GEOGRAFIA


TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

ALUNO: JOSÉ ROBERTO LIMAS DA SILVA

TEMA: A CONCEPÇÃO MÍTICA DE LUGAR SAGRADO E A TERRITORIALIDADE.



INTRODUÇÃO
A presente proposta de pesquisa busca, essencialmente, estabelecer relações entre a concepção de lugar sagrado e territorialidade. Nesse sentido, procura descobrir como o pensamento mítico/simbólico atua na construção das relações de poder com o espaço. Considerando que a territorialidade aponta para a “tentativa de um indivíduo (x) ou grupo de influenciar, afetar, controlar objetos, pessoas e relacionamentos (y) pela delimitação e pela afirmação de seu controle sobre uma área geográfica"[1], havemos de convir que, invariavelmente, este controle decorre de uma esfera de poder, que pode ser político, econômico e/ou religioso.
Nossa abordagem focalizará o impacto de uma destas instâncias de poder, que é a esfera do sagrado (mítico/religioso) que se manifesta no espaço. O conceito de sagrado adotado nesta pesquisa parte do ponto de vista de que o sagrado é um modo de existência assumido “pelo homem ao longo da história”[2]. Neste sentido, o sagrado “não nasce da experiência religiosa”[3], ele apenas se manifesta, pois ele é um elemento constitutivo do mundo simbólico do ser. Haveremos de adotar, em termos espaciais, a categoria lugar como espaço de manifestação do sagrado, onde é gestada a territorialidade, que por sua vez, configura o território, levando, também, em conta que os lugares são “constituintes essenciais do território”[4].
Na caracterização do território, será necessário demonstrar que a manifestação do sagrado (hierofania, na expressão Eliadiana[5]), embora, aconteça na categoria lugar, esta manifestação estabelece a territorialidade e configura este território, e neste sentido, a caracterização do território não se limitará ao aspecto jurídico-político ou econômico, mas enfatizará especialmente, seu aspecto cultural, tendo em vista que a abordagem religiosa/sagrada está, melhor, contemplada na vertente cultural. Podemos, neste sentido, pensarmos em território como um “dado segmento espacial, via de regra, delimitado, que resulta da apropriação e controle por parte de um determinado agente social”[6], mas que possui uma estrutura impregnada de significados, símbolos e imagens.
Na investigação das relações entre a ideia de lugar sagrado e o estabelecimento de territorialidades, o foco desta pesquisa se deterá, primeiramente, na concepção mítica de lugar sagrado por parte das sociedades arcaicas, em seguida se debruçará sobre o estabelecimento das territorialidades decorrentes desta concepção. O tema espaço e religião tem sido objeto de estudo de pesquisadores, tanto no campo disciplinar da Geografia, quanto das Ciências da religião. Como exemplo do primeiro campo, temos eminentes pesquisadoras como Zeny Rosendahl[7] e Maria Augusta de Castilho[8]; no segundo campo, temos Mircea Eliade[9] e Rudolf Otto[10], como pesquisadores, já consagrados de longa data.
A relação entre espaço e religião se evidencia na forma como o espaço é assumido, uma vez que a ocupação dele reflete uma cosmovisão. Por isto, “a vida de uma coletividade envolve crenças que se revelam nas condutas e se materializam nas formas espaciais do cotidiano vivido”[11]. Portanto, a ocupação espacial pode revelar uma forma de interpretação simbólica/mítica/religiosa daquele espaço.
A presente pesquisa tem como objetivo principal investigar como os mecanismos simbólicos, presentes no lugar, atuam na construção das territorialidades. Daí, decorrem outros objetivos como: i)entender a mentalidade mítica acerca da ordenação do lugar sagrado; ii)compreender como este lugar sagrado estabelece as territorialidades; iii)identificar, na modernidade, paradigmas simbólicos responsáveis pela criação de territórios.
Feitas estas considerações sobre a relevância desta pesquisa, bem como de seus objetivos, podemos dizer que temos um problema de pesquisa estabelecido, que é descobrir como o pensamento mítico acerca de lugar sagrado estrutura a territorialidade. A nossa pesquisa se aterá a uma abordagem metodológica descritiva, privilegiando uma investigação bibliográfica, sobretudo, por se tratar de uma teorização geral sobre o assunto.
Na consecução desta pesquisa serão privilegiados os autores e pesquisadores da geografia na sua vertente cultural, tendo em vista os propósitos deste trabalho. Podemos elencar como teóricos principais nesta pesquisa os seguintes autores: Zeny Rosendahl, Paul Claval[12], Rógerio Haesbaert[13], Yi-Fu Tuan[14] e Mircea Eliade. Com relação ao paradigma metodológico, que norteará a pesquisa, este será o fenomenológico, e sua escolha se dá em função de dois fatores. Primeiro, por ser tratar de uma área de estudos voltada para a geografia cultural de base fenomenológica; segundo porque a abordagem do sagrado e do religioso não seria satisfatoriamente explorada dentro dos modelos positivista/neo-positivista ou dialético/marxista e sim, do fenomenológico, especialmente porque o estudo do sagrado não suporta a abstração do objeto do mundo do sujeito. Neste sentido, a abordagem fenomenológica é aquela que promove o encontro entre o objeto (o sagrado) e o sujeito (o homem), oferecendo a possibilidade de se “compreender a experiência vivida das pessoas de um modo que as outras metodologias não o fazem”[15].
Nestas considerações iniciais, não será prematuro dizer que acreditamos que esta pesquisa nos levará a reconhecer que a forma de ocupação do espaço reflete a ideia que se tem da sacralidade deste espaço. Também, pensamos que será possível indicar que a distribuição espacial das atividades antrópicas é influenciada, diretamente, pela concepção que se tem de espaço sagrado.
Por fim, podemos dizer que a presente pesquisa se justifica e se reveste de importância, em face da escassez de pesquisas e material bibliográfico sobre o tema proposto. Ademais, espera-se que a pesquisa possibilite leituras novas sobre os modelos atuais de ocupação do espaço. Pensamos, portanto, ser uma temática original, no sentido de perguntar e, até certo ponto, sugerir que o conceito de lugar sagrado está por detrás de toda territorialidade.
Os capítulos desta pesquisa estão distribuídos de forma didática e histórica, buscando a coesão dos assuntos e a compreensão histórica (ao longo do tempo) da relação entre espaço sagrado e territorialidade. O primeiro capítulo busca caracterizar o lugar, como categoria geográfica, onde o sagrado se manifesta. O segundo capítulo vai teorizar sobre as bases conceituais para justificar o lugar sagrado como fonte de territorialidade. O terceiro e último capítulo demonstrará que, ainda hoje, existem paradigmas simbólicos/míticos que determinam territorialidades. Neste sentido, a modernidade científica, não conseguiu suprimir a ideia de lugar sagrado.


1 LUGAR - CATEGORIA GEOGRÁFICA ONDE O SAGRADO SE MANIFESTA
A leitura que a modernidade científica-positivista faz da compreensão mítica do espaço, pertence a um contexto pré-científico, regido pelos mitos e pelo simbolismo religioso. Não obstante, a nossa modernidade científica não pode negar que “o conhecimento que temos como indivíduos e como membros de uma determinada sociedade permanece muito limitado, seletivo e influenciado pelas paixões da vida”[16]. Daí decorre uma questão a ser enfrentada, que é o fato de que o homem sempre idealiza/imagina um espaço mítico na lacuna deixada pela incapacidade de ser preciso e seguro no conhecimento da totalidade. Ademais, não se deve conceber uma ciência que estuda as relações do homem com o seu meio (caso da Geografia), que deixe de propor “uma compreensão do homem, não somente em sua percepção do mundo, mas também pelo imaginário que elabora acerca do seu meio”[17]. Haverá sempre realidades que lhe escapam à compreensão objetiva, mormente, as realidades espaciais que se estendem além da visão física, e desta forma, “os pequenos mundos da experiência direta são bordejados por áreas muito mais amplas conhecidas indiretamente através dos meios simbólicos”[18].
Quando se pensa o espaço, não parece sábio divorciá-lo de quem o concebe como tal e, portanto, neste sentido, o espaço não deve ser separado do homem. Desta forma, o espaço físico é fruto de uma construção subjetiva, ou seja, “a realidade do rio, da montanha, da terra não é uma realidade subsistente, mas validada, instituída; é o mito que valida e constrói a realidade”[19]. É o homem quem significa (dá significado) o espaço. A construção de espacialidades objetivas e subjetivas (físicas e simbólicas) pode ser determinada pelo pensamento mítico, uma vez que ele é “um construto intelectual”[20], portanto, uma racionalização daquilo que, ainda, é desconhecido, a partir de um conhecido. Por isto, o espaço habitado e explorado (objetivo) é mítico no seu simbolismo e sacralidade imediata, tendo em vista que esta formulação afetivo/simbólica é feita a partir do lugar onde vive este homem.
O entendimento que se tem neste sentido é que “o mundo que nos rodeia, o mundo no qual são sentidas a presença e a ação do homem – as montanhas que ele escala, as regiões povoadas e cultivadas, os rios navegáveis, as cidades, os santuários – tudo isto tem um arquétipo extraterreno (...)”[21]. Desta forma, o processo de ocupação da terra (habitação, exploração do solo etc) é mediado por uma elaboração mítica e simbólica, que é a responsável pela configuração daquele espaço, sendo este espaço uma materialização de um modelo mítico.
Feitas estas considerações introdutórias e, antes de adentrarmos questões mais viscerais desta relação mítica que o homem trava com o espaço, convém que definamos quais categorias geográficas priorizaremos neste trabalho. Tendo em vista que a nossa pesquisa privilegiará as questões que envolvem a territorialidade, o território e o lugar, nada mais justo que caracterizemos, particularmente, cada uma deles.

