ANTROPOLOGIA E HAMARTIOLOGIA

I – INTRODUÇÃO Á ANTROPOLOGIA


“Que é o homem mortal para que te lembres dele? E o filho do homem para que o visites? Contudo, pouco menor o fizeste do que os anjos e de glória e honra o coroaste - Salmo 8. 4, 5.”



O texto diz que o homem não é um ser angelical, e sim um ser mortal, mas que possui uma posição de honra e liderança entre as coisas criadas. Este é o grande conflito que atinge o ser humano, uma vez que ele foi criado para ocupar uma posição de honra, entretanto, precisa conviver com sua imperfeição e finitude.

A contradição se estabelece à medida que este possui uma alma imortal que precisa habitar num corpo perecível e mortal. Neste sentido, nenhum ser do universo vive o desafio da raça dos humanos, que ao mesmo tempo sofre as aflições de ter uma natureza pecaminosa, mas que deseja, ansiosamente, a eternidade (Ec. 3. 11).

A necessidade de se compreender e, por extensão, compreender o outro e a vida humana na terra vai permear a alma do ser humano de todas as épocas. Nesta busca é que vamos encontrar, na teologia, respostas satisfatórias, uma vez que, conforme conhecemos Deus, vamos conhecendo a nós mesmos. Logo o postulado de Sócrates, “conhece – te a ti mesmo”, pouco nos ajudará se, antes, não conhecermos o Criador.

Diante desta perspectiva é que temos como ponto de partida a pessoa do Criador, do projetista, do construtor do universo (Jo. 1. 3). Portanto, nossa abordagem sobre o homem (Antropologia) só ganhará legitimidade se partirmos destes pressupostos.

Por isto toda investigação do homem a partir do próprio homem será sempre preconceituosa, parcial e imperfeita. O escopo do nosso curso terá sua gênesis no conhecimento acerca do homem que já está revelado nas Escrituras Sagradas. Nossas observações buscarão enfatizar o homem enquanto ser natural, moral e espiritual. Não limitaremos nossa compreensão do ser humano a aspectos puramente físicos e racionais, pois o mesmo possui uma complexidade maior.



1. 1 - O Homem e seus conflitos

Antes de entrarmos em definições mais técnicas do ser humano, vamos procurar analisá-lo no seu estado bruto, sem retoques. Para nos trazer, certo arejamento, vamos ler e analisar a poesia abaixo. Depois vamos enumerar alguns aspectos que são traços característicos do ser humano.



Confissões de um humano (Poema)

O meu sonho dourado,

e a minha doce sensação velada,

ignora o vizinho do lado,

e faz do meu próximo, mercadoria desalmada.



Sou mais um sonhador,

a imaginar que paguei o meu preço,

encosto a minha cabeça no travesseiro

e do meu pecado esqueço.



Quem sabe morrendo pouco a pouco,

sem vida decente, sem morte aparente,

carregando nos traços do rosto

as lágrimas que não puderam rolar,

e a história que não quis revelar.



Velando o meu corpo com desdém,

porque a dor de alguém,

que para mim, não merece existir,

é incapaz de minha alma afligir.



Vivendo num mundo louco,

onde a morte é ignorada

e a vida é desprezada.

esquecendo de se ver no outro,

onde ser tudo é tão pouco.



Pobre humano que somos,

só a graça nos faz viver e sorrir

nesta louca aventura do existir.

Celebremos nossa humanidade contraditória,

porque esta terra não vai imprimir

o último capítulo da nossa história.





2- CRIAÇÃO DO HOMEM: POR QUE ELE FOI CRIADO?

“Nada sei da origem do homem, exceto o que me diz a Escritura – que Deus o criou. Nada sei, além, disso, e não conheço ninguém que o saiba (Sir William Dawson)”.

As modernas indagações sobre a origem do homem, quando, onde e como ele foi criado remontam às antigas cosmogonias gregas (gênesis do universo). Não é possível pensar sobre o homem sem indagar sobre a sua origem, uma vez que sua existência real aponta para um ser diferenciado de toda a criação. Concepções modernas e antigas como as dos gregos continuam alimentando o debate sobre a origem do homem.

As cosmogonias gregas apontam para uma origem do universo, e por extensão do homem, a partir do caos. Não há a presença de um ser criador ou de qualquer vida neste ambiente de desordem. A partir da existência deste mundo caótico é que surgem os seres. Esta perspectiva é apresentada por Hesíodo, citado na obra de CHAMPLIN (2001):

Hesiodo (...) propôs uma certa cosmogonia. Segundo ele, no começo o mundo não tinha forma e achava-se em estado caótico. Desse caos surgiu o primeiro espírito do amor, a saber, Eros. Do caos também teria saído a terra, de peito largo, chamado Gaea. Em seguida apareceram Érebos, as trevas, e Nix, a noite. A união destes dois últimos produziu o céu claro, o Éter e também Hemera, o dia. Por sua vez, a terra produziu o firmamento, Urano, e o mar, Ponto. Eros foi quem uniu os casais,primeiramente Urano e Gaea, que povoaram a terra com os titãs, os gigantes e os ciclopes. Desses é que vieram os deuses do Olimpo, os heróis, e finalmente, a raça humana.

