, houve o fechamento dos terreiros e a
“proibição do uso de colares afro e roupas brancas”[130].
Todos estes fatos demonstram a presença do simbólico no estabelecimento de
territorialidades e neste sentido, para haver a dominação de determinado
território precisa haver a construção/desconstrução/reconstrução do
simbólico/sagrado.
A criação dos estados nações (espaços
delimitados política e juridicamente), na modernidade, demonstra, também, como
a territorialização é fruto de uma elaboração mítica/simbólica, que incorpora
os sentimentos de “pertencimento e de territorialidade”[131],
demonstrada através de símbolos nacionais como a bandeira, o hino, a língua, a
história comum. Não obstante, a riqueza simbólica dos territórios-nações, a
globalização atual gera um clima de desassossego em face da possibilidade de
uma desterritorialização, através da absorção de culturas locais e regionais,
substituindo-as por uma cultura-mundo.
Entretanto, a ideia de uma
desterritorialização(em face da globalização política/econômica/cultural)
parece ingênua, pois “o mundo não está nem des-espacializado, nem
desterritorializado. Primeiro, porque a aparente desmaterialização ou perda de
referência espacial nas relações sociais indica, na verdade, quase sempre, uma
condensação/densificação geográfica das relações (...)”[132].
Portanto, esta fluidez dos territórios demonstra que a sua delimitação é fruto
de uma territorialidade que privilegia os aspectos qualitativos dos lugares
míticos/simbólicos. E neste sentido, não está havendo desterritorialização na
pós-modernidade e sim multi-territorialização, mas igualmente construída a
partir de territorialidades fundadas nos mitos/símbolos pós-modernos,
construídos a partir dos micro-lugares (escola, igreja, família, trabalho etc).
3. 3 – Os paradigmas simbólicos pós-modernos e a ideia de território-mundo
Observamos ao longo da história que os
mitos não morrem, são apenas ressignificados pelas novas gerações. As
experiências humanas são as mesmas: nascer, trabalhar, sofrer, gerar filhos,
sonhar, casar, morrer etc. Os sentimentos, também, são os mesmos: medo,
saudade, amor, ódio, alegria, tristeza etc. Logo, os mitos são os mesmos,
também, e vão ser as respostas para as necessidades humanas: cura, libertação,
fertilidade, saúde, força, imortalidade, transcendência etc.
Fica evidente que o homem tem aspirações
que vão além das suas necessidades fisiológicas imediatas, isto se deve ao fato
do homem não viver “num universo puramente físico, mas num universo simbólico.
A linguagem, o mito, a arte, a religião são partes deste universo. São os
vários fios que tecem a rede simbólica, a teia emaranhada da experiência humana”[133].
A pergunta que se faz, na
pós-modernidade é: se é possível produzir uma cultura que represente toda a
humanidade, ou seja, será que os mitos, símbolos e heróis são universais?
Entendemos que o pensamento mítico/simbólico é inerente ao ser humano e está
presente em todos os grupos sociais. Mas, “estaríamos
vivenciando um processo radicalmente novo de territorialização, pelo menos no
que diz respeito à escala planetária, com a formação de uma nova identidade
territorial (...)”?[134]
Pensamos que não, especialmente por acreditar que a identidade territorial é
construída a partir da territorialidade, e está só pode ser produzida no lugar.
Sendo
assim, as leis da globalização da economia não são da mesma natureza da
globalização da cultura, exatamente pelo elemento simbólico, que é tecido ao
nível do lugar e não a partir do território, ou seja, a cultura não começa no
território, ela, apenas, se torna visível no território. Neste sentido, julgo
por oportuno diferenciar novamente as duas categorias. “O termo território, de
maneira geral, é utilizado para indicar domínio ou gestão de uma determinada
área. Nesse caso, não pode ser confundido com lugar, que pressupõe afetividade,
pertencimento, topofilia (...)”[135].
Portanto, quando pensamos em globalização como a “reunião de processos,
atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e
conectando comunidades e organizações”[136],
numa perspectiva de homogeneização econômica e cultural, precisamos esclarecer
que tal homogeneização, com vistas a ideia de um território-mundo, tem
enfrentado grandes resistências, senão vejamos:
a) O acesso às
demais culturas pode reforçar valores e crenças locais, quando confrontados com
outros modelos culturais, considerados eticamente inadequados para aquele
grupo, fortalecendo assim os laços identitários locais. No Reino Unido, por
exemplo, em face da presença significativa de Africanos e Asiáticos, despertou
um racismo cultural, sendo que esta “atitude defensiva produziu uma
‘inglesidade’ (englishness) reformada, um ‘inglesismo’ mesquinho e agressivo e
um recuo étnico, numa tentativa de escorar a nação e reconstruir uma identidade
que seja una, unificada, e que filtre as ameaças da experiência social”;[137]
b) Outro foco
de resistência a ideia de um território mundo trata-se do “recrudescimento de
regionalismos e nacionalismos de ordem político-cultural – enquanto movimentos
pelo menos parcialmente contra-globalizadores”[138].Fato
este verificado no fortalecimento de partidos políticos com viés nacionalista,
sobretudo, na Europa Ocidental.
