CAROS COLEGAS DO SEMINÁRIO BATISTA DE MINAS GERAIS - SEÇÃO NORTE
Este espaço é dedicado às atividades de nosso seminário. Aqui serão publicados artigos e temas de interesse de nossa comunidade. A primeira publicação foi um artigo nosso, com vistas a fornecer material de pesquisa para o trabalho de Didática: " A Presença do Sagrado no Cotidiano". Hoje, estamos publicando o trabalho da nossa aluna, Adriana Menezes. Boa leitura!
A
PRESENÇA DO SAGRADO NO COTIDIANO
AUTORA: ADRIANA
MENEZES[1]
1.
INTRODUÇÃO
De acordo com Eliade (1992),
para os fenomenólogos da Religião, o homem é “ naturaliter religiosus”: a
religião aparece como uma característica constante dos seres humanos, em todas
as épocas. Portanto, para os paleantropólogos, o aparecimento do “homo
religiosus” não é um evento relativamente recente na pré-história. O sentido do
sagrado, entendido como reconhecimento e apelo a seres superiores e
transcendentes é uma atitude constitutiva do homem desde as primeiras formas
culturais em que se reconhece a hominização. A expressão religiosa é, desde os
primórdios da humanidade, parte constitutiva e integrante das atividades
simbólicas, que distinguem o “Homo sapiens” dos animais.
Mesmo sendo assim, houve um
tempo em que as pessoas que não tinham religião eram tão raras que essas
próprias pessoas se anulavam, e até mesmo se escondiam, como se isso fosse uma
peste. Fato esse que levou muitas pessoas a morte para que não influenciassem
outra pessoas. Todos eram educados para ver e ouvir as coisas do mundo
religioso. Mas algum coisa ocorreu e o encanto foi quebrado. Com o avanço da
ciência e da tecnologia, nos foi apresentado uma ideia de mundo em que Deus não
era necessário. E diante de todo esse quadro podemos perceber que a religião
sempre esteve presente, mas não da mesma maneira que antes. A situação mudou, pois no mundo sagrado a
experiência religiosa era parte integrante de cada um, da mesma forma como o
sexo, a cor da pele, os membros, a linguagem, sendo que uma pessoa sem religião
era considerada uma anomalia. No mundo dessacralizado as coisas se inverteram.
Confessar-se religioso equivale a confessar-se como habitante do mundo
encantado e mágico do passado (Alves, 1984).
Mas o que nos surpreende
perante todo esse cenário é que as perguntas sobre o sentido da vida e o
sentido da morte do passado continuam as
mesmas só que agora travestidas por meio de símbolos secularizados. Com tudo
isso é necessário reconhecer a religião como presença invisível, sutil,
disfarçada que se constitui num dos fios com que se tece o acontecer de nossas vidas.
Ela está mais próxima de nossa experiência pessoal do que desejamos admitir. O
estudo da religião, portanto, longe de ser uma janela que se abre apenas para
panoramas externos, é como um espelho em que nos vemos (Alves, 1984).
2.
DESENVOLVIMENTO
O afastamento do homem da
natureza e do sentimento de sagrado que ela inspira foi uma das conseqüências
da separação entre a ciência e a espiritualidade. O surgimento da concepção
mecanicista do universo veio como uma avalanche e determinou a predominância da
visão racional, que em si mesmo é fragmentadora, sobre a visão intuitiva e
espiritual, que é sintetizadora e holística. Empregada de forma unilateral, a
abordagem racional, analítica e classificatória tendeu a criar mais
fragmentação, culminando na separação das várias áreas do conhecimento. O homem
moderno vive num mundo dividido, no qual a ciência, as artes, a tecnologia e o
trabalho são colocados e tratados em compartimentos isolados chamados de
especialidade (Cavalcanti, 2000).