Diversos povos ofereceram diferentes cosmogonias, mas sempre, dentro da perspectiva do mito e da conjecturação. Os Egípcios acreditavam que o universo é uma divindade e que está num processo de desenvolvimento, crença esta muito parecida com o panteísmo indiano. Os Babilônios acreditavam que a origem da terra era o resultado de um conflito cósmico entre o deus da tempestade e um certo dragão.

As cosmogonias (teorias acerca da origem do universo) sempre estavam ligadas a seres mitológicos, ambientes imprecisos e crenças pagãs. Nenhuma cosmogonia, hoje, recebe qualquer crédito na comunidade científica, entretanto, no momento em que foram formuladas, eram senso comum.

A única cosmogonia antiga que é razoável, não obstante sua data remota e ausência de mecanismos científicos de investigação, é a cosmogonia hebréia, que por motivos óbvios não vamos detalhar, pois está claramente registrada no livro de Gênesis, nos capítulos 1 e 2.



2.1 Teorias da Criação do universo e do homem

“Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem (Hb. 11. 3).”



Não obstante as diversas teorias acerca da origem da terra e do homem, podemos resumi-las em duas propostas: Naturalista e Criacionista. A teoria criacionista exige a presença prévia de um criador, que é aquele que é o agente criador de todas as coisas, já a teoria naturalista (representada pela evolução) atribui a criação a mecanismos impessoais e incidentais, sendo o universo obra de processos espontâneos e não deliberados. Resumidamente, no criacionismo tudo é proposital e planejado, enquanto, no naturalismo, tudo é casual e espontâneo.



A - Teoria Criacionista:

Quando falamos de teoria, não se trata, portanto, de falta de convicção acerca da forma como Deus criou. Na verdade, temos a certeza de que o universo que vemos veio das coisas que não se vêem, conforme o texto em epígrafe. Nossa abordagem, neste sentido é mais técnica, no sentido de fornecer os elementos para o debate sobre a teoria criacionista e a naturalista (evolucionista).

O Cientista Adauto Lourenço, na sua obra “Como Tudo Começou (2009) apresenta, resumidamente, as proposições criacionistas na seguinte formulação:

1- Todas as coisas criadas constituem o produto de um ato único e soberano por parte de um Criador onisciente, onipotente e pessoal, o qual não depende de sua criação para sua existência, nem é parte dela.

2- O universo foi criado do nada (criação ex nihilo), recentemente, completo, complexo, funcional e com uma idade aparente.

3- Todas as formas de vida foram criadas no princípio completas, complexas, com uma diversidade básica, uma capacidade de adaptação limitada, e simultaneamente.

4- O planeta terra experimentou na sua existência uma catástrofe global recente (catastrofismo), através da qual pode – se explicar cientificamente os muitos aspectos geológicos, como a formação dos continentes, da dorsal oceânica, da estratigrafia, da rápida formação dos fósseis e o posicionamento destes nas camadas estratigráficas.

5- Existem provas substanciais na biosfera, acima da biosfera e abaixo da biosfera que comprovam as quatro primeiras proposições da teoria da Criação Especial.

Atualmente, a teoria criacionista mais conhecida é a do Design Inteligente (TDI), que não é uma teoria religiosa, mas surgiu como um contraponto à teoria evolucionista na década de 80. Muitos cientistas, matemáticos, biólogos, filósofos passam a desconfiar da teoria da evolução, considerando - a inadequada para explicar a complexidade imensa da natureza, e começam a pensar em outros moldes a origem do universo.

Sendo assim, eles concluíram que são necessárias causas para explicar as complexas estruturas biológicas. O que estes estudiosos estavam dizendo na verdade é que a complexidade da vida e a inteligência do ser humano não pode ser um acidente.

Daí é que se entende o nome da teoria, design inteligente, ou seja, o universo é um desenho, um projeto inteligente e planejado. Esta teoria, hoje, goza de grande prestígio na comunidade científica.



B- Teoria da Evolução (Naturalista)

A teoria da evolução dispensa a presença de um criador. É uma teoria naturalista que afirma que todo o processo de criação e desenvolvimento das espécies aconteceu automaticamente, regido por forças inerentes ao processo. Esta teoria advoga, também, que a origem de todas as espécies remonta a um micro-organismo primário que é o agente comum de todos os demais seres. Encontramos, mais uma vez, na pena de LOURENÇO (2009), uma definição mais técnica da Evolução:

(...) Teoria naturalista que considera a mudança das características hereditárias de uma população através de sucessivas gerações (determinadas pelo deslocamento nas freqüências de alelos dos genes). Estas mudanças, somadas a longos períodos de tempo, teriam sido responsáveis pelo aparecimento das novas espécies. Segundo esta teoria, todos os organismos vivos de hoje constituem o resultado cumulativo das alterações evolutivas através de bilhões de anos, estando relacionados por meio de uma ancestralidade comum.