Portanto, a
proposta de um território-mundo, ainda desperta muita resistência, sobretudo,
por não se saber, exatamente, quais as estruturas políticas e econômicas que
vão geri-lo. Não estaria este território-mundo aliançado com as elites
econômicas do mercado? Não seria um território-mundo a serviço dos países
ricos?
CONCLUSÃO
Levando em consideração tudo que foi
escrito até aqui e caminhando para o encerramento desta pesquisa, precisamos
nos perguntar se o problema levantado pela pesquisa foi solucionado, ou seja,
se a concepção mítica de lugar sagrado vai estabelecer territorialidades em
qualquer circunstância histórica e cultural. Também não deve ser esquecido que
esta pesquisa se propôs a demonstrar como os mecanismos simbólicos, presentes
no lugar, constroem as territorialidades. E nesse sentido, precisa ser
respondido se tal objetivo foi alcançado.
Analisando a produção textual de
forma global, percebemos que a estruturação dos capítulos procurou contemplar o
problema de pesquisa expresso no tema, bem como, buscou explicitar os
mecanismos simbólicos responsáveis pela elaboração da territorialidade. Desta
forma, o capítulo primeiro demonstrou que a categoria geográfica lugar é o
espaço de manifestação do sagrado, sobretudo por que esta hierofania é
interpretada pela subjetividade do sujeito e esta experiência só é possível a partir
do lugar onde este sujeito mora/vivencia/experiencia, enfim, onde sua
cosmovisão é estruturada. Corroborando a ideia de que, somente, na categoria
lugar o sagrado se manifesta, ficou esclarecido que o território não é o espaço
de manifestação do sagrado, dado a sua estruturação e extensão e seu caráter
impessoal (jurídico/político).
O capítulo primeiro serviu, também,
para definir o lugar como única possibilidade de manifestação do sagrado e de
onde se estrutura os mecanismos simbólicos que forjam a territorialidade. A
manifestação do sagrado/simbólico/mágico no lugar cria uma esfera de poder e
domínio de determinado grupo social sobre dada espacialidade, isto é
territorialidade. E é a partir desta territorialidade que se configura
(legitima) o território. Diante disto, o capítulo primeiro responde em parte o
problema de pesquisa, mostrando que é na categoria geográfica, lugar, que se
manifesta o simbólico/sagrado/mágico, construindo territorialidades.
Entretanto, esta elaboração simbólica está centrada na presença de mitos,
heróis e deuses na cultura dos povos da antiguidade e, portanto, precisa ser
demonstrado se esta elaboração simbólica/mítica ainda perdura em tempos
modernos e pós-modernos, marcado pelo avanço da racionalização científica, bem
como, a dessacralização e desencantamento do mundo. O capítulo primeiro, neste sentido, não
responde a essa última questão[139].
Enquanto está questão permanece em
suspense, no capitulo dois é estabelecido a fundamentação teórica (conceitual)
de territorialidade a partir do lugar sagrado, onde a territorialidade é a
instância de poder, que se materializa na estruturação do território, deixando
claro que ela é fruto de uma ideia legitimadora construída simbolicamente no
lugar sagrado. Neste capítulo, fica demonstrado que o conceito mítico de lugar
sagrado é fundacional para a noção de territorialidade, fato observado com
clareza nas sociedades arcaicas, especialmente na configuração das cidades.
Desta forma, a maneira mais segura de interpretarmos a distribuição e ocupação
do espaço na antiguidade e a “partir da experiência religiosa”[140],
ou seja, através das manifestações do sagrado.
Avançando para o fim da nossa
pesquisa, o capítulo três se propôs em mostrar a atualidade da leitura
simbólica do espaço, demonstrando que ela é atemporal e que os deuses, mitos e
heróis subsistem na secularizada pós-modernidade. A categoria lugar continua
sendo indicada como espaço onde são construídas as territorialidades, não
obstante sua dinamicidade, em face da globalização, dos modernos meios de
comunicação e da velocidade dos meios de transporte. Os lugares permanecem
sendo o espaço da manifestação do sagrado/mítico/mágico/religioso, demonstrando
que o lugar é caracterizado, sobretudo pela qualidade das relações (afetos,
lembranças, memórias) e não, somente, pela sua localização geográfica. Desta
forma, este capítulo conclui a segunda questão do problema de pesquisa, que é a
atualidade do processo simbólico produzido nos lugares sagrados e a decorrente
geração de territorialidade.
Sendo assim, ficou demonstrado que
os mecanismos simbólicos subsistem no lugar sagrado, ainda que travestidos e
ressignificados, porque o homem sempre está buscando significar o espaço de
suas vivências, bem como, fornecer sentido para sua vida. Neste sentido,
percebemos na nossa pós-modernidade vários fenômenos sociais (as Raves, as
Gangues de jovens, por exemplo) associados a esta busca de identidade do homem
contemporâneo, especialmente em face da proposta de globalização da cultura.