1. 1 – Definindo as categorias de territorialidade, território e lugar.
a) Territorialidade
O conceito de territorialidade na geografia é emprestado da zoologia. A ideia de territorialidade remonta a experiência do ornitólogo Elliot Howard[22], que percebeu que “os pássaros delimitavam determinado território, cuja posse determina, a seguir, a hierarquia social e o acesso ás fêmeas”[23]. Ainda de acordo com  Howard, a territorialidade podia ser definida como “a conduta característica adotada por um organismo para tomar posse de um território e defendê-lo contra os membros de sua própria espécie”[24].
Tomando este modelo de territorialidade animal, percebe-se que a territorialidade humana está fundada num conceito parecido, ou seja, determinado grupo social se apropria de certos espaços, estabelecendo as suas fronteiras e as regras para a utilização daquele espaço. A ideia de posse e de dominação, certamente, é uma característica distintiva da territorialidade. Deduz-se destas características que a territorialidade é uma esfera de poder que cria e mantém determinado território. Neste sentido, “a territorialidade (...) não é apenas um meio de criar e manter a ordem, mas é uma estratégia para criar e manter”[25] determinado espaço. Nesse primeiro momento, “a territorialidade é compreendida muito mais pela relação social e cultural”[26] do que pelos aspectos físicos/materiais, especialmente porque a territorialidade pode ser “uma estratégia político-cultural”[27]  com vistas à legitimação da ocupação de determinado espaço.
O conceito de territorialidade, herdado da biologia/zoologia, enfatiza a ideia de uma territorialidade inata. Desta forma, a territorialidade é um comportamento humano presente em todos os grupos sociais. As representações simbólicas presentes na cultura fornecem o substrato teórico na elaboração desta territorialidade, que confere identidade ao grupo social representado. Portanto, “toda cultura se encarna, para além de um discurso, em uma forma de territorialidade”[28].
b) Território
Podemos partir do ponto de vista de que o território é uma materialização de uma territorialidade, logo ele dá visibilidade a esta. Pensando assim, fica fácil concluir que é pela existência de uma territorialidade que se cria um território. Logo, não existe território à margem da territorialidade. Convenciona-se dimensionar o território nas esferas cultural, econômica, social e natural, mas pensamos que não é uma ideia inteligente, visto que fragmentaríamos demais sua estrutura. Acreditamos que as dimensões cultural e social resumiriam bem sua estrutura. Neste sentido, o aspecto cultural merece ser lembrado, como também, o aspecto social, uma vez que o território é produto de uma formulação simbólica e é o palco das relações sociais.
Cabe-nos, apenas, diferenciar estes dois aspectos, uma vez que o social é político, econômico, objetivo e linear; enquanto o cultural é simbólico, ideológico e subjetivo. É necessário, portanto, que o território seja percebido nestas duas esferas, pois ele materializa realidades sociais e culturais. Sendo assim o território não deve ser pensado ignorando sua dimensão social (política/jurídica) uma vez que ele pode ser definido como “uma determinada porção da superfície terrestre apropriada por um grupo humano (...). Dessa forma, o território é posto, como um espaço que alguém possui, é a posse que lhe dá identidade”[29]. Igualmente, sua dimensão cultural precisa ser admitida, uma vez que a territorialidade está estribada num discurso recheado de mitos, símbolos e heróis; e é esta territorialidade que organiza o território.
Partindo desta ambivalência do território é que compreendemos como ele é capaz de assegurar uma identidade ao grupo que lhe pertence, uma vez que “os grupos, as etnias e os povos existem por sua referência a um território”[30], ou seja, os grupos sociais tendem a se desintegrar quando não estão ancorados num território. Neste sentido, a nação de Israel ilustra bem esta relação: povo e território. A história dos hebreus[31] começa com a promessa da terra prometida (região da Palestina), onde se estabeleceria como nação, sendo que depois de estabelecida, passa por guerras, sofrendo seguidos cativeiros ao longo dos séculos, reassumindo seu território, somente, após a segunda guerra mundial.
Uma exceção interessante nesta relação território e grupo social é a situação da Catalunha[32] que não possui território com o status de Estado (juridicamente, falando), mas que possui uma identidade cultural própria dentro do território da Espanha, tendo um sentimento nacionalista diferente do resto da Espanha, sendo que este nacionalismo “elaborou mitos, rituais, símbolos que deram vida a um imaginário que competia com a identidade nacional espanhola (...)”[33]. Desta forma, a Catalunha tem um componente simbólico identitário/nacionalista, mas se submeteu a uma privação do território, não obstante, atualmente, tem florescido o desejo de se ter um território próprio.[34]
Retomando o debate sobre os aspectos cultural e social, encontramos em Haesbaert a seguinte impressão sobre o território:
Desde a origem, o território nasce com uma dupla conotação, material e simbólica, pois etimologicamente aparece tão próximo de terra-territorium quanto de térreo-territor (terror, aterrorizar), ou seja, tem a ver com dominação (jurídico-política) da terra e com a inspiração do terror, do medo – especialmente para aqueles que, com esta dominação, ficam alijados da terra, ou no ‘territorium’ são impedidos de entrar[35].
As dimensões dadas por Haesbaert ao território são a material e a simbólica, que podem ser traduzidas em social e cultural (conforme proposto, anteriormente). O território sempre representa ou materializa um poder, seja ele oriundo do social/material/político, seja ele oriundo do cultural/simbólico/mítico. Dada esta estruturação do território, ele atua na esfera do funcional, como recurso, matéria prima entre outros, em função da sua dimensão social. Como atua, também, fornecendo sentido, significado e ideologia, dada a sua dimensão cultural.
Finalizando estas breves considerações sobre o território, precisa ficar claro que o território nunca deve ser concebido isoladamente na sua dimensão cultural/simbólica, mas sempre envolvendo sua dimensão social/material. Isto decorre do fato de que “ao contrário da territorialidade, ele sempre envolve uma dimensão material-concreta”[36].
c- Lugar
Podemos começar caracterizando o lugar pelo seu sentido etimológico, que significa espaço ocupado, localidade, posição etc. Isto, de imediato, demonstra que o lugar é um espaço fixo e limitado. Logo o lugar se apresenta como um espaço conhecido e, numa perspectiva fenomenológica, um espaço relacional. Assim ele é o palco das relações sociais, onde funciona como um “microcosmo, onde cada um de nós se relaciona com o mundo e o mundo se relaciona conosco”[37]. Dentro desta compreensão, o lugar é fruto de uma elaboração afetiva, de tal maneira que há uma correspondência entre o homem e o lugar carregada de sentimentos (saudades, lembranças, afetos).
O lugar sempre evocará a subjetividade do indivíduo. Percebe-se que “a esperança das pessoas gira em torno de determinados lugares carregados de histórias e símbolos”[38]. Por isto a análise da categoria lugar só e possível a partir do indivíduo, mas isto não deve pressupor que os lugares são criações do sujeito, mas devem ser considerados como espaços locais que “possuem características próprias”[39], ou seja, que tem existência real, seja no plano material, seja no cultural.
 Dentre as categorias geográficas (lugar, região, território, paisagem), o lugar é a categoria que faz um corte no espaço e no tempo, possibilitando formulações afetivas de ordem pessoal, criando um ambiente de comunhão com o indivíduo. Este recorte da realidade realizado pelo lugar explica porque
a afeição não pode se estender a todo um império, porque frequentemente este é um conglomerado de partes heterogêneas, mantidas e unidas pela força. Ao contrário a região natal (pays) tem continuidade histórica e pode ser uma unidade fisiográfica (um vale, litoral ou afloramento calcáreo) pequena o suficiente para ser conhecida pessoalmente[40].
Por isto, o lugar é um espaço uno, limitado e que faz parte da vivência do indivíduo. O lugar é sempre uma experiência cognoscível sem sobressaltos ou mistérios, pois ele é uma parte conhecida e reconhecida da existência do indivíduo. Todos sabemos que o homem “somente pode estabelecer raízes profundas em uma pequena parte do mundo”[41], que chamamos de lugar.

1. 2 – O lugar como categoria a priori da geografia
A presunção de que o lugar é uma categoria a priori se funda no fato dele ser uma categoria a partir de onde pensamos as demais categorias. Não se pretende, aqui, adentrar em discussões filosóficas sobre o alcance da expressão a priori. Apenas entendemos que esta expressão parte de causas já definidas sem haver a necessidade de comprovações (a posteriori), bastando para isto uma argumentação racional. Logo, se pretende demonstrar que o lugar é uma categoria “a priori”, por causas já conhecidas e admitidas.
Porque podemos afirmar que o lugar é uma categoria a priori? Primeiramente, porque, evidentemente, pensamos o mundo a partir da nossa subjetividade e nossas vivências. Neste sentido, é a partir do lugar onde moramos/vivemos que elaboramos nossa cosmovisão (onde estão inseridas, inclusive, as outras categorias geográficas). Sabemos que a “essência do lugar é a de ser o centro das ações e das intenções, onde são experimentados os eventos mais significativos de nossa existência”[42], desta forma é a partir do lugar que sentimos a vida e pensamos o mundo.
Pensando, objetivamente e lançando mão da história da geografia, sabemos que o nascedouro da geografia foi local, sobretudo pelas limitações tecnológicas da época. Não bastasse, no dizer de La Blache (citado por RELPH, 1976), “a geografia é a ciência dos lugares (...).”[43]. Não obstante, não queremos justificar, através deste argumento, que  o lugar é uma categoria a priori, uma vez que o contexto da palavra lugar tem uma dimensão mais abrangente. Queremos nos valer dos aspectos mais culturais, uma vez que o lugar é, antes de tudo, uma elaboração afetiva, porque “o lugar encarna as experiências e aspirações das pessoas”[44].
Entendemos que não podemos pensar as categorias mais abrangentes como território, paisagem, região e o próprio espaço se não partirmos de um ponto fixo, de um local. Não se pode compreender o todo se não partirmos da parte onde está inserido o sujeito observador. Desta forma, o lugar “é uma entidade única, um conjunto especial que tem história e significado”[45] e é a partir desta significação que o lugar possibilita afirmarmos que o lugar é um pequeno mundo, onde pensamos o grande mundo.
Pensando na relação espaço e lugar, entendemos que “o espaço é amorfo e intangível e não uma entidade que possa ser diretamente descrita e analisada”[46], por isso, não podemos conhecer objetivamente o espaço, sendo que isto só é possível pela mediação do lugar, por ser “um espaço estruturado”[47]. As coisas e as pessoas (tecnicamente, objetos) só podem ser estudadas e conhecidas a partir do lugar, porque é o lugar que organiza e dimensiona o espaço, à medida que ele (o lugar) representa uma fragmentação deste espaço. Podemos dizer, filosófica e poeticamente (embora, seja um risco nos trabalhos científicos, ainda reféns do positivismo comtiniano) que os lugares são as praças, onde o tempo e o espaço se enamoram.
Ainda, na defesa da aprioricidade do lugar, não queremos limitar o lugar, nem de longe, aos aspectos culturais, porque ele representa, também, uma unidade espacial/física. A abordagem de lugar nesta pesquisa trabalhará com as duas dimensões da categoria lugar (cultural e espacial). Não obstante, existem outras abordagens que poderão caracterizar o lugar somente nos seus aspectos simbólicos, no entanto, não é a intenção desta pesquisa seguir este caminho.
Por fim, podemos dizer que a compreensão do espaço só é razoável a partir do vivido, do experimentado. A ideia de que podemos compreender o mundo e as coisas, abstraindo os objetos do espaço, ignorando seu lócus, suas relações e suas essências individuais, tem demonstrado ser um grande equívoco, desde o enfrentamento do positivismo pela fenomenologia husserliana, no início do século XX. Além do mais, quando falamos de lugares, “estamos falando da significação do espaço para cada indivíduo”, pois não podemos explicar o espaço, a vida, os objetos e as relações senão a partir do indivíduo. Neste sentido, o indivíduo só pode viver no lugar, ademais a ideia de uma topofilia (topos e filos na língua grega, significam respectivamente, lugar e amor/afeição) só é possível a partir do lugar, uma vez que ela (a topofilia) exige um “tamanho compacto, reduzido às necessidades biológicas do homem e as capacidades limitadas dos sentidos”[48], uma vez que você não pode amar/gostar/apreciar aquilo que sua sensoriedade não alcança.