Várias objeções são levantadas pelos estudiosos do assunto, sobretudo, por esta teoria basear - se em diversas suposições que não podem ser averiguadas cientificamente, bem como, com relação a esta ancestralidade comum. Não somente isto, podemos enumerar outras dificuldades desta teoria se firmar:

- Mesmo os cientistas evolucionistas entendem que a tendência das espécies é a estabilidade e não a mudança ou evolução. Muitas espécies se extinguem rapidamente, conservando suas características desde sua aparição, não demonstrando qualquer mudança no decurso da sua existência;

- Os fósseis não conseguem demonstrar ordem de evolução no surgimento e desenvolvimento das espécies;

- A geração espontânea antes esposada como corroboradora da teoria da evolução foi negada através dos experimentos de Pasteur;

- É sabido, cientificamente, que o universo está em desagregação e não em evolução;

- 52% das pessoas americanas que tem mestrado não acreditam que seja possível demonstrar a teoria da evolução;

- 35% dos doutores americanos não vêem qualquer possibilidade de provar a teoria da evolução- (Adaptação livre do autor).



C- Outras considerações

No meio das duas teorias estão alguns teólogos eminentes como Strong, que afirma na sua Teologia Sistemática que:

A evolução do homem não torna supérflua a idéia do criador, porque ela é apenas um método de Deus. É perfeitamente consistente com a doutrina escriturística da criação que o homem apareça a seu tempo, governado por leis diferentes das da criação do bruto, embora desenvolvendo – se a partir do bruto (...).

Na verdade, Strong está tentando conciliar a teoria da criação com a da evolução, entendendo ele, que a criação foi o primeiro ato, e que a partir daí a evolução se encarrega de aperfeiçoar os seres criados. Tal atitude como a de Strong e de outros teólogos do século XIX é bastante significativa nesta época, tendo em vista, o surgimento da teoria através da obra de Charles Darwin, a origem das espécies (1859). Percebe-se nesta época a temerária pretensão de abraçar a teoria da evolução e diluí-la na teologia bíblica da criação. Até hoje, resultados funestos são colhidos por esta combinação.

Por fim, informamos que a igreja cristã de maneira geral não adota esta postura, sendo que a maioria dos teólogos como Berkhof, Chafer e Waine Gruden são fervorosos defensores do criacionismo bíblico. Fechando esta seção anotamos um pensamento interessante de Chafer: “Alguns homens, evidentemente preferem a imagem de um macaco, mas há aqueles que preferem a imagem de Deus.”


2.2 - O Homem como imagem de Deus (Imago Dei)

“Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança (Gn. 1. 26).”

O texto é muito debatido acerca de uma possível diferença entre imagem e semelhança, entretanto, à medida que analisamos outros textos das escrituras, percebemos que o entendimento geral é que imagem e semelhança se associam com uma finalidade só, e um termo reforça o outro, senão vejamos:

• Gênesis 1:27 Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.

• Gênesis 5:3 Viveu Adão cento e trinta anos, e gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem, e lhe chamou Sete.

• 1 Coríntios 11:7 Porque, na verdade, o homem não deve cobrir a cabeça, por ser ele imagem e glória de Deus, mas a mulher é glória do homem.

• Tiago 3:9 Com ela bendizemos ao Senhor e Pai, e com ela amaldiçoamos aos homens que foram criados à imagem de Deus:



Portanto, não faremos esta distinção, antes partiremos para a análise do que nos interessa que é descobrir o que significa o fato do homem ser imagem e semelhança de Deus. Para muitos estudiosos a imagem diz respeito aos aspectos éticos e morais, outros acrescentam os aspectos mentais e intelectuais (conhecimento, sabedoria, discernimento), ainda outros acrescentam as questões de ordem espiritual (santidade, imortalidade etc.). Há, ainda, um ou outro teólogo que inclui os aspectos de ordem física como imagem e semelhança de Deus.

Vamos pontuar o pensamento destes homens e depois, busquemos o conhecimento que mais nos aproxima das Escrituras:


a-Imagem e semelhança em Waine Gruden:

Gruden, num primeiro momento acredita que não se deve departamentizar esta semelhança, mas que o homem é simplesmente imagem e semelhança de Deus e, isto abarca todos os aspectos da vida humana. Entretanto, num segundo momento, ele faz uma divisão didática que é a que se segue (Gruden 2009):

• Aspectos Morais: Somos criaturas moralmente responsáveis pelos nossos atos perante Deus (...). Temos um senso íntimo de certo e errado que nos separa dos animais:

• Aspectos Espirituais: (...) não somos somente corpos físicos, mas também espíritos imateriais. (...) Isso significa que temos uma vida espiritual que possibilita que nos relacionemos pessoalmente com Deus.

• Aspectos Mentais: Temos capacidade de raciocinar e pensar logicamente e de conhecer o que nos distingue do mundo animal.

• Aspectos Relacionais: (...) Nas nossas relações familiares e na igreja também somos superiores aos anjos, que não se casam nem geram filhos nem vivem na companhia dos filhos e filhas remidos de Deus. (...) O homem é como Deus no seu relacionamento com o restante da criação.

• Aspectos Físicos: (...) Nosso corpo, portanto, foi criado por Deus como instrumento adequado para representar de forma física a nossa natureza humana, criada à semelhança da própria natureza divina.



b- A imagem e semelhança em Berkhof:

Não conseguimos vislumbrar em Berkhof uma definição acerca do que ele considera imagem e semelhança de Deus no homem. O teólogo prefere citar as diversas correntes de pensamento sobre o tema (católicos romanos, protestantes, reformados etc.). Quanto á distinção entre imagem e semelhança ele endossa o pensamento de Gruden.