Sabemos que os processos identitários são construídos a partir de um simbólico
comum ao grupo (língua, origem social, memórias, mitos, heróis) e, atualmente,
são a força motriz da territorialidade. A fragmentação e a descontinuidade da
pós-modernidade alavanca o sentimento identitário, ou seja, o indivíduo sente a
necessidade de se achar, se localizar, se descobrir. Neste sentido ele precisa
dos velhos símbolos, das tradições, das memórias coletivas, do sentimento de
pertencimento, do sagrado, do transcendente. Os mitos, somente, trocam de
roupa, porque a busca do humano é a mesma: o desejo de transpor a dura
realidade de sua finitude.
Entendemos, também, que ficou
explícito ao longo da pesquisa como os mecanismos simbólicos, presentes no
lugar, constroem as territorialidades (sendo este o principal objetivo do
trabalho). O debate acerca dos lugares sagrados evidenciou o tempo todo que os
processos simbólicos são inerentes ao ser, pois não é da natureza do homem se
estruturar e se conduzir “num universo puramente físico, mas num universo
simbólico. A linguagem, o mito, a arte, a religião são partes deste universo.
São os vários fios que tecem a rede simbólica, a teia emaranhada da experiência
humana”[141].
Por fim, sem querermos ser
pretensiosos, acreditamos que a proposta da nossa pesquisa acerca do processo
simbólico/sagrado na construção da territorialidade, goza de razoável
credibilidade. Pensamos que esta abordagem é original e apropriada, uma vez que
a territorialidade não é uma decorrência do território, mas a causa do
território. Assim, são os processos simbólicos que são os responsáveis por toda
territorialidade, que desembocará na estruturação do território. Se isto é verdade
como estamos pontuando, acreditamos que a distribuição espacial de uma
sociedade precisa ser interpretada, primariamente, a partir dos aspectos
culturais e, somente num segundo momento, pelos determinismos geográficos,
políticos e econômicos. Novas pesquisas, mais aprofundadas, merecem ser feitas
neste sentido e, quem sabe, encontraremos respostas interessantes para as
questões ligadas à violência urbana, à intolerância religiosa e à segregação
econômica de nosso País.
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[1]SACK, 1983, p. 56 apud HOLZER,
Werther.Uma discussão fenomenológica sobre os conceitos de paisagem e lugar,
Território e meio Ambiente, p. 82. Revista Território, ano II, Nº 3, p.77-85,
1997. p. 82.
[2] ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões.
São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 20.
[3]OTTO, Rudolf. O Sagrado. São Leopoldo: Sinodal/EST;
Petrópolis; Vozes, 2007. p. 20.
[4] HOLZER, 1997, p. 84.
[5] Referente à Mircea Eliade.
[6] ROSENDAHL,
Zeny. Território e Territorialidades: uma perspectiva geográfica para o estudo
da religião. Anais do X encontro de geógrafos da América Latina – 20 a 26 de
março de 2005. Universidade de São Paulo. p. 12933.
[7] Autora de
diversas obras que enfocam a geografia e a religião como: Hierópolis – O
sagrado e o urbano; Espaço e religião: uma abordagem geográfica; Religião,
identidade e Território. Também é pesquisadora do CNPQ, Coordenadora do NEPEC
do departamento de Geografia da UERJ.
[8] Doutora em História
Social pela Universidade de São Paulo, coordenadora do Programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento Local da Universidade Católica Dom Bosco. Atua
nas áreas de História, patrimônio Cultural e o Sagrado.
[9]Mircea Eliade
foi um professor, historiador das religiões, mitólogo, filósofo e romancista
romeno. Nascido em 1907 e falecido 1976, foi autor de obras importantes na área
de Ciências da Religião, como o Sagrado e o Profano: a essência das
religiões.
[10] Rudolf Otto
foi um eminente teólogo protestante alemão e erudito em relações comparadas.
Autor do livro “o sagrado”, publicado em 1917.
[11] CASTILHO,
Maria Augusta. Cristianismo e territorialidade. Os espaços sagrados no
cotidiano dos fiéis católicos. Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n.
3, p. 39-58, 2010. p. 45.
[12]Um dos principais especialistas e teóricos da geografia cultural. Ele também fundou em 1992 a
revista Geografia e culturas. Autor de várias obras na área de geografia
cultural.
[13] Rogério Haesbaert da Costa é um geógrafo brasileiro
contemporâneo. Professor da Universidade Federal
Fluminense desde 1986, é um dos nomes mais conhecidos da área da Geografia
Humana no Brasil.
[14] Yi- Fu Tuan é
um geógrafo americano de origem
chinesa. Professor nas universidades do Novo México, Toronto, Minnesota e
Wisconsin. Ele se especializou em geomorfologia, mas abandonou esse
assunto para dedicar-se à história da geografia e, mais tarde, ao estudo da
experiência dos homens em seu ambiente. Destaca as obras Topofilia (1974) e Espaço e lugar (1977).