A tendência do homem ocidental
moderno para a divisão da realidade e de si mesmo é oriunda da supervalorização
da mentalidade voltada para a mensuração e a categorização científica. A medida
que a ciência adquiria cada vez mais autoridade e prestígio, essa concepção
dualística da realidade ampliou-se e ganhou legitimidade na consciência
ocidental. Ao adotar uma orientação racionalista e mecanicista, a ciência
ocidental influenciou muito mais a visão de mundo do que a religião. Essa
fragmentação ampliou-se de tal maneira que abarcou a percepção que o homem tem
de si mesmo, criando uma forma confusa de pensar, sentir e relacionar-se. O
próprio homem se fragmentou, dividido entre corpo e mente, entre sentimento e
razão. Chegamos assim no estado de que o homem do Ocidente tem uma percepção de
si mesmo esquizofrênica e esquizofrenizante, moldada pelo modelo cartesiano e
racionalista. O homem ocidental adotou o racionalismo como modelo e meta, mas
chegou a ponto de transformar a sua própria vida numa completa irracionalidade,
trazendo a alienação de si mesmo, do outro e da natureza. Como consequência
desse quadro, o homem desenvolve assim ansiedade, depressão e desespero
(Cavalcanti, 2000).
Enquanto na cultura
ocidental o homem é visto de forma fragmentada, nas terapias orientais encontramos
a busca da perfeita harmonia entre o físico, o mental, e o espiritual. A
finalidade das práticas orientais espirituais é superar a ilusão dos opostos,
ampliar a visão para além dessa ilusão e libertar a mente. A liberdade não está
nem na escolha de um nem na junção dos elementos dos pares de opostos, mas na
superação da própria noção de oposição. Heráclito de Éfeso, conhecido como o
filósofo da fluidez, afirmou a unidade de todas as coisas, do separado e do não
separado, do gerado e do não gerado, do mortal e do imortal, da razão humana
(logos) e do eterno, do pai e do filho, de Deus e da justiça: “A parte é algo
diferente do todo, mas também é o mesmo que o todo; a substância é o todo e a
parte. De todas as coisas emerge uma unidade e da unidade, todas as coisas”.
Por ser uma questão de extrema importância a busca da totalidade está sendo
atualmente discutida por um conjunto de representantes de várias áreas do
conhecimento, entre as quais a física, a psicologia, a filosofia e a biologia.
Tenta-se colocar a unidade há muito perdida novamente à disposição da
humanidade (Cavalcanti,2000).
Outro fator importante a ser
ressaltado é em relação a dualidade do sagrado e profano, sendo assim, a primeira
definição que se pode dar ao sagrado é que ele se opõe ao profano. O homem toma
conhecimento do sagrado porque este manifesta, se mostra como algo absolutamente
diferente do profano. Sendo o ser humano o único que tem consciência da morte,
a mesma o levou a conceber e crer numa existência futura, pois habita em si uma
sede de eternidade. A religiosidade
carrega as marcas da crença na divindade e na vida após a morte. O
reconhecimento da manifestação de uma potência ou força sobrenatural no natural
é o que se pode compreender por experiência do sagrado. Esta experiência
estabelece diferenças qualitativas: o natural habitado pelo sobrenatural
(sagrado) e o natural desprovido do sobrenatural (profano). Estabelece uma
ruptura entre o natural e o sobrenatural, a partir da qual certos seres e
coisas são ou se tornam superiores a outras.
Eliade (1995) afirma que,
“para aqueles que têm uma experiência religiosa, toda a natureza é suscetível
de revelar-se como sacralidade cósmica. O cosmos na sua totalidade pode
tornar-se uma hierofania”. Entenda-se hierofania como algo de sagrado que é
revelado ao humano. Este mesmo autor busca compreender a experiência religiosa
do homem, o fenômeno do sagrado na sua complexidade. Esclarece que o
comportamento religioso se caracteriza pela valorização religiosa do espaço, do
tempo, da natureza e da própria existência humana. Cada uma destas quatro
formas de sacralização requer um aprofundamento. Para o homo religiosus, o
espaço não é homogêneo. Há porções de espaço que são ou se tornam
qualitativamente diferentes de outros. Estas porções de espaço permitem a
abertura para o alto, a comunicação com a divindade. O comportamento religioso
fixa um ponto de apoio e de orientação espaciais, um centro que permite a
abertura ao transcendente e a superação do caos. O homem religioso quer
responder ao desejo de habitar no centro do mundo – o espaço sagrado e
consagrado que torna possível um mundo total e organizado. Podemos buscar
exemplos nas sociedades tradicionais, nas quais se constata a sacralização de
regiões, cidades, templos e casas. Para o homem que assume uma existência
profana, a cidade e a casa não expressam qualquer relação com o sagrado, pois a
morada humana é limitada ao seu aspecto funcional: permitir o descanso
necessário para o trabalho. O homem religioso busca a superação do terror
diante do caos e do nada. Onde o sagrado se manifesta no espaço ocorre uma
quebra de nível e a fundação do mundo (Eliade, 1995).