1. 3 – O lugar, espaço onde o sagrado se manifesta.
Antes de considerações específicas acerca do lugar como espaço onde o sagrado se manifesta, entendemos que a ideia de território, como espaço onde o sagrado se manifesta, não é razoável, dado a sua extensão e estruturação jurídica-política, bem como o fato de que a hierofania se manifesta em dado lugar do espaço, não numa porção desconhecida pelo sujeito, nem na totalidade do espaço, mas numa perspectiva local e particular.
Partindo da rejeição do território como espaço onde se manifesta o sagrado e não negando que o sagrado manifesto em dado lugar irradiará sua ação santificadora ao território, reafirmamos que estamos discutindo, neste momento, onde se manifesta o sagrado, não a propagação do sagrado, porque a “teofania[49] consagra um lugar pelo próprio fato de torná-lo ‘aberto’ para o alto, ou seja, comunicante com o Céu, ponto paradoxal de passagem de um modo de ser a outro”[50]. Portanto, a manifestação do sagrado é local, porque significa uma “rotura operada no espaço”[51], criando um lugar sagrado.
O lugar, como já foi comentado, é uma elaboração afetiva que acontece numa espacialidade estruturada e resumida. É dentro desta espacialidade enxuta que “os mitos religiosos e políticos mudam a natureza de parcelas do espaço: existem fontes, florestas, árvores e serras que viram sagradas, enquanto os seus arredores permanecem profanos”[52]. Quando a hierofania  irrompe em dado lugar, este lugar passa a ser dotado de um caráter mágico, transcendente. A manifestação do sagrado no lugar não o descaracteriza espacialmente, mas reveste-o de um simbolismo, de uma transcendência, ou seja, “a pedra sagrada, a árvore sagrada não são adoradas como pedra ou como árvore, mas justamente porque são hierofanias, porque revelam (...) o sagrado, o ganz andere”[53].
Portanto, a sacralidade é decorrência da manifestação do sagrado, que pode e deve ser, primeiramente, entendida sob um viés teológico, significando a manifestação do totalmente diferente (ganz andere)[54], tratando-se de uma experiência em que algo misterioso, grandioso, tremendo, extraordinário se manifesta. Logo este lugar adquire uma mística, uma condição mágica, uma supremacia religiosa, um status espiritual, uma vocação sagrada. As experiências de manifestação do sagrado estão sempre associadas a lugares específicos, como exemplos, Moisés no Monte Sinai (recebimento do decálogo), Cristo no monte da transfiguração, Maomé no lugar chamado de Jabal Al-Nur ou "a Montanha da Luz”, o apóstolo Paulo no caminho de Damasco etc.
Não raramente o comportamento social de determinada comunidade reproduz uma ética retirada de uma manifestação do sagrado, porque “a vida de uma coletividade envolve crenças que se revelam nas condutas e se materializam nas formas espaciais do cotidiano vivido”[55]. E a forma espacial que pode ser vivida esta experiência é o lugar, que é o espaço existencial, onde estão as pessoas, as coisas e as relações. E neste sentido, o lugar é onde se tecem as teias simbólicas da territorialidade, como veremos no próximo capítulo.
2 O LUGAR SAGRADO FUNDA O CONCEITO DE TERRITORIALIDADE
Partindo do ponto de vista de que há consenso acerca da aceitação da categoria lugar como espaço, onde o sagrado se manifesta, acreditamos que o lugar sagrado estabelece uma áurea mítica e simbólica no seu entorno, uma verdadeira esfera de poder. Neste sentido, esta escala de poder funda conceitualmente a territorialidade, que “seria um espaço de representação e apropriação simbólica de determinado espaço sagrado”[56].
O fato desta territorialidade adquirir, eventualmente, ares político/jurídicos não a esvazia de sua concepção ligada ao espaço sagrado, uma vez que “o sagrado é fundamental para o homem, na medida em que para ele a alma é imortal, e para viver bem na terra e apresentar-se puro diante de Deus após a morte carnal esse homem serve-se de símbolos, ritos para a celebração de festas e cerimônias religiosas”[57].  E, ainda que o homem moderno (e pós-moderno) possa se sentir indiferente ou totalmente descrente desta vida sagrada, não poderá se libertar da herança antropológica e histórica que permeia sua natureza humana, mesmo não sendo expressa ou demonstrada em ações religiosas. O homo religiosus precede o homo laicus. E esta herança bendita/maldita é irremovível da natureza do homem, uma vez que na proporção que
o homem a-religioso se constitui por oposição a seu predecessor, esforçando-se por se ‘esvaziar’ de toda religiosidade e de todo significado trans-humano. Ele reconhece a si próprio na medida em que se ‘liberta’ e se ‘purifica’ das ‘superstições’ de seus antepassados. Em outras palavras, o homem profano, queira ou não, conserva, ainda os vestígios dos significados religiosos. Faça o que fizer, é um herdeiro[58].
A territorialidade, entendida como este apropriamento simbólico de determinado espaço (mas que se materializa na estruturação do território) evidencia claramente que ela é fruto de uma ideia legitimadora, construída simbólica/mítica/sagrada/religiosamente. A manifestação do sagrado em determinado lugar desencadeia a territorialidade, uma vez que a cultura do sagrado manifesto no lugar possibilita uma teia de valores e significados, sendo que estas “culturas não representam somente um gênero de vida, uma maneira de viver e de sobreviver; são também uma arte de viver, e mesmo, além disso, uma razão de viver”[59]. O sagrado oferece significado para a vida, possibilitando uma organização das ideias e do pensamento acerca da vida. “Essa ordem de pensamento baseia-se em crença, mito e valores”[60].
Não somente isto, “para entender os objetivos da ação humana, tem-se de supor ser possível a comunicação com outros mundos. Os geógrafos têm de estudar o papel desses outros mundos na diferenciação do sagrado e do profano, e na construção das categorias do bem e do mal”[61]. A negligência em analisar as motivações irracionais/simbólicas (íntimas/subjetivas) do indivíduo empobrece a compreensão da ação do homem na construção de seus espaços, pois
todos os homens compartilham uma experiência fundadora porque têm o sentimento de que, sob o real ou acima dele, esconde-se uma realidade mais fundamental. Se esta lhes fosse totalmente oculta, não desempenharia nenhum papel na sua existência. Mas a experiência do sagrado permite conhecê-la – e essa experiência está associada a certos lugares[62].
Esta pesquisa, tendo em vista, sua abordagem cultural, reafirma a ideia de que o homo religiosus está presente de forma latente ou efetiva na vida do homem moderno, não obstante, a secularização e o desencantamento do mundo, preconizado por Weber. Por isto, este homem religioso (ainda que latente na sua psiquê), acredita que “existe uma realidade absoluta, o sagrado, que transcende este mundo (...)”[63] e isto, independentemente do período histórico. Esta transcendência, nem sempre, está claramente expressa na sociedade, mas se manifesta na “procura de sentidos que compartilham os homens, e o esforço que sempre fizeram para se elevar, pela consciência, fora do quotidiano, do contingente, a fim de encontrar um significado para a sua experiência”[64]. Desta forma, resta-nos, apenas, compreender como esta territorialidade é tecida em face do lugar sagrado

2.1 – O simbolismo do lugar central: agente irradiador de territorialidade
Uma questão interessante na elaboração do pensamento mítico, com relação à territorialidade, é a ideia de centralidade cósmica do espaço sagrado[65]. Na presente pesquisa, este conceito de espaço/lugar sagrado, como centro irradiador de territorialidade, é definitivo na compreensão do processo de ocupação e exploração do espaço, nos seus aspectos econômico e cultural. Considerando que o tema deste capítulo é explicar como o lugar sagrado gera o conceito de territorialidade, pontua-se, aqui, que o lugar sagrado como centro, é um conceito fundante, apesar de ser produto de uma mentalidade arcaica, onde, “apenas o que é sagrado existe de maneira absoluta”[66]. Não obstante o distanciamento histórico e científico destas sociedades, havemos de convir que as instituições modernas, que representam as esferas de poder, buscam sempre uma centralidade (seja física, seja simbólica) dentro de um espaço geográfico/político[67]. Portanto, vamos encontrar nas sociedades arcaicas[68] o simbolismo do centro de diversas maneiras, como “a montanha sagrada – onde o céu e a terra se encontram – está localizada bem no Centro do mundo (...). Cada templo e palácio – e, por extensão, toda cidade sagrada ou residência real – é considerado como uma montanha sagrada, sendo visto, portanto, como um centro”[69].  Neste sentido, para a mentalidade arcaica, a manifestação do sagrado no espaço, “funda ontologicamente o mundo”[70], ou seja, o espaço é significado (adquire sentido) pela hierofania (manifestação do sagrado). 
O que a compreensão mítica do espaço sagrado demonstra é que a vida das sociedades arcaicas estava organizada em torno dos lugares sagrados e, portanto, pode-se considerar a territorialidade uma decorrência desta leitura mítica. Esta organização espacial denuncia duas realidades espaciais: a sagrada e a profana. O espaço sagrado é o organizado e conhecido que serve de fronteira ao resto do mundo. O espaço sagrado é o centro, a realidade, enquanto o profano é a periferia, o desconhecido. Os dois espaços demonstram a dicotomia que os envolve, a descontinuidade que os marca. O próprio termo sagrado/santo (kadosh na língua hebraica e hagios na língua grega) significa separado, distinto dos demais. Diante desta dicotomia, fica demonstrada “duas modalidades de existência assumidas pelo homem ao longo de sua história”[71].
As implicações desta interpretação mítica do espaço se percebem no processo de construção das cidades da antiguidade. É facilmente percebido o fato de que “a religião estava em toda parte”[72], na quantidade de templos e santuários que existiam nas cidades antigas, como nas centenas de zigurates[73] da cidade de Babilônia, por exemplo. Faz-se necessário explicar que o espaço sagrado, na perspectiva da compreensão mítica/pré-científica, não é, necessariamente, um componente da paisagem, mas “um elemento de produção do espaço”[74]. Por isto, quando pensamos no simbolismo do centro como lugar que desencadeia a territorialidade, “devemos saber que, nas coisas mais importantes, os conceitos não se definem jamais por suas fronteiras, mas a partir do seu núcleo”[75].
A ideia de centro está associada à distinção que se deve fazer ao restante do espaço, sendo que as hierofanias (manifestações do sagrado) “anularam a homogeneidade do espaço e revelaram um ponto fixo”[76]. E é esse ponto fixo que nos permite “entender o comportamento religioso em relação ao espaço em que se vive”[77]. Neste sentido, admitimos que o homo religiosus é uma herança consciente ou inconsciente que o homem moderno não é capaz de eliminar, sobretudo porque é uma inerência histórica presente na cultura. Sendo este homem, moderno ou pós-moderno, agente e paciente desta teia simbólica presente na cultura, ele jamais se encontrará em estado de puro secularismo ou dessacralização. “Em outras palavras, o homem profano, queira ou não, conserva ainda os vestígios do comportamento do homem religioso, mas esvaziado dos significados religiosos”[78].
2. 2 – O lugar sagrado e a territorialidade urbana
A leitura mítica/simbólica/religiosa das sociedades arcaicas se percebe, sobretudo, na vida urbana e
não podemos perder de vista que, entre, os antigos, o que constituía o vinculo de toda sociedade era um culto. Assim como um altar doméstico mantinha reunidos ao redor os membros da família, assim também a cidade era a reunião dos que tinham os mesmos deuses protetores e executavam o ato religioso no mesmo altar[79].
Fica evidente que no pensamento de Coulanges (acima), a cidade era concebida como “uma pequena igreja completa, com deuses, dogmas e culto”[80], sendo organizada a partir do seu local de culto (santuário). Pode, até, parecer grosseira e distante esta concepção de delimitação de espacialidades, mas convém notar que este pensamento mítico foi o substrato para o pensamento racional, bem como, o pensamento pré-científico foi o chão para a futura cientificidade. Portanto, “esta vida pré-científica seria o mundo da vida que seria o fundamento para o mundo cientificamente verdadeiro e o compreende na sua concreção universal”[81].
O conceito mítico de espaço sagrado é inaugural e epistemologicamente fundacional para a noção de territorialidade, pois, o lugar sagrado para as sociedades arcaicas representavam o ponto central e fixo, a partir do qual se desenrola o processo de organização da comunidade. Para a mentalidade mítica, o mundo se organiza a partir do lugar sagrado, e é “por esta razão que o homem religioso sempre se esforça por estabelecer-se no centro do mundo”[82]. O conceito de territorialidade se estabelece a partir desta concepção, sendo assim, a territorialidade significa o alcance da influência religiosa do lugar sagrado sobre a ocupação e a forma de exploração do meio. Um exemplo interessante é a ocupação da palestina pelos hebreus em 1400. A.C., com a posterior construção do Templo Sagrado em Jerusalém (800 A. C), sendo que, a partir de então, todo hebreu precisava comparecer três vezes por ano no templo, a fim de participar das festas religiosas (Páscoa, Tabernáculos e Pentecostes)[83]. Neste período eles eram orientados acerca da Torah (Lei Mosaica)[84], que era um código de leis que norteava a vida religiosa e civil da nação. Neste sentido, o lugar sagrado determinava a vida social e econômica da nação, especialmente nas questões voltadas para a posse e uso da terra.
Outro exemplo interessante é a forma como as cidades antigas eram fundadas, sendo que, elas sempre se formavam a partir de um evento mítico/simbólico/religioso. Desta forma, “a primeira preocupação do fundador é escolher o lugar da nova urbe. Mas essa escolha, que é grave e da qual se crê depender o destino do povo, é sempre entregue à decisão dos deuses”[85]. Portanto, a leitura mítica/religiosa da vida determinava as relações políticas, sociais e econômicas na urbe (cidade), deixando claro que o fundamento de toda territorialidade estava baseado na compreensão do lugar sagrado, que poderia ser um santuário, um templo, um monumento sagrado. Desta forma podemos asseverar que o conceito fundante da territorialidade estava entrincheirado com a leitura religiosa/mítica que se fazia daquele espaço. Por isto, no contexto das sociedades arcaicas, “cada cidade fora fundada com ritos que, segundo os antigos tiveram como efeito estabelecer dentro de suas fronteiras os deuses nacionais”[86].
A compreensão mítica do mundo e das coisas produziu nas sociedades arcaicas um modelo religioso, baseado em crenças locais e circunscritas a uma região específica, diferentemente da atualidade, quando as religiões extrapolam fronteiras (como é o caso do Cristianismo e do Islamismo). As sociedades arcaicas possuíam deuses territoriais que produziam uma religiosidade nacional/local e exclusivista. Não havia o interesse em fazer proselitismo, pois aquela divindade estava comprometida, apenas, com os naturais da terra, e isto era tão verdadeiro que “a cidade que possuísse uma divindade não queria que ela protegesse os estrangeiros e não permitia que ela fosse adorada por eles”[87].
Portanto, em relação ás sociedades arcaicas e sua compreensão mítica, que denominamos de pré-científica, podemos afirmar que a gênesis da ideia de territorialidade é a busca de uma relação de domínio e influência sobre determinado espaço, com vistas ao uso exclusivo de um grupo social. Neste sentido, a territorialidade é a manifestação de uma esfera de poder, exercendo controle sobre determinado espaço e, certamente, a primeira instância deste poder se deu (historicamente, falando) no âmbito do sagrado/mítico/simbólico/religioso. Desta forma, “é conveniente partir da experiência religiosa, quando se deseja compreender a distribuição dos homens, o controle das paisagens e a organização do espaço afetado pela fé”[88].