[15] SIANI, Sérgio Ricardo et al. Revista de administração da UNIMEP, São
Paulo v. 14, n. 1, p. 193 – 219, 2016.
[16]TUAN, Yi-Fu. Espaço
e Lugar: A perspectiva da experiência. Tradução de Lívia de Oliveira. São
Paulo: Difel, 1983. p. 96.
[17]
ROSENDAHL, Zeny. Construindo a geografia da religião no Brasil. Revista
Espaço e Cultura, Rio de Janeiro, n. 15, p. 01-13, 2003. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.
php/espacoecultura/index>. Acesso em: 16 de jun. 2017.
[18] TUAN, 1983, p.
99.
[19] DARDEL, Eric. O
homem e a terra: natureza da realidade geográfica. São Paulo:Perspectiva,
2011. p. 58.
[20] TUAN, 1983, p.
112.
[21] ELIADE,
Mircea. O mito do eterno retorno. São Paulo: Mercúrio, 1992. p. 21.
[22] HOWARD, Eliot
foi um ornitólogo inglês.
[23]BONNEMAISON, Joel.
Viagem em torno do território. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDHAL, Z.
(Orgs.). Geografia cultural: um século (3). Rio de Janeiro: EdUERJ, 2002, p.83-131. p. 97.
[24] ELLIOT, Howard, apud BONNEMAISON, 2002, p. 99.
[25]
HAESBAERT, Rogério. Território e multiterritorialidade: um debate. Revista
GEOgraphia, Rio de Janeiro, Ano IX, n. 17, p. 19-45, 2007.
[26] BONNEMAISON,
2002, p. 99
[27] HAESBAERT,
2007, p. 25.
[28] BONNEMAISON,
2002, p. 97.
[29] ROCHA, José Carlos. Diálogo
entre as categorias da geografia: espaço, território e paisagem. Caminhos de
Geografia, Uberlândia, v. 9, n. 26, p. 128 – 142, 2008.
[30] BONNEMAISON, 2002, p. 112.
[31] A origem do povo hebreu é
contada a partir do Livro de Gênesis, capítulo 12, na Bíblia Hebraica.
[33]BALFOUR, Sebastian & QUIROGA, Alejandro. España Reinventada: Nación e Identidad
desde la Transición. Barcelona, Península, 2007.
[34]Recentemente, a comunidade
autônoma da Catalunha, que hoje faz parte da Espanha, promoveu o maior
referendo já realizado na região para consultar a população catalã sobre sua
independência ou permanência em relação à Espanha. De acordo com o governo
catalão, o resultado do pleito foi de 90% dos votos a favor da separação e 7,8%
dos votos contrários - o restante votou nulo ou branco (https://www.vix.com/pt/mundo/550725/um-novo-pais-o-que-acontecera-se-catalunha-se-separar-mesmo-da-espanha).
[35] HAESBAERT, 2007, p. 20.
[36] HAESBAERT, 2007, p. 27.
[37] RELPH, Edward, 2012, apud RODRIGUES, Kelly. O conceito de
lugar: a aproximação da geografia com o indivíduo. IX Encontro Nacional da
ANPEGE, 2015, p. 5039.
[38] BONNEMAISON,
2002, p. 108.
[39] ROCHA, 2008,
p. 135.
[40] TUAN, Yi-fu.
Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Rio de
Janeiro: Difel, 1980, p. 117.
[41] TUAN, 1980, p.
115.
[42] HOLZER,
Werther. O lugar na geografia humanista. Revista Território, Rio de
Janeiro, ano IV, p. 67 – 78, 1999.
[43] HOLZER, 1999,
p. 67.
[44] HOLZER, 1999,
p. 70.
[45] HOLZER, 1999,
p. 70.
[46] RELPH, Edward. Place and placelessness. London: Pion,
1976.
[47] TUAN, 1975, apud HOLZER, 1999, p. 71.
[48] TUAN, Yi-fu,
1980, p. 117.
[49] Teofania significa manifestação de Deus (do
substantivo theós e do verbo faneroo).
[50] ELIADE, 2010,
p. 30.
[51] ELIADE,
Mircea, 2013, p. 26.
[52] CLAVAL, Paul.
A volta do cultural na geografia. Mercator, ano 01, número 001, p. 19 –
27, 2002.
[53] ELIADE,
Mircea, 2010, p. 18.
[54]“Ganzandere” é uma expressão inspirada pelas
ideias do teólogo protestante Rudolf Otto (1869-1937) e que aparece na
introdução do clássico “O Sagrado e o profano: a essência das religiões” de
autoria de Mircea Eliade (professor Paulo Mazem).
[55] CASTILHO,
2010, p. 45.
[56] CASTILHO, 2010, p. 45.
[57] BORDIEU,
Pierre, 1989, apud CASTILHO, 2010, p. 45.
[58] ELIADE, Mircea, 2010, p. 166.
[59] CLAVAL, Paul. Epistemologia
da Geografia. 2 ed. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2014, p. 234.