Da mesma forma como ocorre
com o espaço, o tempo não é homogêneo para o homem religioso e nem é contínuo.
A experiência do sagrado provoca a passagem do tempo ordinário ao tempo
sagrado: um tempo mítico primordial tornado presente, que re-atualiza um evento
sagrado dos começos. Este tempo é repetível, sempre igual a si mesmo e, por
isso, não muda nem se esgota. O tempo original é aquele por ocasião da criação
divina do universo – cosmogênese, atualizado através do mito cosmogônico. “O
homem esforçar-se-á por tornar a unir-se periodicamente a este tempo original”
(ELIADE, 1995). Unir-se a este tempo significa viver na presença dos deuses. Para
estar em comunicação com este tempo original e santo, através dos ritos e
cerimônias, o homem religioso recria e regenera o tempo, dando origem a um
tempo puro e santo. Trata-se também de renovar aquilo que o tempo gastou: o ser
humano, a sociedade, o cosmos. O tempo profano e ordinário é destrutivo. Voltar
ao estado nascente significa um simbólico aniquilamento e recriação do mundo e
do próprio homem. O homem religioso crê que vive, então, num outro tempo, que
conseguiu reencontrar o tempo original – santo e mítico. As cerimônias são
efetuadas numa atmosfera impregnada de sagrado. O tempo sagrado dá sentido ao
tempo profano, pois a recriação do mundo significa também a santificação do
mundo (Eliade, 1995).
Para o homem não-religioso,
o tempo é histórico, as experiências temporais são sempre experiências humanas,
nas quais nenhuma presença divina se pode inserir. Uma qualidade trans-humana é
inaceitável. Não crê que há um Espírito Universal que conduz a humanidade ao
longo do tempo. Dessacralizado, o tempo apresenta-se como uma duração precária
e evanescente, que conduz irremediavelmente para a morte. A valorização
religiosa também se dá em relação à natureza, uma experiência religiosa
misturada à vida. Para o homem religioso, o cosmos é uma criação divina, o
mundo existe, está ali, e tem uma estrutura ordenada. A natureza exprime sempre
qualquer coisa que a transcende. O céu e a terra são dois dos elementos
naturais que expressam o sagrado. O céu é a categoria transcendental da
abertura ao alto, do infinito, do transcendente. Ele existe de uma maneira
absoluta, porque é elevado, infinito, eterno, potente. Na imensidade celeste, a
divindade se revela. Da mesma forma ocorre com a terra: categoria
transcendental da fecundidade, da fertilidade, do nascimento/gestação da vida.
A crença religiosa é a de que os homens são paridos e nutridos pela terra, e
que os recebe de volta com a morte. Revela-se a imagem primordial da Mãe-Terra.
“A geração e o parto são as versões microcósmicas de um ato exemplar realizado
pela Terra. No seio da terra e no seio humano, aparece, nasce a vida” (Eliade,
1995).
As etapas da existência são
marcadas por rituais e símbolos religiosos de passagem: nascimento, puberdade,
casamento, morte passam a ser compreendidos e celebrados num plano
trans-humano. É graças aos ritos religiosos que um recém nascido passa a ser
integrado na comunidade. No universo profano, não há uma valorização religiosa
de tais momentos da existência humana. Os atos não expressam significados
transcendentes e o mistério da origem da vida – também da humana – perde
qualquer intencionalidade divina. Um dos aspectos principais da sacralização da
vida humana é o do significado religioso atribuído à morte. O homem religioso
quer vencer a morte, transformando-a em rito de passagem. O sentido que dá à
morte determina o sentido que dá à vida: um sentido de eternidade. A existência
como totalidade é constituída de mortes e de nascimentos: mortes para o profano
e nascimentos para o sagrado. Em abordagem fenomenológica em busca da essência
das religiões nos traz a compreensão de que sagrado e profano são qualidades
que o homem religioso atribui ao tempo, ao espaço, aos seres e às coisas.