2. 3– O surgimento do território como fruto da territorialidade gerada no lugar sagrado.
Entende-se que o território é produto de uma territorialidade elaborada na cultura, uma vez que “a territorialidade emana da etnia, no sentido de que ela é, antes de tudo, a relação culturalmente vivida (...) cujo traçado no solo constitui um sistema espacial – dito de outra forma, um território”[89]. Logo o território materializa uma territorialidade construída a partir da cultura e, mais especificamente, na ideia do sagrado contida no lugar.
Pode-se dizer que a demarcação de um território é considerada um ato criador. O território surge então como um ato de posse de uma região sacralizada pela associação com um arquétipo celestial (mítico). Por isto, “o processo de povoação de uma nova região, não-cultivada e desconhecida, equivale a um verdadeiro ato de Criação e seu estabelecimento como território só é considerado real quando se realiza um ritual de tomada de posse”[90]. Um exemplo significativo é a tomada de posse das terras conquistadas pelos espanhóis e portugueses, que sempre era feito em nome de Jesus Cristo e da Igreja. A primeira missa, celebrada no Brasil, é outro exemplo deste ritual de posse e conquista de um território.
O território, visto como produto de uma apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido, exige um substrato teórico legitimador de suas fronteiras. Sendo assim, o lugar sagrado (religiosa ou culturalmente, falando) funciona como “o umbigo do mundo, o ponto em que começou a Criação”[91]. Então, é a partir deste umbigo/centro do mundo/lugar sagrado que as fronteiras do território são estabelecidas, e neste sentido, “a fronteira, esse produto de um acto jurídico de delimitação, produz a diferença cultural do mesmo modo que é produto desta”[92], ou seja, as fronteiras são produto do sagrado, da mesma forma que o circunscreve (limita) àquele espaço.
Quando enfatizamos o sagrado como gerador de territorialidade, não limitamos o sagrado á uma manifestação religiosa, mas contemplamos todos os aspectos mítico/simbólicos do sagrado, sem reduzi-lo a uma experiência religiosa. Daí decorre o fato de que “não pode haver sociedade que não sinta a necessidade de conservar e reafirmar, a intervalos regulares, os sentimentos coletivos e as ideias coletivas que constituem a sua unidade e a sua personalidade”[93]. Sendo que estes sentimentos e ideias coletivas são produzidas no arcabouço da cultura, através dos mitos e dos símbolos. 
Em face do já dito, o território não é fruto, primeiramente, de uma delimitação político/jurídica, mas de uma construção mítico/simbólica oriunda da cultura, traduzida na forma de territorialidade. Em função disto, o território materializa uma relação simbólica, sendo que “os grupos, as etnias e os povos existem por sua referência a um território (...)”[94]. É o território que dá visibilidade à relação simbólica com o lugar sagrado, existindo, “portanto, uma leitura da história a partir da relação vivida e quase carnal que os homens travam com seu território”[95].
Outro fator importante de ser mencionado, com relação à teia simbólica que envolve a criação e delimitação de um território, é a questão dos laços identitários e relacionais porque “o território é, primeiramente, uma determinada maneira de viver com os outros; em inúmeros casos seus limites geográficos são os das relações cotidianas”[96]. Apesar da particularização da ideia de território feita por Bonnemaison (acima), podemos estender esta compreensão para a criação dos modernos Estados Ocidentais, quando nas suas Cartas Constitucionais vemos como princípios basilares, uma moralidade oriunda do judaísmo/cristianismo, em face destes povos serem de uma tradição religiosa cristã, refletindo assim, na constituição (jurídica e cultural) de seus territórios a sua moralidade cotidiana.  Portanto, observamos que a mentalidade mítica/simbólica se apresenta como uma experiência recorrentena vida do ser humano, sendo assim, tentaremos observar (no próximo capítulo) vestígios desta concepção na construção de territorialidades na pós-modernidade.

3 OS SIMBÓLICOS DA PÓS-MODERNIDADE E A CONSTRUÇÃO DE NOVAS TERRITORIALIDADES
A leitura simbólica do espaço é atemporal, pois se mudam ou ressignificam os símbolos, os mitos e os heróis, mas a visão mítica/sagrada/religiosa permanece. Ora, se a territorialidade é medida por fatores sociais e culturais e o território materializa esta relação entre espaço e sociedade, não há como se desvencilhar de uma visão simbólica perene. Sobretudo, porque “o território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e dos sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como território usado. O território usado é o chão mais a identidade”[97]. E a identidade do sujeito só pode ser construída a partir de um processo simbólico, porque “a identidade é conferida pelo meio ou por alguns dos elementos do meio que nós escolhemos. Nós ingressamos num mundo de signos – e de consumo cultural”[98].
A geografia, legítima detentora da análise da relação sociedade e natureza, não pode se esquivar de seu passado mítico, pois a ideia de objetivar/naturalizar/mecanizar esta relação não contempla a complexidade da teia simbólica que envolve o homem e o meio. Não podemos esquecer que a concepção positivista de ciência, herdeira do racionalismo iluminista, produziu a crença arrogante e ingênua de que existe uma forma de conhecimento objetivo que seja infalível, imaginando “que as observações sempre eram o reflexo das coisas reais, e toda subjetividade (identificada com o erro) podia ser eliminada através da concordância e da verificação das experiências”[99]. Neste sentido a geografia, especialmente, por transitar entre as ciências sociais (homem/sociedade) e naturais (espaço físico) deve se valer de sua herança subjetiva/simbólica, se quiser ter êxito na interpretação da relação sociedade e natureza.
Neste sentido, precisamos concordar com Dardel, embora sua defesa apaixonada da sacralidade da terra possa soar como uma ingenuidade[100] para a tecnológica e secularizada geração pós-moderna. Não obstante, vamos as suas considerações:
Nas sociedades ditas primitivas e na maior parte das sociedades antigas e medievais, a ligação do homem com a terra recebeu na atmosfera espaço-temporal do mundo mágico-mítico, um sentido essencialmente qualitativo. A geografia é mais do que uma base ou um elemento. Ela é um poder. Da terra vêm as forças que atacam ou protegem o homem, que determinam sua existência social e seu próprio comportamento, que se misturam com sua vida orgânica e psíquica, a tal ponto que é impossível separar o mundo exterior dos fatos propriamente humanos.[101]
Levando em conta essa comunhão visceral entre homem e natureza, que não se limita a aspectos orgânicos, mas que contempla aspectos subjetivos também, vamos nos ater aos paradigmas simbólicos de nossa contemporaneidade e sua construção de territorialidades. Inicialmente, vamos analisar a categoria geográfica lugar, que é exatamente onde se estrutura a teia simbólica da territorialidade.