Por fim, acreditamos que o conceito de Berkhof é bastante ligado ao pensamento de Calvino, por causa da premissa dos presbiterianos e calvinistas em geral acerca da depravação total do homem. Em suma, o homem não conservaria nenhum traço da imagem de Deus na condição atual.

C- A imagem e semelhança em Strong:

A abordagem de Strong é mais filosófica do que teológica. Ele enfatiza dois aspectos desta semelhança: a pessoalidade e a moralidade. Nas suas palavras encontramos a essência deste pensamento (Augustos Hopkins Strong (2008):

(...) Pessoalidade: O homem foi criado um ser pessoal e é essa pessoalidade que o distingue do irracional. Pessoalidade é o duplo poder de conhecer a si mesmo relacionado com o mundo e com Deus (...). Este primeiro elemento da imagem divina no homem nunca poderá perder enquanto não deixa de ser homem.

(....) Moralidade: (...) Porque a santidade é o atributo fundamental de Deus por necessidade esse deve ser o principal atributo da Sua imagem nos seres morais que Ele criou.

Observados os diversos pontos de vista, podemos afirmar que a imagem e semelhança de Deus no ser humano é uma condição estabelecida pelo próprio Deus, e que se trata de um quesito que o distingue das demais criaturas, sejam elas terrenas ou celestiais. O conhecimento adequado das implicações desta imagem e semelhança redundará em aprofundamento das questões ligadas á queda e redenção do homem.

Neste sentido, entendemos que a imagem e semelhança dizem respeito ao ser na sua totalidade, mesmo porque o texto original (Gn. 1. 26) não enfatiza aspectos físicos, mentais ou espirituais. Ainda que não possamos estabelecer uma relação física entre o homem e Deus, porque Deus é espírito (Jo. 4. 24), mas na estrutura corpórea encontramos aspectos ligados á natureza de Deus (ver, ouvir, falar etc.). Por fim, acreditamos que a imagem de Deus no homem foi, somente, embotada, mas não destruída pelo pecado, e dentro desta proposta endossamos o pensamento de Chafer (2003).

Embora, muito seja dito por toda a Bíblia a respeito da pecaminosidade do homem e das profundezas às quais ele desceu, nada é dito que ele tenha perdido a imagem de Deus. Na verdade (...), a Bíblia ensina diretamente que o homem caído retém essa imagem e que é essa realidade que determina a extensão de sua degradação.

2.3 – Essência da Natureza do Homem

Como está organizada a natureza do homem? Possui ele somente corpo, ou corpo e alma, ou ainda, corpo, alma e espírito. Como estão interligados estas partes? Os que advogam que o homem é constituído de, tão somente, duas partes (corpo e alma/espírito) são os Dicotomistas. Já os que defendem que o homem é constituído de três partes distintas (corpo, alma e espírito) são chamados de Tricotomistas. Este não é um assunto consensual, por isto, apresentamos os diversos argumentos sobre o assunto.



2.3.1 Dicotomia e Tricotomia

a- Pensamento de Charles Hodge (1797 a 1878): Hodge é a mais tradicional e mais antiga das obras que faremos menção. Ele afirma na sua teologia sistemática acerca da tricotomia: “Esta doutrina de uma constituição tríplice do ser humano adotada por Platão foi parcialmente introduzida na igreja primitiva, mas logo veio a ser considerada danosa, se não herética. Os gnósticos sustentavam que o  (espírito) do homem era parte da essência divina e incapaz de pecar; e os apolinarianos afirmaram que Cristo possuía apenas um  (corpo) e (alma)humanos, mas não um , e a igreja rejeitou tal doutrina de se a  e o eram substâncias divinas, uma vez que tais heresias nela se fundamentavam (p. 521 da Teologia Sistemática de Charles Hodge - sinônimos pelo autor da apostila).”



b- Pensamento de Louis Berkhof. Sua teologia é bastante reformada e calvinista e o teólogo preferido dos presbiterianos. Na sua teologia sistemática (1932), o ilustre teólogo também não partilha da idéia tricotomista e defende uma visão dicotomista do ser humano. Vejamos suas palavras: É costume, especialmente, nos circuitos cristãos, entender que o homem consiste de duas partes distintas, e de duas somente, a saber, corpo e alma. Esta concepção é tecnicamente denominada dicotomia. Ao lado dela, porém, apareceu outra, segundo a qual a natureza humana consiste de três partes, corpo, alma e espírito. É designada pelo termo tricotomia. O conceito do homem tripartido originou – se na filosofia grega... (Teologia Sistemática, p. 177).



c- Pensamento de Waine Gruden. Sua teologia sistemática é a mais recente e é bastante contextualizada ao momento da igreja moderna. Seu pensamento pode ser resumido de maneira conclusiva nas seguintes palavras: Embora os argumentos a favor da tricotomia tenham alguma força, nenhum deles proporciona prova concludente que supere o amplo testemunho bíblico que mostra serem os termos alma e espírito muitas vezes intercambiáveis e em muitos casos sinônimos (...). Alguns tricotomistas atuais exibem a tendência de adotar um erro parecido, que também se encontrava na filosofia grega – a idéia que de um mundo material, inclusive nosso corpo, é essencialmente mau e algo de que se deve escapar.