[60] CLAVAL, 2014,
234.
[61] CLAVAL, 2002, p. 26.
[62] CLAVAL, 2014,
233.
[63] ELIADE, 2010,
p. 164.
[64] CLAVAL, 2014,
p. 233.
[65] Neste capítulo
quando falamos de espaço sagrado estamos falando de lugar sagrado e vice-versa.
Eles são usados intercambiavelmente tendo em vista que o espaço sagrado se
refere sempre há um espaço específico, reduzido e separado do todo (que é
exatamente, o lugar). Ademais, busca se, minimamente, certa elegância literária
evitando o repetismo do termo lugar.
[66] ELIADE, 1992,
p. 23.
[67]A experiência
da construção de Brasília na região central (centro-oeste) do Brasil é bastante
significativa, neste sentido.
[68] Por sociedades
arcaicas, aqui consideramos o mundo antigo,desde os Sumérios na Mesopotâmia
(4.000 A.C), até o fim da idade média, no século XV.
[69] ELIADE, 1992,
p. 23.
[71] ROSENDAHL, Zeny.
Espaço e religião: uma abordagem geográfica. Rio de Janeiro: UERJ,
NEPEC, 1996, p. 28.
[72]ROSENDAHL,
1996, p. 37.
[73] O zigurate era
uma forma de templo babilônico, construído na forma de degraus, podendo atingir
grandes alturas.
[74] ROSENDAHL,
1996, p. 39.
[75] MORIN, Edgar. Introdução
ao Pensamento Complexo. Porto Alegre: Sulina, 2015. p. 72.
[76]ELIADE, 2010,
p. 31.
[77] ELIADE, 2010,
p. 39.
[78] ELIADE, 2010,
p. 166.
[79] COULANGES,
Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2009. p. 163.
[80] COULANGES,
2009,p. 171.
[81]HUSSERL, Edmund. A Crise das Ciências Europeias e a
Fenomenologia Transcendental: uma introdução à filosofia fenomenológica.
Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 107.
[82] ELIADE, 2010,
p. 26.
[83] “Três vezes no
ano, todo varão entre ti aparecerá perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que
escolher, na Festa dos Pães Asmos, e na Festa das Semanas, e na Festa dos
Tabernáculos; porém não aparecerá de mãos vazias perante o SENHOR” - (Deuterônomio 16. 16, Bíblia Sagrada).
[84] Lei de Moisés,
que norteia a vida religiosa e civil dos hebreus. O Judaísmo é baseado neste
tratado.
[85] COULANGES,
2009, p. 152.
[86] COULANGES,
2009, p. 175.
[87] COULANGES, 2009, p. 167.
[88] ROSENDAHL, 1996, p. 18.
[89] BONNEMAISON, 2002, p. 97.
[90] ELIADE, 1992,
p. 22.
[91] ELIADE, 1992, p. 25.
[92] BORDIEU,
Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989, p.
115.
[93] DURKHEIM,Émile.
As formas elementares da vida religiosa. 2. Ed. São Paulo: Paulus, 2008,
p. 504, 505.
[94] BONNEMAISON, 2002, p. 112.
[95] BONNEMAISON, 2002, p. 117.
[96] BONNEMAISON, 2002, p. 126.
[97]SANTOS, Milton. Território e Dinheiro. In: Programa de
Pós-Graduação em Geografia da UFF. Território, Territórios. Niterói:
PPGEO-UFF/AGB-Niterói, RJ, p.17 – 38, 2002.
[98] CLAVAL, Paul. O território na transição da pós-modernidade. Revista GEOgraphia,
Rio de Janeiro, Ano 1, Nº 2, p. 7 – 26,1999.
[99] MORIN, EDGAR. O
Método 1: a natureza da natureza. 2 ed. Lisboa/Portugal: Publicações
Europa-América, 1977. p. 86.
[100]É possível que
a geração de nossos bisnetos considere uma ingenuidade, também,o fato de vivermos
assustados com as muitas doenças, que assediam nossa geração, através dos microorganismos
que estão espalhados na terra, no ar e, até, nos nossos corpos. Então, apesar
de alguém, um dia, nos considerar ingênuos, isto não muda o fato de que estes
microscópicos seres são forças reais que atacam o homem (no dizer de Dardel)
pós-moderno. Por isto, penso que vale a pena levar a sério o mito/o
desconhecido/o mistério.
[101] DARDEL, 2011,
p. 48.
[102] SAUER, 1983,
Apud HOLZER, 1999, p. 68.
[103] DARDEL, 2011,
p. 14.
[104] HOLZER, 1999,
p. 70.
[105] Filósofos,
como Husserl, usam a expressão mundo das vivências, com o sentido de lugar das
experiências, do vivido, do experimentado.
[106] TUAN, 1979,
apud HOLZER, 1999, p. 70.
[107] ELIADE, 2010,
p. 30.
[108] HOLZER, 1999,
p. 70.
[109]PASCAL, apud MORIN,
Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 9.