3. 1 – O conceito de lugar, em face dos novos paradigmas simbólicos da pós-modernidade.
Não será demais lembrar que, ao longo desta pesquisa, a categoria lugar é vista como categoria a priori na geografia, uma vez que “os fatos da geografia são fatos do lugar”[102]. Não há de se pensar em geografia se não a partir do lugar. Sendo assim, queremos estender o conceito de lugar, considerando os modernos arranjos espaciais, bem como, o fato de que o homem pós-moderno é dinâmico e desloca grandes distâncias em curto espaço de tempo. Esta é uma questão tensa para o estabelecimento de um conceito de lugar, uma vez que “a situação de um homem supõe um espaço onde ele se move; um conjunto de relações e de trocas e distâncias que fixam de algum modo o lugar de sua existência”[103]. Diante desta intensa mobilidade humana, precisamos avançar na compreensão de lugar, não o vendo, apenas, como um local estático, mas como um espaço móvel e dinâmico.
Nesta empreitada de libertar o lugar da condição estática/locacional e atribuir a ele significado translocal, precisamoster o cuidado de não esquecermos que o lugar é o ancoradouro das experiências, ou seja, “o lugar encarna as experiências e aspirações das pessoas”[104]. Desta forma, não podemos reduzir o local a uma subjetivação, matando o seu aspecto físico/local/estático. O lugar é o substrato das experiências, não a experiência em si, logo ele é o espaço/mundo das vivências[105]. Se não podemos reduzir o local às vivências e experiências, havemos de convir que as experiências e vivências no mundo pós-moderno se manifestam em espaços variados, fragmentados e distanciados.
Considerando, ainda, que o lugar não é um espaço amorfo e homogêneo, uma vez que ele materializa um espaço significativo, separado (ideia de santo/sagrado) e emblemático, este mesmo lugar, na pós-modernidade, é concebido qualitativamente e não pelas coordenadas geográficas. Assim, todo lugar é sagrado/mítico/religioso quando ele é o substrato das vivências significativas (trabalho, lar, lazer, culto etc). A espacialidade física continua sendo essencial, entretanto, o lugar se torna significativo pela experiência vivida, porque são “as pessoas que lhe dão significado”[106] e não a sacralidade/simbolismo inerente ao lugar, diferentemente do conceito de hierofania (para os povos da antiguidade), onde “uma irrupção do sagrado que tem como resultado destacar um território do meio cósmico que o envolve e o torna qualitativamente diferente”[107].
Esta diferenciação na forma como as vivências são experimentadas é a responsável pela ampliação do conceito de lugar, na pós-modernidade. Os lugares das vivências significativas passam a ser arquipélagos de uma mesma espacialidade mítica/simbólica/sagrada, um verdadeiro mundo da vida (lebenswelt na língua Alemã, berço do existencialismo fenomenológico de Husserl e Heidegger). Grosseiramente, a soma dos micro-lugares significativos (escola, igreja, família, trabalho etc), produz um macro-lugar afetivo/simbólico/mítico/sagrado. Neste entendimento, admitimos que “todos os lugares são pequenos mundos”[108] significativos, ou seja, dotados de sentido.
Este lugar abrangente, somatório de todos os demais lugares, se espacializa em qualquer micro-lugar. Onde a experiência/vivência significativa está acontecendo, este é o lugar sagrado/mítico. Então, este macro-lugar é cada parte e todas as partes ao mesmo tempo. Nesta compreensão é apropriado citar Pascal:
Como todas as coisas são causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas são sustentadas por um elo natural e imperceptível, que liga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes[109].
Esta tentativa de configuração sistêmica do lugar se explica pelo fatodeste sujeito estar descentrado, desconexo da realidade histórica passada, manifestando um comportamento “disperso e alienado de qualquer totalidade possível”[110]. Neste sentido, as experiências dispersas e fragmentadas são alocadas e organizadas em micro-lugares[111], numa tentativa de estruturação de seu mundo particular, construindo uma teia sistêmica de sentidos. O indivíduo passa a portar em si mesmo, de forma sistêmica, a memória de diversos lugares, sendo que o comportamento deste indivíduo na sociedade demonstra a fluidez destes espaços/lugares míticos/simbólicos/sagrados.
Encontramos, atualmente, em alguns grupos sociais as marcas de uma busca pela experiência do sagrado, do sobrenatural, do transcendente em lugares, notadamente, profanos. Um exemplo são as Raves, que são “festas cosmopolitas que misturam cultura e música tecno, drogas e uma multidão de jovens adolescentes ansiosos por emoção – como uma forma de acesso ao sagrado que se abre pela transgressão da ordem cultural e pela ritualização dessa experiência”[112]. A busca pelo transcendente, pelo sagrado em um lugar profano, na pós-modernidade (científica e laica), demonstra que a pós-modernidade conserva, ainda, o “anseio de transcender o nosso próprio tempo, pessoal e histórico, e de mergulhar num tempo estranho”[113].
A dimensão do simbólico, do mítico, do sagrado parece ser inerente a condição de humano, “em suma, a maioria dos homens ‘sem religião’ partilha ainda das pseudo-religiões e mitologias degradadas. Isso, porém, não nos surpreende, pois, como vimos, o homem profano descende do homo religiosus e não pode anular sua própria história (...)”[114]. Portanto, o que mudou não é a mentalidade mítica/simbólica/religiosa do homem, mas a forma como os mitos e símbolos são elaborados, sendo um produto cultural, contextualizado ao seu período histórico. Neste sentido, o lugar funciona como o laboratório, onde são fabricados estes mitos, símbolos e heróis.
Esta elaboração simbólica construída em diversos micro-lugares constitui um imaginário simbólico bastante denso e abrangente que redundará numa territorialidade difusa e complexa. Diante disto, precisamos analisar a territorialidade como uma instância de poder que se constrói, primariamente, a partir de um indivíduo em busca de identidade e de sentido num mundo globalizado e massificante.

3. 2: Os paradigmas simbólicos pós-modernos e os conceitos de territorialidade e território
O território dá visibilidade ao sentimento de identidade, caracterizado por memórias, lembranças, afetos, que são construídos nos “lugares, ’nas porções’ da natureza em que estão enraizados os seus potenciais (...) e a sua relação tecida entre a história e o espaço fornece uma base aparentemente material á identidade: ela lhe proporciona um território”[115]. Sendo assim, o território é um ancoradouro de identidades. Por isto, a identificação com o espaço é, notadamente, simbólica, uma vez que é gerada subjetiva/afetivamente e não objetiva/racionalmente. Isto é evidente pelo fato de um mesmo lugar[116] despertar diferentes sentimentos naqueles que residem ali, mas todos os sentimentos e afetos são construtores desta identidade ou identificação com o lugar.
A formação do território, então, é uma decorrência deste processo identitário forjado no lugar (categoria geográfica a priori), que é um espaço simbólico, mítico, sagrado, representativo. A identidade do grupo social, desta forma, não é estruturada objetivamente, mas mediada pela presença de mitos, histórias, memórias etc. É este sentimento identitário elaborado no lugar que confere uma territorialidade, que se consuma na ordenação do território.
Um exemplo interessante da presença do mítico/simbólico na estruturação de territórios recentes é a construção de Brasília (capital do Brasil). Percebe-se nela a presença de vários elementos simbólicos, pois o plano piloto da cidade, muitas vezes, é comparado “com a forma de um pássaro ou de um avião. As asas norte e sul são zonas residenciais e o eixo monumental leste/oeste é o corpo. Brasília é um pássaro que pousou na terra, uma nova Jerusalém descendo do céu de Deus”[117]. Isto sem mencionar que o traçado da cidade é o de uma cruz, símbolo caro para os cristãos.
Não obstante, pensamos que possa surgir algum questionamento sobre a atualidade do pensamento mítico/simbólico/religioso, argumentando que as territorialidades das sociedades tradicionais (antigas) não encontram eco na modernidade e, mormente, na pós-modernidade, em face do declínio ou pelo desmoronamento das ideologias e filosofias históricas, “sobre as quais repousavam as sociedades ocidentais”[118]. A isto poderia ser acrescentado o fato de que na pós-modernidade, a fragmentação histórica, a sociedade líquida, a rejeição do absoluto e da tradição são marcas evidentes. Neste sentido, haveria na pós-modernidade, “pouco esforço aberto para sustentar a continuidade de valores, crenças ou mesmo de descrenças”[119].
Diante deste quadro de incertezas, pensava-se, inclusive, que as culturas locais, as tradições, os mitos seriam diluídos na cultura globalizante de viés econômico-político. E neste sentido, muitos julgaram que o desaparecimento da maior parte dos traços que promoviam a infinita variedade do mundo tradicional anunciasse a erosão das diferenças culturais, mas “o que se observa hoje são sociedades onde os problemas de identidade são mais envolventes do que nunca”[120].
Atualmente, percebe-se, claramente, discursos e movimentos identitários em várias partes do globo, que buscam fugir do “contágio dos modos de pensamento que se condena, do jeito arrebatador de comportamentos e atitudes que reprovamos moralmente, da poluição á qual nos expomos ao permanecermos em ambientes impuros”[121]. Tais discursos revelam a construção de elementos míticos/simbólicos/religiosos expressos em palavras como comportamentos, moralmente, impuros, que são valores absolutos, recheados de religiosidade. O que dizer dos nacionalismos e regionalismos evidenciados na criação de partidos políticos de viés nacionalista e intolerantes á presença de elementos estrangeiros (xenófobos)? Tudo isto indica uma reação à cultura globalizante e massificante. Observa-se que
numerosos setores sociais se refugiam nas trincheiras de identidade construídas em torno de sua experiência e de seus valores tradicionais: sua religião, sua localidade, sua região, sua memória, sua nação, sua cultura étnica, seu gênero ou, em algumas ocasiões, sua opção identitária, constitutiva de um sistema de valores alternativos[122].
Sendo assim e admitindo que a territorialidade apresenta-se como a “tentativa de um indivíduo ou grupo de influenciar, afetar, controlar objetos, pessoas e relacionamentos pela delimitação e pela afirmação de seu controle sobre uma área geográfica"[123]; fica evidente que esta instância de poder e dominação transcende a questão temporal e espacial, sendo uma experiência não circunscrita a períodos históricos e espacialidades. É uma experiência humana inata, senão como poderíamos justificar o fato de que, atualmente, identificamos grupos de jovens e adolescentes que se organizam “em gangues e tentam assegurar o controle exclusivo de territórios que eles defendem contra a penetração de vizinhos”[124]. O que se percebe é que “no imaginário das gangues, os espaços da cidade se configuram enquanto locus de disputas, confrontos e delimitação de posses”[125]. Tal comportamento remonta às sociedades camponesas tradicionais, onde “os jovens também lutavam, aldeia contra aldeia, para se afirmar, provar sua virilidade e mostrar sua capacidade de se impor frente aos outros”[126].  Estas gangues[127] da pós-modernidade relembra o comportamento de cangaceiros, na região nordeste do Brasil, em tempos idos.
Na pós-modernidade, esta construção simbólica com vistas à dominação de certa espacialidade (território), se apresenta de forma bastante líquida e dinâmica. Senão vejamos os casos dos bailes Funks ou de Hip Hop nas grandes cidades, que tem uma visão de território, “quase sempre delimitada pela violência, seja como luta de contrários, ‘dos ricos contra os pobres’, relatada pelo Hip Hop; seja pela guerra entre áreas de turmas rivais, protagonizadas pelas gangues”[128]. O que dizer, ainda, das questões ligadas à intolerância religiosa, experiência antiga, mas reeditada recentemente nas favelas do Rio de Janeiro, quando pais e mães de santos foram “expulsos de favelas da zona norte pelo tráfico”[129]. Sendo que em algumas destas favelas, houve o fechamento dos terreiros e a “proibição do uso de colares afro e roupas brancas”[130]. Todos estes fatos demonstram a presença do simbólico no estabelecimento de territorialidades e neste sentido, para haver a dominação de determinado território precisa haver a construção/desconstrução/reconstrução do simbólico/sagrado.
A criação dos estados nações (espaços delimitados política e juridicamente), na modernidade, demonstra, também, como a territorialização é fruto de uma elaboração mítica/simbólica, que incorpora os sentimentos de “pertencimento e de territorialidade”[131], demonstrada através de símbolos nacionais como a bandeira, o hino, a língua, a história comum. Não obstante, a riqueza simbólica dos territórios-nações, a globalização atual gera um clima de desassossego em face da possibilidade de uma desterritorialização, através da absorção de culturas locais e regionais, substituindo-as por uma cultura-mundo.
Entretanto, a ideia de uma desterritorialização(em face da globalização política/econômica/cultural) parece ingênua, pois “o mundo não está nem des-espacializado, nem desterritorializado. Primeiro, porque a aparente desmaterialização ou perda de referência espacial nas relações sociais indica, na verdade, quase sempre, uma condensação/densificação geográfica das relações (...)”[132]. Portanto, esta fluidez dos territórios demonstra que a sua delimitação é fruto de uma territorialidade que privilegia os aspectos qualitativos dos lugares míticos/simbólicos. E neste sentido, não está havendo desterritorialização na pós-modernidade e sim multi-territorialização, mas igualmente construída a partir de territorialidades fundadas nos mitos/símbolos pós-modernos, construídos a partir dos micro-lugares (escola, igreja, família, trabalho etc).