Baseados nestas informações percebemos que os três teólogos são unânimes em defender a dicotomia. E você qual das duas visões (dicotomia ou tricotomia) vai adotar, uma vez que o monismo é uma idéia não cristã?



2.3.2 - Analise os textos abaixo e, depois, diga qual o seu posicionamento num texto de, no mínimo 20 linhas:

a) Textos que aparecem a palavra alma):

- Mateus: 2. 20, 6. 25, 10.28, 10. 39, 11. 29, 12. 18, 16. 25, 16. 26, 20. 28, 22. 37, 26. 38.

- João: 10. 11, 10. 15, 10. 17, 10. 24, 12. 25, 12. 27, 13. 37, 13. 38, 15. 13.



b- Textos que aparecem a palavra  (espírito) em relação ao homem:

- Mateus: 5. 3, 26. 41, 27. 50.

- Marcos: 2. 8, 8. 12, 14. 38;

- Lucas: 2. 17, 2. 47, 2. 80, 8. 55, 23. 46, 24. 37, 24. 39.

- João: 3. 6, 4. 23, 4. 24, 6. 63, 11. 33, 19. 30.

- Atos: 17. 16, 18. 25, 19. 21, 20. 22.

- Romanos: 1. 9, 8. 16.

- I Coríntios: 2. 11, 6. 17, 14. 14, 14. 15, 14. 16, 14. 32.

2.3.3 - Comparativo entre os teólogos:

EM CHARLES HODJE

• O Homem é corpo e alma. A idéia de que o espírito é uma essência divina no homem que o impede de pecar não é correta;

• A tricotomia procederia da filosofia grega.



 BERKHOF

• A visão tradicional da igreja evangélica é dicotômica;

• A tricotomia é mais uma idéia recente.



WAINE GRUDEN

• Reconhece que existem textos que possibilita a tricotomia, embora não garanta a sua realidade;

• Entende que alma e espírito são intercambiáveis, ou seja, em dado momento atividades próprias da vida imaterial são atribuídos ao espírito outras para a alma com o mesmo valor – ex. Mateus 10. 28 e Lucas 1. 46, 47.



2. 3. 4 – Anotações do Professor da Disciplina:

1. A alma (psuque) quando entendida como sede dos sentimentos e dos desejos deve ser administrada com sabedoria pelo homem – de que adianta ganhar o que está fora de nós (mundo) e perder o que está dentro de nós (a alma) – Mt. 16. 26;

2. A alma representa uma condição essencial do homem: pessoa, interioridade, identidade – perder a alma é perder – se a si mesmo – Mt. 10. 28

3. A alma é o maior patrimônio que o homem dispõe. Ela é sua identidade, sua natureza. O espírito pertence a Deus, o corpo pertence à terra, mas a alma é a coisa mais humana que existe – Lc. 21. 19

4. Perder a alma é perder tudo. É perder o que realmente vale a pena. Perder a alma é a pior perda porque é perder se a si mesmo – Lc. 9. 25 (zemioo: causar dano, perder, o mesmo verbo de Mt. 16. 26 (perder a alma);

5. O espírito é a vida que foi dada por Deus. O corpo do homem é terreno (pó), o espírito não procede da terra. Logo se acreditarmos que a alma e o corpo são transmitidos pelos nossos pais, temos que ser tricotomistas;

6. Os seres que não dispõe de corpo são chamados de espirituais (anjos, demônios etc). A identidade do ser humano e sua pessoalidade são dados pela alma;

7. A defesa da tricotomia não deve fragmentar nem departamentizar o ser humano, mas demonstrar sua complexidade – Hb. 4. 12, I Ts. 5. 23;

8. A dicotomia é verificável e razoável dentro do texto sagrado, sobretudo, quando considera alma e espírito como palavras intercambiáveis. Entretanto, o entendimento de que existe uma distinção entre corpo, alma e espírito é igualmente razoável por outros textos bíblicos igualmente importantes;

9. A visão dicotomista, ou seja, que existe uma parte material chamada corpo e outra imaterial chamada alma ou espírito não pode ser contrariada, nem mesmo pela ciência;

10. A defesa da visão tricotomista exigirá fé daquele que tentar compreendê-la, pois adentra aspectos da espiritualidade e da revelação.


3- A ORIGEM DA ALMA

O conceito que temos de alma, bem como, a idéia de que fazemos sobre a composição do humano (Dicotomia ou tricotomia) determinará a impressão que teremos sobre a origem da alma.

O conceito vétero-testamentário sobre alma está indissolutamente ligado ao corpo, pois nephesh (alma) está ligado ao processo respiratório (garganta – minha alma tem sede), ao processo de alimentação (estômago- a minha alma está farta) etc. Logo nephesh está associado ao corpo, e, uma divisão entre alma e corpo não seria de tão fácil compreensão para o judeu. O entendimento do novo testamento, já possibilita pensar em alma como algo além da vida corporal, sendo entendida como vida essencial, e também como vida imaterial. Neste sentido podemos afirmar que o conceito de alma vai se aperfeiçoando á medida que a revelação de Deus vai se alargando (Hb. 1. 1).