[110] OLIVEIRA,
Cleide Maria de. Vestígios do sagrado na pós-modernidade. NUMEN, Revista de
estudos e pesquisa da religião, Juiz de Fora, v. II, n. 1 e 2, p. O9-31,
2005. p. 18.
[111]
Adotamos a palavra micro-lugar e não microlugar porque não há consenso
ortográfico. Usamos o termo para definir espacialidades físicas flutuantes, ou
seja, não estáticas. Este micro-lugar pode ser o lar, a igreja, o trabalho etc.
[112] GAUTHIER,
2004, Apud OLIVEIRA, 2005, p. 20.
[113] ELIADE,
Mircea. Mito e a realidade. São Paulo: Perspectiva, 1972. p. 164, 165.
[114] ELIADE, 2010,
p. 170.
[115] MARTIN, 1994,
Apud CLAVAL, Paul. O território na transição da pós-modernidade.
Revista GEOgraphia, Rio de Janeiro, Ano 1, Nº 2, p. 7 – 26,1999.
[116] O lugar é a
categoria privilegiada em nossa pesquisa, onde os símbolos, os mitos e os
heróis são forjados.
[117]TUAN, 1980, p.
198.
[118] CLAVAL, 1999,
p. 20.
[119] OLIVEIRA,
2005, p. 18.
[120]
CLAVAL, 1999, apud DEUS, José Antônio. Linhas interpretativas e debates atuais no âmbito
da Geografia Cultural, universal e brasileira. Caderno
de Geografia, Belo Horizonte, v. 15, n. 25, p. 45-59, 2005. p. 46.
[121] CLAVAL, Paul,
1999, p. 22.
[123]SACK, 1983, p. 56 apud HOLZER, Werther, 1997, p. 82.
[125]DIÓGENES,
Glória Maria dos Santos. Cartografias da cultura e da violência: Gangues,
galeras e o movimento hip hop. Uma tese de doutorado apresentado ao
departamento de pós-graduação da UFCE, Fortaleza, 1998. p. 207.
[126] CLAVAL, 1999,
p. 18.
[127]A dissertação
“Cartografias da cultura e da violência: Gangues, galeras e o movimento hip
hop” é uma pesquisa interessantíssima para se entender a lógica das
territorialidades das gangues urbanas. O eixo da pesquisa buscou identificar o
imaginário das gangues acerca da violência e suas construções culturais e
dentre estas, a ideia de territorialidade.
[128] DIÓGENES,
1998, p. 200.
[129]IMPLACÁVEL, Dom.
A intolerância Religiosa nas favelas do
Rio de Janeiro. Disponível em: .
Acesso em: 18 de jul. 2016.
[130] IMPLACÁVEL, 2016.
[131] CLAVAL, 1999,
p. 19.
[132] HAESBAERT,
Rogério. Da desterritorialização à multiterritorialidade. Boletim Gaúcho de
Geografia, v. 19, n. 1, p. 11 – 24, 2003. p. 20.
[133] CASSIRER, Ernst. Antropologia filosófica: Ensaio sobre o homem. São Paulo: Mestre
Jou, 1977. p. 50.
[134]HAESBAERT,
Rogério; LIMONAD, Ester. Território em tempos de globalização. etc...,
espaço, tempo e crítica. N° 2(4), VOL. 1, P. 39 – 52, 2007. p. 50.
[135]BERTOL, Lurdes
Rocha; ALMEIDA, Maria Geralda. Cultura, mundo-vivido e território. IN; Simpósio
Nacional sobre Geografia, Percepção e Cognição do Meio Ambiente, Londrina:
Universidade Estadual de Londrina, 2005, p. 01 – 13. p. 10.
[136] HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.
Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 67.
[137] HALL, 2006, p.
85.
[138]HAESBAERT, Rogério; LIMONAD, Ester, 2007, p. 48.
[139]
O capítulo três cuida de resolver esta questão.
[140]
ROSENDAHL, 1996, p. 18.
UMA PALAVRA SOBRE A IDEIA DE REGIONALIZAÇÃO BRASILEIRA.
Não é possível pensar no todo, chamado Brasil, sem conhecer as
particularidades regionais. Especialmente porque falar de “organização regional
do espaço brasileiro e algo muito complexo, pois se trata da regionalização de
um país de grandes dimensões que tem passado por um complexo e desigual
processo de diferenciação que envolve o espaço e o tempo.” [1]
Desta forma, não é possível compreender as diferenças regionais sem buscar
requisitos na história da ocupação das terras, nos ciclos econômicos, nas
relações de trabalho, nas populações que se estabeleceram nestas regiões.
Considerando que “a busca de um gabarito para se dividir o espaço nacional em
recortes regionais depende muito dos critérios do planejamento em determinado
momento, e de fatores físicos, históricos, entre outros.[2]
Por tudo isto, regionalizar é sempre um risco, apesar de reconhecer que a
regionalização cria critérios de padronização e compreensão de determinadas
realidades econômicas, além de possibilitar uma explicação micro (regional) de
determinada espacialidade, a fim de se ter compreensão de uma realidade macro
(o território nacional).