3. 3 – Os paradigmas simbólicos pós-modernos e a ideia de território-mundo
Observamos ao longo da história que os mitos não morrem, são apenas ressignificados pelas novas gerações. As experiências humanas são as mesmas: nascer, trabalhar, sofrer, gerar filhos, sonhar, casar, morrer etc. Os sentimentos, também, são os mesmos: medo, saudade, amor, ódio, alegria, tristeza etc. Logo, os mitos são os mesmos, também, e vão ser as respostas para as necessidades humanas: cura, libertação, fertilidade, saúde, força, imortalidade, transcendência etc.
Fica evidente que o homem tem aspirações que vão além das suas necessidades fisiológicas imediatas, isto se deve ao fato do homem não viver “num universo puramente físico, mas num universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte, a religião são partes deste universo. São os vários fios que tecem a rede simbólica, a teia emaranhada da experiência humana”[133].
A pergunta que se faz, na pós-modernidade é: se é possível produzir uma cultura que represente toda a humanidade, ou seja, será que os mitos, símbolos e heróis são universais? Entendemos que o pensamento mítico/simbólico é inerente ao ser humano e está presente em todos os grupos sociais. Mas, “estaríamos vivenciando um processo radicalmente novo de territorialização, pelo menos no que diz respeito à escala planetária, com a formação de uma nova identidade territorial (...)”?[134] Pensamos que não, especialmente por acreditar que a identidade territorial é construída a partir da territorialidade, e está só pode ser produzida no lugar.
Sendo assim, as leis da globalização da economia não são da mesma natureza da globalização da cultura, exatamente pelo elemento simbólico, que é tecido ao nível do lugar e não a partir do território, ou seja, a cultura não começa no território, ela, apenas, se torna visível no território. Neste sentido, julgo por oportuno diferenciar novamente as duas categorias. “O termo território, de maneira geral, é utilizado para indicar domínio ou gestão de uma determinada área. Nesse caso, não pode ser confundido com lugar, que pressupõe afetividade, pertencimento, topofilia (...)”[135]. Portanto, quando pensamos em globalização como a “reunião de processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações”[136], numa perspectiva de homogeneização econômica e cultural, precisamos esclarecer que tal homogeneização, com vistas a ideia de um território-mundo, tem enfrentado grandes resistências, senão vejamos:
a) O acesso às demais culturas pode reforçar valores e crenças locais, quando confrontados com outros modelos culturais, considerados eticamente inadequados para aquele grupo, fortalecendo assim os laços identitários locais. No Reino Unido, por exemplo, em face da presença significativa de Africanos e Asiáticos, despertou um racismo cultural, sendo que esta “atitude defensiva produziu uma ‘inglesidade’ (englishness) reformada, um ‘inglesismo’ mesquinho e agressivo e um recuo étnico, numa tentativa de escorar a nação e reconstruir uma identidade que seja una, unificada, e que filtre as ameaças da experiência social”;[137]
b) Outro foco de resistência a ideia de um território mundo trata-se do “recrudescimento de regionalismos e nacionalismos de ordem político-cultural – enquanto movimentos pelo menos parcialmente contra-globalizadores”[138].Fato este verificado no fortalecimento de partidos políticos com viés nacionalista, sobretudo, na Europa Ocidental.
Portanto, a proposta de um território-mundo, ainda desperta muita resistência, sobretudo, por não se saber, exatamente, quais as estruturas políticas e econômicas que vão geri-lo. Não estaria este território-mundo aliançado com as elites econômicas do mercado? Não seria um território-mundo a serviço dos países ricos?

CONCLUSÃO
Levando em consideração tudo que foi escrito até aqui e caminhando para o encerramento desta pesquisa, precisamos nos perguntar se o problema levantado pela pesquisa foi solucionado, ou seja, se a concepção mítica de lugar sagrado vai estabelecer territorialidades em qualquer circunstância histórica e cultural. Também não deve ser esquecido que esta pesquisa se propôs a demonstrar como os mecanismos simbólicos, presentes no lugar, constroem as territorialidades. E nesse sentido, precisa ser respondido se tal objetivo foi alcançado.
Analisando a produção textual de forma global, percebemos que a estruturação dos capítulos procurou contemplar o problema de pesquisa expresso no tema, bem como, buscou explicitar os mecanismos simbólicos responsáveis pela elaboração da territorialidade. Desta forma, o capítulo primeiro demonstrou que a categoria geográfica lugar é o espaço de manifestação do sagrado, sobretudo por que esta hierofania é interpretada pela subjetividade do sujeito e esta experiência só é possível a partir do lugar onde este sujeito mora/vivencia/experiencia, enfim, onde sua cosmovisão é estruturada. Corroborando a ideia de que, somente, na categoria lugar o sagrado se manifesta, ficou esclarecido que o território não é o espaço de manifestação do sagrado, dado a sua estruturação e extensão e seu caráter impessoal (jurídico/político).
O capítulo primeiro serviu, também, para definir o lugar como única possibilidade de manifestação do sagrado e de onde se estrutura os mecanismos simbólicos que forjam a territorialidade. A manifestação do sagrado/simbólico/mágico no lugar cria uma esfera de poder e domínio de determinado grupo social sobre dada espacialidade, isto é territorialidade. E é a partir desta territorialidade que se configura (legitima) o território. Diante disto, o capítulo primeiro responde em parte o problema de pesquisa, mostrando que é na categoria geográfica, lugar, que se manifesta o simbólico/sagrado/mágico, construindo territorialidades. Entretanto, esta elaboração simbólica está centrada na presença de mitos, heróis e deuses na cultura dos povos da antiguidade e, portanto, precisa ser demonstrado se esta elaboração simbólica/mítica ainda perdura em tempos modernos e pós-modernos, marcado pelo avanço da racionalização científica, bem como, a dessacralização e desencantamento do mundo.  O capítulo primeiro, neste sentido, não responde a essa última questão[139].
Enquanto está questão permanece em suspense, no capitulo dois é estabelecido a fundamentação teórica (conceitual) de territorialidade a partir do lugar sagrado, onde a territorialidade é a instância de poder, que se materializa na estruturação do território, deixando claro que ela é fruto de uma ideia legitimadora construída simbolicamente no lugar sagrado. Neste capítulo, fica demonstrado que o conceito mítico de lugar sagrado é fundacional para a noção de territorialidade, fato observado com clareza nas sociedades arcaicas, especialmente na configuração das cidades. Desta forma, a maneira mais segura de interpretarmos a distribuição e ocupação do espaço na antiguidade e a “partir da experiência religiosa”[140], ou seja, através das manifestações do sagrado.
Avançando para o fim da nossa pesquisa, o capítulo três se propôs em mostrar a atualidade da leitura simbólica do espaço, demonstrando que ela é atemporal e que os deuses, mitos e heróis subsistem na secularizada pós-modernidade. A categoria lugar continua sendo indicada como espaço onde são construídas as territorialidades, não obstante sua dinamicidade, em face da globalização, dos modernos meios de comunicação e da velocidade dos meios de transporte. Os lugares permanecem sendo o espaço da manifestação do sagrado/mítico/mágico/religioso, demonstrando que o lugar é caracterizado, sobretudo pela qualidade das relações (afetos, lembranças, memórias) e não, somente, pela sua localização geográfica. Desta forma, este capítulo conclui a segunda questão do problema de pesquisa, que é a atualidade do processo simbólico produzido nos lugares sagrados e a decorrente geração de territorialidade.
Sendo assim, ficou demonstrado que os mecanismos simbólicos subsistem no lugar sagrado, ainda que travestidos e ressignificados, porque o homem sempre está buscando significar o espaço de suas vivências, bem como, fornecer sentido para sua vida. Neste sentido, percebemos na nossa pós-modernidade vários fenômenos sociais (as Raves, as Gangues de jovens, por exemplo) associados a esta busca de identidade do homem contemporâneo, especialmente em face da proposta de globalização da cultura. Sabemos que os processos identitários são construídos a partir de um simbólico comum ao grupo (língua, origem social, memórias, mitos, heróis) e, atualmente, são a força motriz da territorialidade. A fragmentação e a descontinuidade da pós-modernidade alavanca o sentimento identitário, ou seja, o indivíduo sente a necessidade de se achar, se localizar, se descobrir. Neste sentido ele precisa dos velhos símbolos, das tradições, das memórias coletivas, do sentimento de pertencimento, do sagrado, do transcendente. Os mitos, somente, trocam de roupa, porque a busca do humano é a mesma: o desejo de transpor a dura realidade de sua finitude. 
Entendemos, também, que ficou explícito ao longo da pesquisa como os mecanismos simbólicos, presentes no lugar, constroem as territorialidades (sendo este o principal objetivo do trabalho). O debate acerca dos lugares sagrados evidenciou o tempo todo que os processos simbólicos são inerentes ao ser, pois não é da natureza do homem se estruturar e se conduzir “num universo puramente físico, mas num universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte, a religião são partes deste universo. São os vários fios que tecem a rede simbólica, a teia emaranhada da experiência humana”[141].
Por fim, sem querermos ser pretensiosos, acreditamos que a proposta da nossa pesquisa acerca do processo simbólico/sagrado na construção da territorialidade, goza de razoável credibilidade. Pensamos que esta abordagem é original e apropriada, uma vez que a territorialidade não é uma decorrência do território, mas a causa do território. Assim, são os processos simbólicos que são os responsáveis por toda territorialidade, que desembocará na estruturação do território. Se isto é verdade como estamos pontuando, acreditamos que a distribuição espacial de uma sociedade precisa ser interpretada, primariamente, a partir dos aspectos culturais e, somente num segundo momento, pelos determinismos geográficos, políticos e econômicos. Novas pesquisas, mais aprofundadas, merecem ser feitas neste sentido e, quem sabe, encontraremos respostas interessantes para as questões ligadas à violência urbana, à intolerância religiosa e à segregação econômica de nosso País.