3. 1 - Existem três conceitos históricos acerca da origem da alma:

a) A preexistência da alma

No pensamento de Platão as almas eram eternas e já existiam antes da criação do corpo. Logo no ato da concepção haveria a transmigração da alma. Esta teoria nunca recebeu apoio dos pais da igreja, exceto de Orígenes que via nesta teoria a explicação de alguns males presentes na vida das pessoas, que seria fruto de uma existência anterior. Desnecessário dizer que este pensamento se aproxima perigosamente da teoria da reencarnação e ignora a orientação bíblica (Hb. 9. 27).

b) A teoria do Traducionismo da alma

Os defensores desta corrente explicam a origem da alma no processo reprodutivo do homem, ou seja, o ser humano recebe na concepção não somente o corpo, mas também a alma. Este argumento foi esboçado por vários pais da igreja como Tertuliano, Apolinário e Gregório e outros eminentes teólogos como Strong. Nesta propositura os defensores desta teoria argumentam que o fato de Deus ter criado o homem a sua imagem e semelhança (Gn. 1. 27) assegura ao homem a capacidade de criar outros seres humanos semelhante a si.

c) Teoria do Criacionismo da alma

Esta teoria afirma que para cada ser humano que é concebido é criado uma alma, ou seja, há uma criação mediata de uma alma para cada ser humano que é gerado. Teólogos como Gruden e Berkhof defendem este ponto de vista, embora, considerem que a teoria do Traducionismo mereça, alguma consideração. Entretanto, eles endossam a idéia de que o criacionismo está mais próximo da ortodoxia bíblica. Gruden (1999) expõe a questão nos seguintes moldes:

Entretanto, os argumentos bíblicos a favor do criacionismo parecem abordar a questão mais diretamente e ofereçam uma sustentação bastante forte a favor dessa tese. Primeiro o salmo 127 diz: herança do Senhor são os filhos; o fruto do ventre seu galardão (Sl. 127.3). Isso indica que não só a alma, mas também toda a pessoa da criança, incluindo seu corpo, é dádiva de Deus.

Na mesma esteira de pensamento Berkhof (2009) acredita que os argumentos em favor do criacionismo são maiores demonstrando e advertindo que:

O Criacionismo não tem a pretensão de eliminar todas as dificuldades, mas ao mesmo tempo, serve de advertência contra os seguintes erros: (1) que a alma é divisível; (2) que todos os homens são numericamente da mesma substância; (3) que Cristo assumiu a mesma natureza numérica que caiu em Adão.


4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidentemente que o assunto origem da alma não se esgota com facilidade. Não temos um consenso sobre o assunto, mesmo porque as Escrituras não nos informa, efetivamente, a origem da alma. Podemos conjecturar apenas, e isto é o máximo que podemos fazer.

Analisando o pensamento Tricotomista havemos de estar mais propensos à teoria do Traducionismo, uma vez que o espírito do homem viria diretamente de Deus, mas a alma viria do homem. Considerando o pensamento Dicotomista tendemos a aceitar a teoria do criacionismo, uma vez que a tese de que o homem tem uma substância material que procede da terra e uma substância imaterial (espírito/alma) que procede de Deus.

Por fim, pontuamos a seguinte consideração, a idéia que fazemos da natureza e constituição do homem determinará a doutrina que esboçaremos sobre o seu estado atual de pecaminosidade (hamartiologia), bem como, sua forma de salvação (soteriologia).



Toda glória a Deus!



HAMARTIOLOGIA – MÓDULO DE TEOLOGIA SISTEMÁTICA


“Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus (Rm. 3. 23 – ARA).”

1- PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES
A Hamartiologia cuida de estudar a doutrina do pecado e traz na sua raiz etimológica o foco de seu estudo: Hamartia (pecado) e Logia (Estudo, discurso, tratado). A junção dos dois vocábulos gregos (hamartia e logos), naturalmente, produz uma palavra grega, que não consta no léxico da nossa língua, sendo então, a palavra Hamartiologia uma palavra de origem grega.

Voltando a atenção para o conteúdo da disciplina, precisamos estar atentos à concepção que temos da natureza humana, pois isto determinará muita coisa na doutrina da Hamartiologia. O pecado é uma herança que é, reconhecidamente, humana e que repercute por toda a terra, e por que não dizer, no universo.

O pecado é uma das experiências mais humanas e mais desastrosas na história da raça. O texto de Romanos, em epígrafe, nos informa a extensão e a profundidade do pecado. Todos pecaram no pecado de Adão e por isto são pecadores (extensão) e por isto estão destituídos da glória de Deus (profundidade).

Voltando à questão da natureza humana, percebemos que a compreensão que temos do que seja o homem como imagem de Deus afetará o diagnóstico que teremos sobre o nível de corrupção do ser humano. Se à semelhança dos Calvinistas crermos que o homem está num total estado de depravação, concluiremos que o pecado destruiu totalmente, no homem, a imagem de Deus que lhe fora outorgada no éden. Mas se pensarmos como os Arminianos, creremos que o pecado não destruiu integralmente a imagem de Deus no homem e por isto a depravação não é total da natureza humana.

Outro aspecto que precisa ser considerado com atenção é a questão da universalidade do pecado (Rm. 3. 23, Rm. 5. 12) e, neste sentido, a concepção que temos da divisão/composição da natureza humana (corpo, alma e espírito; ou corpo, alma/espírito – respectivamente tricotomia e dicotomia).