Minha reflexão particular nasce do fato de considerar improdutiva
uma abordagem divisória de regiões, quando uma proposta de composição de
regiões seria mais salutar. Por que não pensar em pontos de convergência,
estreitamento, colaboração nos limites das regiões? Uma renúncia á cultura
competitiva entre norte/nordeste e sul/sudeste. O Brasil é um só, não existem
vários. Existem realidades econômicas e sociais diversas, mas isto não nos faz
diferentes e muito menos indiferentes. Pensar o Brasil como um todo, não
remonta, necessariamente, às experiências de um colonialismo que buscava a
integração nacional por motivos exploratórios, meramente. Somos uma nação em
construção, e neste sentido, pensar em divisão de regiões, acentua a ideia da
distância, do isolamento e da indiferença. Se admitirmos que somos um país
dividido em três (Amazônia, Centro-Sul, Nordeste), quatro (Norte, Sul, Centro
–Oeste e Sul/Sudeste) ou dois (Norte-Sul); isto não explica, nem ajuda nada.
Somos uma nação em busca de identidade, apoio, integração, respeito. Desta
forma, só vale a pena regionalizar se pensamos em valorizar diversidades,
fortalecer raízes, criarmos caminhos de parceria e socorro. Por isto, uma
divisão geográfica só se concebe em termos didáticos, para depois propor a
composição e a construção de um país mais justo e amigo.
José Roberto Limas da Silva
Administrador de Empresas, Teólogo, mestre em Ciências da Religião,
graduando em Geografia pela UFMG.
[1] CORRÊA, R. L.
A organização regional do espaço brasileiro In: Trajetórias Geográficas. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 197-210.
[2] MATOS, R. E. O
Brasil dividido e rede urbana fracionada. Cadernos do Leste: Belo Horizonte, v.
1, n 5, p. 1-51, 2003.
IMPACTO DA AGRICULTURA MODERNIZADA NO
MUNICÍPIO DE BOCAIUVA –MG
*José Roberto Limas da Silva (graduando
em Geografia pela UFMG).
O nosso município está localizado no norte de Minas, em direção ao
Vale do Jequitinhonha. Encontra-se a 686 metros de altitude e tem as seguintes
coordenadas geográficas: Latitude 17˚ 6’ 55” Sul e Longitude 43˚ 49’ 16” Oeste.
A vegetação predominante é de cerrado, com terras mais ácidas e regime de chuva
de baixa pluviosidade e concentração das chuvas no período de novembro a
fevereiro. O município de Bocaiuva tem pouca tradição na agricultura, senão
naquela de subsistência, prevalecendo a pecuária de corte.
Entretanto existe uma faixa de terra, de boa fertilidade, que fica
às margens do rio Jequitai, que corre margeando a serra do Cabral, até
desembocar no Rio São Francisco, no município de Pirapora. Sendo assim, esta
pequena planície deste rio, na área do município de Bocaiuva, foi utilizada no
cultivo de cana de açúcar com algum sucesso. Mas a usina foi desativada há mais
de 15 anos, estando esta área sem cultivo definido.
Muito bem! Mas o nosso tema é agricultura modernizada, ou
tecnificada e seu impacto em nosso município. Não havendo em nosso município
lastros desta moderna agricultura no que concerne ao cultivo de espécies
agrícolas tradicionais (como o trigo, a soja, o milho, arroz etc), outrossim,
temos, recentemente, na silvicultura (cultivo de espécies florestais) um fator
marcante na economia de nosso município.
A implantação de florestas de eucalipto em nossa região se tornou a
legítima sucessora das práticas agro-pastoris de subsistência de nosso meio
rural. Ainda, que não consideremos a silvicultura como prática, eminentemente,
agrícola, seu perfil espacial e social preencheu esta condição, sobretudo no
abarcamento da mão – de – obra do meio rural e como alternativa comercial para
terras de pouco valor para a agricultura.
Somente, a título de informação, temos atualmente no norte e vale
do Jequitinhonha uma área de 4.074 km2 de eucalipto plantado. Já ocupou área
maior na década de oitenta, atingindo mais de 6.000 km2. Um fator digno de nota
é que no período inaugural do cultivo do eucalipto, somente, em nosso município
e entorno, absorveu uma mão – de – obra superior a 2000 pessoas. O autor deste
artigo, inclusive trabalhou numa destas empresas na década de oitenta em áreas
de plantio, irrigação e corte do eucalipto, e pode testemunhar que a mão – de –
obra, majoritariamente, absorvida era braçal.
Bom! Depois destas breves considerações, chamo a atenção para o
fato de que estas florestadoras e reflorestadoras estão, atualmente, na
vanguarda da agricultura mecanizada e tecnificada, possuindo o que há de mais
moderno no preparo do solo, no controle de pragas/ervas daninhas e na colheita
(corte) do eucalipto. Na minha região a silvicultura predominante é a da
monocultura do eucalipto, com algumas minúsculas “manchas” de pinus, sendo que
“a produção dessas regiões visa abastecer, principalmente, as siderúgicas da
Região Central do estado” (fonte:http://www.portalseer.ufba.br/index.php/geotextos/article/viewFile
/5931/4645).