Qualidades que, conforme esta atitude humana, estes já possuem ou podem passar
a possuir. São duas formas de ser no mundo (Eliade, 1995).
3.
CONCLUSÃO
A Religião surgiu como
resposta à busca e às esperanças humanas. Mas o comportamento religioso é
anterior à Religião, vale dizer, aos dogmas e doutrinas religiosas. As
religiões foram instituídas para responder à necessidade de transcendência do
ser humano. Embora o homem não-religioso que não esteja ligado à qualquer
Religião instituída, não consegue abolir o que está na raiz de sua trama
existencial. Todo ser humano traz consigo experiências religiosas, vividas
“quando a dor bate à porta; quando surgem as perguntas sobre o sentido da vida
e da morte, as perguntas da insônia e aquelas feitas diante do espelho”, como
cita Alves, 1984.
A experiência religiosa está mais próxima de
nós do que possamos admitir. Ela está expressa na busca de paz espiritual, de
harmonia e de equilíbrio internos, na sede de libertação das nossas angústias.
Até mesmo se expressa nas esperanças sociais, econômicas e políticas, na busca
por uma sociedade justa, fraterna, que atenda ao bem comum, que possa viver em
harmonia com a natureza. A experiência religiosa está relacionada com nossos
segredos ocultos, pensamentos íntimos e segredos de amor.
Vivendo o homem essa busca continua e
infinita, seus desejos e esperança estão em viver a plenitude em todos os
aspectos. Entendo que o sagrado não é apenas aquilo que existe dentro da
religião que pertencemos, pois o que é sagrado para a minha religião, pode não
ser para outra. Mas quando há respeito mútuo, aprendemos a conviver com
harmonia e paz. Colocamos fim às guerras religiosas e as perseguições e
valorizamos o que talvez há de melhor na religião do outro.
Ter uma ideia negativa do profano achando que o
mundo e as coisas seculares são sinais do não sagrados é desconsiderar que tudo
o que existe foi criado por um ser superior e transcendente que nos permitiu
tudo isso que temos ao nosso redor, para a nossa sobrevivência e para a nossa
felicidade. Não podemos negar a nossa condição humana e a nossa transcendência
só será possível não se negarmos o profano, mas se tornamos sagrado a realidade
que vivemos através de atitudes transformadoras que tragam o bem estar e a
qualidade de vida para toda a humanidade. Quando respeito o sagrado do
outro, tenho o direito de que respeitem o que é sagrado para mim.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
-
ALVES , Rubem Azevedo. O que é religião. São Paulo: Abril Cultural. Editora
Brasiliense.1984
-
CAVALCANTI, Raissa. O Retorno do Sagrado. A Reconciliação Entre Ciência e Espiritualidade.
São Paulo. Editora Cultrix LTDA.2000.
-
ELIADE, Mirceia. O sagrado e o profano. A essência das religiões. São Paulo:
Martins Fontes, 1995.
-
ELIADE, Mircea. Mito do Eterno Retorno. Cosmo e história.Mercuryo.1992
-
PATIAS, Jaime Carlos. O Sagrado e o Profano: do rito religioso ao espetáculo midiático. Trabalho
apresentado no II Seminário
Comunicação na Sociedade do Espetáculo, realizado nos dias 5
e 6 de outubro de 2007, na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo. (fonte
internet).
ORIENTADOR: JOSÉ MARIO GONÇALVES
ORIENTANDO: JOSÉ ROBERTO LIMAS DA SILVA
INTRODUÇÃO:
"Se a religião gerou tudo o que existe de essencial na sociedade, é porque a ideia de sociedade é a alma da religião" (ÉMILE DURKHEIM).
O papel da “Religião na Esfera Pública” tem encontrando na sociedade pós – moderna, um espaço crescente para o debate de ideias e, até mesmo, o reconhecimento como uma proposta de reestruturação e pacificação das relações sociais contemporâneas. "A questão da religião na esfera pública é uma das mais discutidas da filosofia política nas últimas décadas. Há motivos práticos e teóricos para o crescente interesse no tema do significado e do papel da religião na esfera pública" (ARAÚJO, 2012).