Não obstante todas estas considerações, nosso embasamento doutrinário e apologético será as Escrituras Sagradas, tanto Velho como Novo Testamentos. Sendo assim, vamos ao estudo dos tópicos da matéria!



2- DEFINIÇÕES E CONSIDERAÇÕES SOBRE O PECADO, SUA ORIGEM, NATUREZA E CONSEQUÊNCIAS.

2. 1 – O que é pecado?

A melhor e mais objetiva definição que encontramos nas Escrituras é a registrada em I Jo. 3. 4: “O pecado é a transgressão da lei”. Desta definição deduzimos e interpretamos que o pecado é a não conformação à lei de Deus e, por interpretação, a não conformação ao caráter de Deus. Comentando este versículo, Gruden (1999), acentua as conseqüências de transgredirmos a lei de Deus não nos conformando à natureza santa de Deus.

Finalmente, importa observar que essa definição enfatiza a gravidade do pecado. Percebemos pela experiência que o pecado é nocivo a nós, que traz dor e conseqüências destrutivas para nós e para os outros atingidos por ele. Mas se definirmos o pecado como a inconformidade à lei moral de Deus, então pecar é mais que doloroso e destrutivo – é também errado no sentido mais profundo da palavra. Num universo criado por Deus, não deve haver pecado. O pecado se opõe diretamente a tudo o que é bom no caráter de Deus, e assim como Deus necessária e eternamente se deleita em si mesmo e em tudo que ele é, também, necessária e eternamente detesta o pecado(...).

Devemos ter em vista que a definição de pecado não somente nos informa a natureza, mas a gravidade do pecado. Quando o homem peca ele erra o alvo escolhido por Deus para a vida de santidade. Pecar é trocar o bem pelo mal, a vida pela morte, o conselho de Deus pelo de Satanás (Gn. 2. 16, 17; 3. 4 – 6).


2.2 - Origem do Pecado

“Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram (Rm. 5. 12).”

Quando falamos de origem do pecado queremos focalizar o ponto de partida, o princípio originador do pecado. Diante da envergadura do tema temos que ser objetivos e precisos se quisermos chegar a uma conclusão razoável e demonstrável.

Há muitas conjecturas com relação á origem do pecado, desde as concepções materialistas, passando pelas filosóficas e chegando às religiosas. Naturalmente, não teremos o tempo necessário para detalharmos as crenças dos diversos segmentos mencionados, mas citaremos somente o que julgarmos necessário.

A visão materialista da origem do pecado está ligada ao conceito da própria natureza do pecado assim entendida pelo materialismo, ou seja, o pecado não faz parte da natureza do ser humano, mas o ser humano peca por exercício livre da sua vontade não sofrendo por isto, nenhuma sanção divina, mas apenas conseqüências na sua vida cotidiana. O pecado seria fruto de ignorância quanto aquele conhecimento e não predisposição interna para o mal.

O conceito da origem do pecado nos meios filosóficos pode ser bem representado pela visão gnóstica do pecado. Os gnósticos entendem que o pecado é inerente à matéria e que a alma do ser humano ao assumir sua carne (natureza física) é contaminada pelo pecado. Neste sentido a origem do pecado é material.

Voltando o nosso foco para a origem do pecado dentro da concepção religiosa, nos ateremos mais à visão evangélica do tema. Os primeiros pais da igreja, sobretudo os latinos tendiam a crer que a origem do pecado, historicamente falando, estava na desobediência de Adão. Outro segmento posterior da igreja, o semi- pelagianismo considerava que a origem em Adão explicava a corrupção, mas não a culpa, ou seja, o homem seria condenado não pela natureza pecaminosa, mas pela ação pecaminosa.

Os reformadores (protestantes) seguiam o caminho tradicional dos pais da igreja e afirmavam a origem do pecado na desobediência do Éden, embora os Arminianos tendiam mais ao Semi- Pelagianismo.


Frases para reflexão;

Os pecados não tornam o homem pecador! (JRLS)

O homem é pecador porque peca?

2. 2. 1 – Origem do Pecado de Acordo com a Bíblia

A Bíblia nos dá evidências claras de que o pecado começou no mundo angélico com a queda de Satanás. Algumas passagens bíblicas nos deixam perceber que houve uma rebelião de anjos e esta, seria a primeira ação pecaminosa, movida pelo orgulho de Satanás. BERKHOF 2009 esboça na sua teologia sistemática este evento, enfatizando que devemos analisar a queda de Satanás, antes de analisar a queda do homem.

(...) Na tentativa de investigar a origem do pecado, devemos retornar à queda do homem, na descrição de Gn 3 e fixar atenção em algo que sucedeu no mundo angélico. Deus criou um grande número de anjos, e estes eram todos bons, quando saíram da mão do seu Criador, Gn. 1. 31. Mas ocorreu uma queda no mundo angélico, queda na qual legiões de anjos se apartaram de Deus. A ocasião desta queda não é indicada, mas em Jo. 8. 44 Jesus fala do diabo como assassino deste o princípio (Kat arches), e em I Jo. 3. 8 diz João que o diabo peca desde o princípio (...).

Naturalmente que a queda de Satanás e seus anjos não traria prejuízos diretos na natureza do homem se este não tivesse anuído ao conselho da Serpente no Éden. Portanto, devemos estar certos de que o primeiro pecado, não foi praticado pelo casal no Éden, mas enquanto raça humana, o primeiro pecado aconteceu pelas mãos dos nossos pais adâmicos.