Recentemente, estas empresas de reflorestamento (Plantar, V&M
Florestal, Florestaminas, Acesita, Refloralje etc) implementaram a mecanização
na produção do eucalipto. Sendo que o plantio, a capina, o combate às pragas, o
corte e o transporte estão quase que totalmente mecanizado. Uma das etapas que
mais consumia mão – de – obra era o corte e beneficiamento do eucalipto. Para
se ter uma idéia do enxugamento do trabalho manual, existe, hoje, uma máquina
que derruba, desfolha, descasca, pica, empraça e carrega os caminhões. Isto era
trabalho para centenas de homens. Esta situação é tão grave que, nas fazendas
de eucalipto, da minha região, que empregavam em torno de 2.000 (duas mil)
pessoas, hoje possui um contingente de mais ou menos 200 (duzentas) pessoas
trabalhando.
Uma questão que deve ser observada é que estas empresas (do ramo da
silvicultura) operam no mercado de forma semelhante às grandes empresas do
agro-negócio, que produzem para atender, precipuamente, às demandas da
indústria e do mercado. Os produtos do
agro – negócio brasileiro, exportados na forma de comodities (produtos básicos
in natura), que são mercadorias essenciais para o consumo humano, como cereais,
frutas, carnes etc guardam grande semelhança com a exploração da monocultura do
eucalipto norte mineiro. Este último visa abastecer a indústria siderúrgica
mineira que tem como carro – chefe a exportação do ferro e do aço para o
mercado estrangeiro (Estados Unidos, China, Oriente Médio).
A crítica conhecida à Revolução Verde, como a perpetrada por
MOREIRA (críticas ambientalistas à revolução verde) se desenvolve em três
frentes:
a)
Crítica técnica: Diz respeito ao manuseio nada
escrupuloso do solo, sobretudo com uso de forças agressoras ao processo natural
e gradual de formação dos solos. Isto sem falar pela ação poluente e
destruidora de micro-organismos do solo, através do uso de diversos
agro-tóxicos (herbicidas, adubos químicos, inseticidas etc);
b)
Crítica Social: Está relacionada com a
priorização de um segmento social, que
passa ter prioridade no acesso ao crédito, que é o caso das grandes empresas e
corporações, algumas de origem estrangeira, em prejuízo do pequeno agricultor
ou do assentado. Não somente isto, o modelo de agricultura voltado para a
indústria e o mercado não contempla mercados locais, realidades sociais de
populações minoritárias que estão ou estavam em estreita relação histórica,
cultural e econômica com aquele ambiente. Um dos fatores mais nocivos é a
elevada concentração de terras no cultivo de uma mono-cultura, por exemplo;
c)
Crítica Econômica: O modelo do agro-negócio,
especialmente, reflete bem esta forma concentradora de renda na mão dos grandes
empreendedores. As perdas são imensas, pois, este negócio depende de pouca mão
– de – obra humana, diminui o acesso às terras agricultáveis, gera evasão de
rendas com a aquisição de insumos caríssimos importados do exterior.
Por fim, analisando, a realidade do meu município, endosso e
estendo às críticas à agricultura modernizada/tecnificada, sobretudo, tendo em
vista o advento da Revolução Verde, e mormente, considerando o agro-negócio
brasileiro. Por que faço isto? Observando a vida do nosso povo sertanejo e a
paisagem rural, ao meu redor, percebo prejuízos irremissíveis, e para mim, impossíveis
de serem compensados. Passo a alistá-los e eles expressam a minha conclusiva
opinião sobre o tema proposto:
A)
A silvicultura retirou o pequeno agricultor de
seu cultivo de subsistência e depois o lançou na rua da amargura do desemprego;
B)
A silvicultura, perpetrada pelas florestadoras,
comprou a preço de banana as terras dos pequenos agricultores e empregou seus
filhos á preço de nada;
C)
O eucalipto roubou a diversidade do cerrado e
arrasou o seu solo, sugando a sua limitada fertilidade. Quem anda por estas
bandas do norte, em um talhão que já foi plantado eucalipto,sabe que ali só
nasce angiquinho (planta herbácea espinhenta, sem utilidade);
D)
O eucalipto bebeu as águas das nascentes,
invadiu as margens dos rios e secou os brejos;
E)
O eucalipto consumiu á água e a matéria
orgânica do cerrado e espantou as milhares de espécies animais que se abrigavam
e alimentavam de sua variada flora, especialmente, as que frutificavam como o
pequi, o murici, a caigaita, o araçá, o ananás etc;
F)
O pequeno agricultor, agora, sem terra e sem
trabalho vai perambular pelos butecos da cidade, a espera de outra
reflorestadora se instalar no que sobrou do cerrado.
Até aqui, minhas impressões!
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