REFERÊNCIAS
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[1]SACK, 1983, p. 56 apud HOLZER, Werther.Uma discussão fenomenológica sobre os conceitos de paisagem e lugar, Território e meio Ambiente, p. 82. Revista Território, ano II, Nº 3, p.77-85, 1997. p. 82.
[2] ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 20.
[3]OTTO, Rudolf. O Sagrado. São Leopoldo: Sinodal/EST; Petrópolis; Vozes, 2007. p. 20.
[4] HOLZER, 1997, p. 84.
[5] Referente à Mircea Eliade.
[6] ROSENDAHL, Zeny. Território e Territorialidades: uma perspectiva geográfica para o estudo da religião. Anais do X encontro de geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005. Universidade de São Paulo. p. 12933.
[7] Autora de diversas obras que enfocam a geografia e a religião como: Hierópolis – O sagrado e o urbano; Espaço e religião: uma abordagem geográfica; Religião, identidade e Território. Também é pesquisadora do CNPQ, Coordenadora do NEPEC do departamento de Geografia da UERJ.
[8] Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local da Universidade Católica Dom Bosco. Atua nas áreas de História, patrimônio Cultural e o Sagrado.
[9]Mircea Eliade foi um professor, historiador das religiões, mitólogo, filósofo e romancista romeno. Nascido em 1907 e falecido 1976, foi autor de obras importantes na área de Ciências da Religião, como o Sagrado e o Profano: a essência das religiões.
[10] Rudolf Otto foi um eminente teólogo protestante alemão e erudito em relações comparadas. Autor do livro “o sagrado”, publicado em 1917.
[11] CASTILHO, Maria Augusta. Cristianismo e territorialidade. Os espaços sagrados no cotidiano dos fiéis católicos. Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 39-58, 2010. p. 45.
[12]Um dos principais especialistas e teóricos da geografia cultural. Ele também fundou em 1992 a revista Geografia e culturas. Autor de várias obras na área de geografia cultural.
[13] Rogério Haesbaert da Costa é um geógrafo brasileiro contemporâneo. Professor da Universidade Federal Fluminense desde 1986, é um dos nomes mais conhecidos da área da Geografia Humana no Brasil.
[14] Yi- Fu Tuan é um geógrafo americano de origem chinesa. Professor nas universidades do Novo México, Toronto, Minnesota e Wisconsin. Ele se especializou em geomorfologia, mas abandonou esse assunto para dedicar-se à história da geografia e, mais tarde, ao estudo da experiência dos homens em seu ambiente. Destaca as obras Topofilia (1974) e Espaço e lugar (1977).
[15] SIANI, Sérgio Ricardo et al. Revista de administração da UNIMEP, São Paulo v. 14, n. 1, p. 193 – 219, 2016.
[16]TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar: A perspectiva da experiência. Tradução de Lívia de Oliveira. São Paulo: Difel, 1983. p. 96.
[17] ROSENDAHL, Zeny. Construindo a geografia da religião no Brasil. Revista Espaço e Cultura, Rio de Janeiro, n. 15, p. 01-13, 2003. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index. php/espacoecultura/index>. Acesso em: 16 de jun. 2017.
[18] TUAN, 1983, p. 99.
[19] DARDEL, Eric. O homem e a terra: natureza da realidade geográfica. São Paulo:Perspectiva, 2011. p. 58.
[20] TUAN, 1983, p. 112.
[21] ELIADE, Mircea. O mito do eterno retorno. São Paulo: Mercúrio, 1992. p. 21.
[22] HOWARD, Eliot foi um ornitólogo inglês.
[23]BONNEMAISON, Joel. Viagem em torno do território. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDHAL, Z. (Orgs.). Geografia cultural: um século (3). Rio de Janeiro: EdUERJ, 2002, p.83-131. p. 97.
[24] ELLIOT, Howard, apud BONNEMAISON, 2002, p. 99.
[25] HAESBAERT, Rogério. Território e multiterritorialidade: um debate. Revista GEOgraphia, Rio de Janeiro, Ano IX, n. 17, p. 19-45, 2007.
[26] BONNEMAISON, 2002, p. 99
[27] HAESBAERT, 2007, p. 25.
[28] BONNEMAISON, 2002, p. 97.
[29] ROCHA, José Carlos. Diálogo entre as categorias da geografia: espaço, território e paisagem. Caminhos de Geografia, Uberlândia, v. 9, n. 26, p. 128 – 142, 2008.
[30] BONNEMAISON, 2002, p. 112.
[31] A origem do povo hebreu é contada a partir do Livro de Gênesis, capítulo 12, na Bíblia Hebraica.
[32] A Catalunha é composta por quatro províncias: Barcelona, ​​Girona, Lérida e Tarragona. A capital e a maior cidade é Barcelona, ​​o segundo município mais povoado de Espanha e o núcleo da sétima área urbana mais populosa da União Europeia.
[33]BALFOUR, Sebastian & QUIROGA, Alejandro. España Reinventada: Nación e Identidad desde la Transición. Barcelona, Península, 2007.
[34]Recentemente, a comunidade autônoma da Catalunha, que hoje faz parte da Espanha, promoveu o maior referendo já realizado na região para consultar a população catalã sobre sua independência ou permanência em relação à Espanha. De acordo com o governo catalão, o resultado do pleito foi de 90% dos votos a favor da separação e 7,8% dos votos contrários - o restante votou nulo ou branco (https://www.vix.com/pt/mundo/550725/um-novo-pais-o-que-acontecera-se-catalunha-se-separar-mesmo-da-espanha).
[35] HAESBAERT, 2007, p. 20.
[36] HAESBAERT, 2007, p. 27.
[37] RELPH, Edward, 2012, apud RODRIGUES, Kelly. O conceito de lugar: a aproximação da geografia com o indivíduo. IX Encontro Nacional da ANPEGE, 2015, p. 5039.
[38] BONNEMAISON, 2002, p. 108.
[39] ROCHA, 2008, p. 135.
[40] TUAN, Yi-fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Rio de Janeiro: Difel, 1980, p. 117.
[41] TUAN, 1980, p. 115.
[42] HOLZER, Werther. O lugar na geografia humanista. Revista Território, Rio de Janeiro, ano IV, p. 67 – 78, 1999.
[43] HOLZER, 1999, p. 67.
[44] HOLZER, 1999, p. 70.
[45] HOLZER, 1999, p. 70.
[46] RELPH, Edward. Place and placelessness. London: Pion, 1976.
[47] TUAN, 1975, apud HOLZER, 1999, p. 71.
[48] TUAN, Yi-fu, 1980, p. 117.
[49]  Teofania significa manifestação de Deus (do substantivo theós e do verbo faneroo).
[50] ELIADE, 2010, p. 30.
[51] ELIADE, Mircea, 2013, p. 26.
[52] CLAVAL, Paul. A volta do cultural na geografia. Mercator, ano 01, número 001, p. 19 – 27, 2002.
[53] ELIADE, Mircea, 2010, p. 18.
[54]Ganzandere” é uma expressão inspirada pelas ideias do teólogo protestante Rudolf Otto (1869-1937) e que aparece na introdução do clássico “O Sagrado e o profano: a essência das religiões” de autoria de Mircea Eliade (professor Paulo Mazem).
[55] CASTILHO, 2010, p. 45.
[56]  CASTILHO, 2010, p. 45.
[57] BORDIEU, Pierre, 1989, apud CASTILHO, 2010, p. 45.
[58]  ELIADE, Mircea, 2010, p. 166.
[59] CLAVAL, Paul. Epistemologia da Geografia. 2 ed. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2014, p. 234.
[60] CLAVAL, 2014, 234.
[61]  CLAVAL, 2002, p. 26.
[62] CLAVAL, 2014, 233.
[63] ELIADE, 2010, p. 164.
[64] CLAVAL, 2014, p. 233.
[65] Neste capítulo quando falamos de espaço sagrado estamos falando de lugar sagrado e vice-versa. Eles são usados intercambiavelmente tendo em vista que o espaço sagrado se refere sempre há um espaço específico, reduzido e separado do todo (que é exatamente, o lugar). Ademais, busca se, minimamente, certa elegância literária evitando o repetismo do termo lugar.
[66] ELIADE, 1992, p. 23.
[67]A experiência da construção de Brasília na região central (centro-oeste) do Brasil é bastante significativa, neste sentido.
[68] Por sociedades arcaicas, aqui consideramos o mundo antigo,desde os Sumérios na Mesopotâmia (4.000 A.C), até o fim da idade média, no século XV.
[69] ELIADE, 1992, p. 23.
[70] ELIADE, 2010, p. 26.
[71] ROSENDAHL, Zeny. Espaço e religião: uma abordagem geográfica. Rio de Janeiro: UERJ, NEPEC, 1996, p. 28.
[72]ROSENDAHL, 1996, p. 37.
[73] O zigurate era uma forma de templo babilônico, construído na forma de degraus, podendo atingir grandes alturas.
[74] ROSENDAHL, 1996, p. 39.
[75] MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. Porto Alegre: Sulina, 2015. p. 72.
[76]ELIADE, 2010, p. 31.
[77] ELIADE, 2010, p. 39.
[78] ELIADE, 2010, p. 166.
[79] COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2009. p. 163.
[80] COULANGES, 2009,p. 171.
[81]HUSSERL, Edmund. A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia Transcendental: uma introdução à filosofia fenomenológica. Rio de Janeiro: Forense, 2012.  p. 107.
[82] ELIADE, 2010, p. 26.
[83] “Três vezes no ano, todo varão entre ti aparecerá perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que escolher, na Festa dos Pães Asmos, e na Festa das Semanas, e na Festa dos Tabernáculos; porém não aparecerá de mãos vazias perante o SENHOR” -  (Deuterônomio 16. 16, Bíblia Sagrada).
[84] Lei de Moisés, que norteia a vida religiosa e civil dos hebreus. O Judaísmo é baseado neste tratado.
[85] COULANGES, 2009, p. 152.
[86] COULANGES, 2009, p. 175.
[87] COULANGES, 2009, p. 167.
[88] ROSENDAHL, 1996, p. 18.
[89] BONNEMAISON, 2002, p. 97.
[90] ELIADE, 1992, p. 22.
[91]  ELIADE, 1992, p. 25.
[92] BORDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989, p. 115.
[93] DURKHEIM,Émile. As formas elementares da vida religiosa. 2. Ed. São Paulo: Paulus, 2008, p. 504, 505.
[94] BONNEMAISON, 2002, p. 112.
[95] BONNEMAISON, 2002, p. 117.
[96] BONNEMAISON, 2002, p. 126.
[97]SANTOS, Milton. Território e Dinheiro. In: Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFF. Território, Territórios. Niterói: PPGEO-UFF/AGB-Niterói, RJ, p.17 – 38, 2002.
[98] CLAVAL, Paul. O território na transição da pós-modernidade. Revista GEOgraphia, Rio de Janeiro, Ano 1, Nº 2, p. 7 – 26,1999.
[99] MORIN, EDGAR. O Método 1: a natureza da natureza. 2 ed. Lisboa/Portugal: Publicações Europa-América, 1977. p. 86.
[100]É possível que a geração de nossos bisnetos considere uma ingenuidade, também,o fato de vivermos assustados com as muitas doenças, que assediam nossa geração, através dos microorganismos que estão espalhados na terra, no ar e, até, nos nossos corpos. Então, apesar de alguém, um dia, nos considerar ingênuos, isto não muda o fato de que estes microscópicos seres são forças reais que atacam o homem (no dizer de Dardel) pós-moderno. Por isto, penso que vale a pena levar a sério o mito/o desconhecido/o mistério.
[101] DARDEL, 2011, p. 48.
[102] SAUER, 1983, Apud HOLZER, 1999, p. 68.
[103] DARDEL, 2011, p. 14.
[104] HOLZER, 1999, p. 70.
[105] Filósofos, como Husserl, usam a expressão mundo das vivências, com o sentido de lugar das experiências, do vivido, do experimentado.
[106] TUAN, 1979, apud HOLZER, 1999, p. 70.
[107] ELIADE, 2010, p. 30.
[108] HOLZER, 1999, p. 70.
[109]PASCAL, apud MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 9.
[110] OLIVEIRA, Cleide Maria de. Vestígios do sagrado na pós-modernidade. NUMEN, Revista de estudos e pesquisa da religião, Juiz de Fora, v. II, n. 1 e 2, p. O9-31, 2005. p. 18.
[111] Adotamos a palavra micro-lugar e não microlugar porque não há consenso ortográfico. Usamos o termo para definir espacialidades físicas flutuantes, ou seja, não estáticas. Este micro-lugar pode ser o lar, a igreja, o trabalho etc.
[112] GAUTHIER, 2004, Apud OLIVEIRA, 2005, p. 20.
[113] ELIADE, Mircea. Mito e a realidade. São Paulo: Perspectiva, 1972. p. 164, 165.
[114] ELIADE, 2010, p. 170.
[115] MARTIN, 1994, Apud CLAVAL, Paul. O território na transição da pós-modernidade. Revista GEOgraphia, Rio de Janeiro, Ano 1, Nº 2, p. 7 – 26,1999.
[116] O lugar é a categoria privilegiada em nossa pesquisa, onde os símbolos, os mitos e os heróis são forjados.
[117]TUAN, 1980, p. 198.
[118] CLAVAL, 1999, p. 20.
[119] OLIVEIRA, 2005, p. 18.
[120] CLAVAL, 1999, apud DEUS, José Antônio. Linhas interpretativas e debates atuais no âmbito da Geografia Cultural, universal e brasileira. Caderno de Geografia, Belo Horizonte, v. 15, n. 25, p. 45-59, 2005. p. 46.
[121] CLAVAL, Paul, 1999, p. 22.
[122] CASTEL, 1998, apud DEUS, 2005, p. 53.
[123]SACK, 1983, p. 56 apud HOLZER, Werther, 1997, p. 82.
[124] CLAVAL, 1999, p. 18.
[125]DIÓGENES, Glória Maria dos Santos. Cartografias da cultura e da violência: Gangues, galeras e o movimento hip hop. Uma tese de doutorado apresentado ao departamento de pós-graduação da UFCE, Fortaleza, 1998. p. 207.
[126] CLAVAL, 1999, p. 18.
[127]A dissertação “Cartografias da cultura e da violência: Gangues, galeras e o movimento hip hop” é uma pesquisa interessantíssima para se entender a lógica das territorialidades das gangues urbanas. O eixo da pesquisa buscou identificar o imaginário das gangues acerca da violência e suas construções culturais e dentre estas, a ideia de territorialidade.
[128] DIÓGENES, 1998, p. 200.
[129]IMPLACÁVEL, Dom. A intolerância Religiosa nas favelas do Rio de Janeiro. Disponível em:  . Acesso em: 18 de jul. 2016.
[130] IMPLACÁVEL, 2016.
[131] CLAVAL, 1999, p. 19.
[132] HAESBAERT, Rogério. Da desterritorialização à multiterritorialidade. Boletim Gaúcho de Geografia, v. 19, n. 1, p. 11 – 24, 2003. p. 20.
[133]  CASSIRER, Ernst. Antropologia filosófica: Ensaio sobre o homem. São Paulo: Mestre Jou, 1977. p. 50.
[134]HAESBAERT, Rogério; LIMONAD, Ester. Território em tempos de globalização. etc..., espaço, tempo e crítica. N° 2(4), VOL. 1, P. 39 – 52, 2007. p. 50.
[135]BERTOL, Lurdes Rocha; ALMEIDA, Maria Geralda. Cultura, mundo-vivido e território. IN; Simpósio Nacional sobre Geografia, Percepção e Cognição do Meio Ambiente, Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2005, p. 01 – 13. p. 10.
[136] HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 67.
[137]  HALL, 2006, p. 85.
[138]HAESBAERT, Rogério; LIMONAD, Ester, 2007, p. 48.
[139] O capítulo três cuida de resolver esta questão.
[140] ROSENDAHL, 1996, p. 18.
[141]CASSIRER, 1977. p. 50.