Esta perspectiva positiva, de alguma forma, já permeava o pensamento de sociólogos como Durkheim, que enxergava na religião uma vocação socializante, uma vez que "a verdadeira função da religião não é nos fazer pensar (...), mas nos fazer agir" (DURKHEIM, 1960). O que estamos percebendo é que "o tema das relações entre estado e religião voltou a ser, na virada do milênio, um assunto de relevância nas discussões políticas e filosoficas, tanto em função das novas questões ligadas ao multiculturalismo, como também as discussões acerca da esfera pública no contexto democratico" (ZABATIERO, 2012).
Tendo em vista a ideia de fazermos um pequeno esboço do processo histórico como forma de analisar o papel da religião na esfera publica, vamos estabelecer algumas condições mínimas, em termos de definições dos termos Religião e Esfera Pública. Religião, num sentido mais estrito, seria um fenômeno social, cultural e universal, mas que têm conteúdos muito subjetivos e pessoais. Logo religião é a manifestação privada e social de crenças e valores interiorizados e enraizados no mais íntimo do crente. Estas manifestações são exteriorizadas através de ritos (o sagrado) e da conduta moral e ética na comunidade (ética vivencial). Quanto á Esfera Pública, consideramos aquele espaço em que assuntos de interesse público são tratados pela comunidade e pelos agentes públicos. E sendo mais específico, e reproduzindo o pensamento de Habermas, consideramos que a esfera pública representa a dimensão social em que o cidadão pode funcionar como intermediário entre a sociedade e o estado constituído.
PROCESSO HISTÓRICO COMO ELEMENTO DE REFLEXÃO DO PAPEL DA RELIGIÃO NA ESFERA PÚBLICA.
A religião desde os primórdios ocupou espaço na vida em comunidade. Não há registro conhecido de sociedades que não apresentassem qualquer manifestação do sagrado, desde as religiões mais primitivas como o Animismo, até as mais elaboradas que dispunham de escrituras sagradas.
Sendo assim, chegamos à idade média (século V ao XV), tendo uma presença marcante e influenciadora da religião, especialmente no Ocidente, onde o Cristianismo ganhou dimensões imperiais. Neste período, a religião cristã se faz presente em todos os segmentos da sociedade, mormente, no contexto político e cultural. Esta ação efetiva da religião cristã se estende por um período de mais ou menos mil anos, sendo abalada somente no século XV com a Renascença e a Reforma Protestante e o lançamento das bases do iluminismo.
Com o início da Era Moderna, sob a batuta do iluminismo temos uma nova forma de entender e situar a religião na sociedade, deixando para trás uma experiência milenar e “em outras palavras, a religião que cimentava a unidade do ocidente medieval, não só deixa de desempenhar tal função, como também perde inexoravelmente a sua capacidade de oferecer orientação e sentido para a vida social” (Zabatiero, 2012, p. 115). Em relação a este processo de dessacralização, "houve durante muito tempo - na verdade, desde o século XVIII, o século das luzes - um esquema, lentamente elaborado, segundo o qual a religião, herança do obscurantismo, iria desaparecer" (Araújo, 2012). Esta ideia de desencantamento do mundo e dessacralização da vida foi uma marca deste período.
Este novo momento da história da religião é bastante distinto do passado, uma vez que, a religião até então, determinou a ética e o modus vivendi de todas civilizações. Neste sentido, estamos diante de um momento, absolutamente novo. E uma nova estrutura sociológica vai germinar a partir daí e “nas sociedades modernas racionalizadas, a religião se torna uma questão puramente privada, reduzida á esfera do indivíduo”... (Zabatiero, 2012, p. 115). Diante desta nova expressão privativa de crença, a religião perde a sua força na esfera pública, sendo que sua argumentação ética e filosófica perde sua pujança.
Ocorre que após três séculos de extrema secularização e banimento da religião do ambiente político e acadêmico, chegamos ao final do século XIX com um inesperado e renovado vigor. O rigorismo racional proposto pelo iluminismo e o florescimento da moderna ciência ainda sopram fortemente na Europa, mas alguns eventos contribuem significativamente para o ressurgimento do estudo da religião. Dentre estes novos acontecimentos, podemos elencar: o surgimento da Antropologia Cultural e o nascimento da Sociologia. Isto se tornará mais evidente com Durkheim, que enxerga na religião, não somente uma questão privativa e subjetiva de crença, mas um elemento de construção social, porque "o fiel que comungou com o seu deus não é apenas um homem que vê verdades novas que o incrédulo ignora: é um homem que pode mais. Ele sente em si força maior para suportar as dificuldades da existência e para vencê-las" (Durkheim, 1960).
Neste contexto, a religião é redimensionada em sua função social e pública, adquirindo status de manifestação cultural coletiva legitima e agregadora, pois "e necessário evidentemente que a vida religiosa seja a forma eminente e como que uma expressão resumida da vida coletiva em seu todo" (Durkheim, 1960). Outrossim, a religião idealizada neste período é mais sociológica do que teológica, mais científica do que mística, e portanto, nesta proposta é que nasce a Ciência da Religião com um foco mais racional/científico que metafísico, e, portanto, menos filosófica e teológica. A religião volta à cena num mundo totalmente diferente da sociedade da idade média e, também, diferente dos primeiros anos da reforma protestante.
E assim chegamos á metade final do século XX com uma ciência da religião já definida, enquanto ciência, mas ainda trôpega com relação ao seu espaço vital (se na academia, ou na sociedade ou, ainda, na igreja). Sendo que neste período (de 1960 em diante) inauguramos o que acostumamos chamar de idade pós – moderna, que significa uma ruptura com o status quo, produzindo uma sociedade plural, fragmentada e desprovida de axiomas filosóficos e religiosos. Diante disto é preciso fazer uma leitura deste processo com alguma isenção, como acena Watchs e tal (2007):
“Com o advento do modernismo o pensamento humano tornou-se mais científico e crítico. Em seu pensamento científico, a modernidade ‘fragmentou a realidade e secularizou o religioso, desestruturando os modelos tradicionais de religião. Muito mais do que isto, pensou – se de fato que ‘a religião estava com os dias contados’, porque o moderno pensamento ocidental jogaria para o baú da história as formas tradicionais de pensar, crer e viver. No entanto, o mesmo ‘Materialismo Histórico-Dialético de Karl Marx, o evolucionismo de Charles Darwin e o Positivismo de Augusto Comte não puderam contê-la. A religião, que fora sacudida pelas idéias iluministas do século XVIII e pelo forte racionalismo das teorias do século XIX, reergue – se com muita força no final do século XX (p. 235).”.
Este novo formato sociológico exige que a religião redimensione seu universo relacional com a sociedade, em face de sua pluralidade e fluidez. Aceitando a ideia de que a religião contemporânea, também, é muito dinâmica e pouco institucional, havemos de concordar que a religião "está à deriva, desligada dos anteriores pontos de ancoragem; esta situação, porém, não diminue sua eficácia" (MARTELLI 1995). Ao contrário, isto pode ser a sua força, uma vez que a religião institucional já está rotulada e engessada, e não tem o discurso nem a abordagem apropriada para influenciar esta geração diluída e e informe.
Portanto, é nesta estrutura sociológica pós – moderna, pós – secular, pós científica que a religião tem a oportunidade de se firmar como elemento de coesão e preservação desta sociedade, desprovida de esperança no ideal libertário da ciência, e cética quanto á força política do estado de estabelecer uma sociedade justa e igualitária. Eis, diante da religião, um desafio e uma responsabilidade.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Luiz Bernardo Leite e tal. Esfera Pública e Secularismo - Ensaios de Filosofia Política. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2012, P. 29;
DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares de Vida Religiosa. São Paulo: Paulus, 2008, p. 493, 496;
DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares de Vida Religiosa. São Paulo: Paulus, 2008, p. 493, 496;
MARTELLI, Stefano. A Religião na Sociedade Pós - Moderna.
WACHS, Manfredo Carlos (org). Ensino Religioso: religiosidades e práticas educativas: VII Simpósio de Ensino Religioso das Faculdades EST e I Seminário Estadual de Ensino Religioso do CONER/RS/ – São Leopoldo: Sinodal/EST, 2010.
ZABATIERO, Júlio. Para uma Teologia Pública. São Paulo: Fonte Editorial, Faculdade Unida, 2011, p. 115.
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