UMA PALAVRA SOBRE A IDEIA DE REGIONALIZAÇÃO BRASILEIRA.
Não é possível pensar no todo, chamado Brasil, sem conhecer as particularidades regionais. Especialmente porque falar de “organização regional do espaço brasileiro e algo muito complexo, pois se trata da regionalização de um país de grandes dimensões que tem passado por um complexo e desigual processo de diferenciação que envolve o espaço e o tempo.” [1] Desta forma, não é possível compreender as diferenças regionais sem buscar requisitos na história da ocupação das terras, nos ciclos econômicos, nas relações de trabalho, nas populações que se estabeleceram nestas regiões. Considerando que “a busca de um gabarito para se dividir o espaço nacional em recortes regionais depende muito dos critérios do planejamento em determinado momento, e de fatores físicos, históricos, entre outros.[2] Por tudo isto, regionalizar é sempre um risco, apesar de reconhecer que a regionalização cria critérios de padronização e compreensão de determinadas realidades econômicas, além de possibilitar uma explicação micro (regional) de determinada espacialidade, a fim de se ter compreensão de uma realidade macro (o território nacional).
Minha reflexão particular nasce do fato de considerar improdutiva uma abordagem divisória de regiões, quando uma proposta de composição de regiões seria mais salutar. Por que não pensar em pontos de convergência, estreitamento, colaboração nos limites das regiões? Uma renúncia á cultura competitiva entre norte/nordeste e sul/sudeste. O Brasil é um só, não existem vários. Existem realidades econômicas e sociais diversas, mas isto não nos faz diferentes e muito menos indiferentes. Pensar o Brasil como um todo, não remonta, necessariamente, às experiências de um colonialismo que buscava a integração nacional por motivos exploratórios, meramente. Somos uma nação em construção, e neste sentido, pensar em divisão de regiões, acentua a ideia da distância, do isolamento e da indiferença. Se admitirmos que somos um país dividido em três (Amazônia, Centro-Sul, Nordeste), quatro (Norte, Sul, Centro –Oeste e Sul/Sudeste) ou dois (Norte-Sul); isto não explica, nem ajuda nada. Somos uma nação em busca de identidade, apoio, integração, respeito. Desta forma, só vale a pena regionalizar se pensamos em valorizar diversidades, fortalecer raízes, criarmos caminhos de parceria e socorro. Por isto, uma divisão geográfica só se concebe em termos didáticos, para depois propor a composição e a construção de um país mais justo e amigo.

José Roberto Limas da Silva
Administrador de Empresas, Teólogo, mestre em Ciências da Religião, graduando em Geografia pela UFMG.






[1] CORRÊA, R. L. A organização regional do espaço brasileiro In: Trajetórias Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 197-210.
[2] MATOS, R. E. O Brasil dividido e rede urbana fracionada. Cadernos do Leste: Belo Horizonte, v. 1, n 5, p. 1-51, 2003.


Brasão de Bocaiuva
IMPACTO DA AGRICULTURA MODERNIZADA NO MUNICÍPIO DE BOCAIUVA –MG

*José Roberto Limas da Silva (graduando em Geografia pela UFMG).

O nosso município está localizado no norte de Minas, em direção ao Vale do Jequitinhonha. Encontra-se a 686 metros de altitude e tem as seguintes coordenadas geográficas: Latitude 17˚ 6’ 55” Sul e Longitude 43˚ 49’ 16” Oeste. A vegetação predominante é de cerrado, com terras mais ácidas e regime de chuva de baixa pluviosidade e concentração das chuvas no período de novembro a fevereiro. O município de Bocaiuva tem pouca tradição na agricultura, senão naquela de subsistência, prevalecendo a pecuária de corte.

Entretanto existe uma faixa de terra, de boa fertilidade, que fica às margens do rio Jequitai, que corre margeando a serra do Cabral, até desembocar no Rio São Francisco, no município de Pirapora. Sendo assim, esta pequena planície deste rio, na área do município de Bocaiuva, foi utilizada no cultivo de cana de açúcar com algum sucesso. Mas a usina foi desativada há mais de 15 anos, estando esta área sem cultivo definido.

Muito bem! Mas o nosso tema é agricultura modernizada, ou tecnificada e seu impacto em nosso município. Não havendo em nosso município lastros desta moderna agricultura no que concerne ao cultivo de espécies agrícolas tradicionais (como o trigo, a soja, o milho, arroz etc), outrossim, temos, recentemente, na silvicultura (cultivo de espécies florestais) um fator marcante na economia de nosso município.

A implantação de florestas de eucalipto em nossa região se tornou a legítima sucessora das práticas agro-pastoris de subsistência de nosso meio rural. Ainda, que não consideremos a silvicultura como prática, eminentemente, agrícola, seu perfil espacial e social preencheu esta condição, sobretudo no abarcamento da mão – de – obra do meio rural e como alternativa comercial para terras de pouco valor para a agricultura.
Somente, a título de informação, temos atualmente no norte e vale do Jequitinhonha uma área de 4.074 km2 de eucalipto plantado. Já ocupou área maior na década de oitenta, atingindo mais de 6.000 km2. Um fator digno de nota é que no período inaugural do cultivo do eucalipto, somente, em nosso município e entorno, absorveu uma mão – de – obra superior a 2000 pessoas. O autor deste artigo, inclusive trabalhou numa destas empresas na década de oitenta em áreas de plantio, irrigação e corte do eucalipto, e pode testemunhar que a mão – de – obra, majoritariamente, absorvida era braçal.

Bom! Depois destas breves considerações, chamo a atenção para o fato de que estas florestadoras e reflorestadoras estão, atualmente, na vanguarda da agricultura mecanizada e tecnificada, possuindo o que há de mais moderno no preparo do solo, no controle de pragas/ervas daninhas e na colheita (corte) do eucalipto. Na minha região a silvicultura predominante é a da monocultura do eucalipto, com algumas minúsculas “manchas” de pinus, sendo que “a produção dessas regiões visa abastecer, principalmente, as siderúgicas da Região Central do estado” (fonte:http://www.portalseer.ufba.br/index.php/geotextos/article/viewFile /5931/4645).

Recentemente, estas empresas de reflorestamento (Plantar, V&M Florestal, Florestaminas, Acesita, Refloralje etc) implementaram a mecanização na produção do eucalipto. Sendo que o plantio, a capina, o combate às pragas, o corte e o transporte estão quase que totalmente mecanizado. Uma das etapas que mais consumia mão – de – obra era o corte e beneficiamento do eucalipto. Para se ter uma idéia do enxugamento do trabalho manual, existe, hoje, uma máquina que derruba, desfolha, descasca, pica, empraça e carrega os caminhões. Isto era trabalho para centenas de homens. Esta situação é tão grave que, nas fazendas de eucalipto, da minha região, que empregavam em torno de 2.000 (duas mil) pessoas, hoje possui um contingente de mais ou menos 200 (duzentas) pessoas trabalhando.

Uma questão que deve ser observada é que estas empresas (do ramo da silvicultura) operam no mercado de forma semelhante às grandes empresas do agro-negócio, que produzem para atender, precipuamente, às demandas da indústria e do mercado. Os  produtos do agro – negócio brasileiro, exportados na forma de comodities (produtos básicos in natura), que são mercadorias essenciais para o consumo humano, como cereais, frutas, carnes etc guardam grande semelhança com a exploração da monocultura do eucalipto norte mineiro. Este último visa abastecer a indústria siderúrgica mineira que tem como carro – chefe a exportação do ferro e do aço para o mercado estrangeiro (Estados Unidos, China, Oriente Médio).
A crítica conhecida à Revolução Verde, como a perpetrada por MOREIRA (críticas ambientalistas à revolução verde) se desenvolve em três frentes:
a)    Crítica técnica: Diz respeito ao manuseio nada escrupuloso do solo, sobretudo com uso de forças agressoras ao processo natural e gradual de formação dos solos. Isto sem falar pela ação poluente e destruidora de micro-organismos do solo, através do uso de diversos agro-tóxicos (herbicidas, adubos químicos, inseticidas etc);
b)    Crítica Social: Está relacionada com a priorização  de um segmento social, que passa ter prioridade no acesso ao crédito, que é o caso das grandes empresas e corporações, algumas de origem estrangeira, em prejuízo do pequeno agricultor ou do assentado. Não somente isto, o modelo de agricultura voltado para a indústria e o mercado não contempla mercados locais, realidades sociais de populações minoritárias que estão ou estavam em estreita relação histórica, cultural e econômica com aquele ambiente. Um dos fatores mais nocivos é a elevada concentração de terras no cultivo de uma mono-cultura, por exemplo;
c)    Crítica Econômica: O modelo do agro-negócio, especialmente, reflete bem esta forma concentradora de renda na mão dos grandes empreendedores. As perdas são imensas, pois, este negócio depende de pouca mão – de – obra humana, diminui o acesso às terras agricultáveis, gera evasão de rendas com a aquisição de insumos caríssimos importados do exterior.
Por fim, analisando, a realidade do meu município, endosso e estendo às críticas à agricultura modernizada/tecnificada, sobretudo, tendo em vista o advento da Revolução Verde, e mormente, considerando o agro-negócio brasileiro. Por que faço isto? Observando a vida do nosso povo sertanejo e a paisagem rural, ao meu redor, percebo prejuízos irremissíveis, e para mim, impossíveis de serem compensados. Passo a alistá-los e eles expressam a minha conclusiva opinião sobre o tema proposto:
A)   A silvicultura retirou o pequeno agricultor de seu cultivo de subsistência e depois o lançou na rua da amargura do desemprego;
B)   A silvicultura, perpetrada pelas florestadoras, comprou a preço de banana as terras dos pequenos agricultores e empregou seus filhos á preço de nada;
C)   O eucalipto roubou a diversidade do cerrado e arrasou o seu solo, sugando a sua limitada fertilidade. Quem anda por estas bandas do norte, em um talhão que já foi plantado eucalipto,sabe que ali só nasce angiquinho (planta herbácea espinhenta, sem utilidade);
D)   O eucalipto bebeu as águas das nascentes, invadiu as margens dos rios e secou os brejos;
E)   O eucalipto consumiu á água e a matéria orgânica do cerrado e espantou as milhares de espécies animais que se abrigavam e alimentavam de sua variada flora, especialmente, as que frutificavam como o pequi, o murici, a caigaita, o araçá, o ananás etc;
F)   O pequeno agricultor, agora, sem terra e sem trabalho vai perambular pelos butecos da cidade, a espera de outra reflorestadora se instalar no que sobrou do cerrado.

Até aqui, minhas impressões!

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