2. 3 – Universalidade do Pecado

“Pois assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação (Rm. 5. 18a)”

A universalidade do pecado pode ser entendida de duas formas, sendo que a primeira enfatiza a corrupção e a outra a culpa. Determinados ramos da teologia entendem que a corrupção é universal, mas a culpa não. Outros segmentos (numericamente maior) entendem que tanto a corrupção quanto a culpa são universais.

A passagem bíblica em epígrafe deixa bastante claro que a culpa foi imputada a todos os homens, logo não nos parece bíblico dizer que o homem só pode ser considerado culpado a partir do momento que comete o primeiro pecado. Portanto, é absolutamente bíblico dizer que o homem não somente herdou a corrupção (Rm. 3. 10 - 12), como também a culpa pelo pecado de Adão, sendo assim condenável (Rm. 5. 18a).

O pecado da raça na sua universalidade é rebelião contra a vontade de Deus, ou para alguns teólogos o egoísmo na sua essência, como defende LANGSTON no seu Esboço de Teologia Sistemática:

O pecado de Adão teve origem no egoísmo: Ele quis ser igual a Deus e para isto comeu, aconselhado por Satanás, do fruto proibido. Desde então o gênero humano tem sido vítima do egoísmo. O egoísmo é o coração do pecado. A criança é egoísta. O menino, em seus primeiros passos, que tudo para si porque é egoísta por natureza. Destes fatos concluímos que o egoísmo é universal.

A doutrina do pecado herdado, ou seja, da universalidade do pecado é absolutamente demonstrável pelas Escrituras, como percebemos em passagens como as que se seguem abaixo:

1- “ como está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer.” (Romanos 3:10-12 RA)

2- “ Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram.” (Romanos 5:12 RA)

3- “ pois todos pecaram e carecem da glória de Deus,” (Romanos 3:23 RA)

4- “ Todavia, não é assim o dom gratuito como a ofensa; porque, se, pela ofensa de um só, morreram muitos, muito mais a graça de Deus e o dom pela graça de um só homem, Jesus Cristo, foram abundantes sobre muitos.” (Romanos 5:15 RA)

5- “ Se, pela ofensa de um e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os que recebem a abundância da graça e o dom da justiça reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo.” (Romanos 5:17 RA)

6- “ Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos.” (Romanos 5:19 RA)


Portanto, a conclusão a que chegamos é que o ser humano atual é tão pecador quanto Adão o foi, conforme GRUDEN (1999) pontua de forma conclusiva na sua teologia sistemática:
"A conclusão a tirar desses versículos é que todos os membros da raça humana estavam representados por Adão no tempo da provação no jardim do Éden. Como representante nosso, Adão pecou, e Deus nos considerou culpados tanto quanto Adão."
Reflexão sobre o pecado:
1- João 1:29 No dia seguinte, viu João a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!

2- Romanos 5:12 Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram.

3- Romanos 5:13 Porque até ao regime da lei havia pecado no mundo, mas o pecado não é levado em conta quando não há lei.

4- Romanos 5:20 Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado, superabundou a graça,

5- Romanos 5:21 a fim de que, como o pecado reinou pela morte, assim também reinasse a graça pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor.

6- Romanos 6:6 sabendo isto: que foi crucificado com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escravos;

7- Romanos 6:10 Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus.

8- Romanos 6:11 Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus.

9- Romanos 6:12 Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões;

10- Romanos 6:14 Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça.

11- Romanos 7:7 Que diremos, pois? É a lei pecado? De modo nenhum! Mas eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei; pois não teria eu conhecido a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçarás.

12- Romanos 7:8 Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, despertou em mim toda sorte de concupiscência; porque, sem lei, está morto o pecado.

13- Romanos 7:9 Outrora, sem a lei, eu vivia; mas, sobrevindo o preceito, reviveu o pecado, e eu morri.

14- Romanos 7:11 Porque o pecado, prevalecendo-se do mandamento, pelo mesmo mandamento, me enganou e me matou.

15- Romanos 7:13 Acaso o bom se me tornou em morte? De modo nenhum! Pelo contrário, o pecado, para revelar-se como pecado, por meio de uma coisa boa, causou-me a morte, a fim de que, pelo mandamento, se mostrasse sobremaneira maligno.

16- Romanos 7:17 Neste caso, quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim.

17- Romanos 7:20 Mas, se eu faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita em mim.

18- Romanos 8:3 Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado,

19- 1 Coríntios 15:56 O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei.

20- Gálatas 3:22 Mas a Escritura encerrou tudo sob o pecado, para que, mediante a fé em Jesus Cristo, fosse a promessa concedida aos que crêem.

21- Hebreus 9:26 Ora, neste caso, seria necessário que ele tivesse sofrido muitas vezes desde a fundação do mundo; agora, porém, ao se cumprirem os tempos, se manifestou uma vez por todas, para aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o pecado.

22- Hebreus 12:4 Ora, na vossa luta contra o pecado, ainda não tendes resistido até ao sangue

23- Tiago 1:15 Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte.

24- 1 Pedro 4:1 Ora, tendo Cristo sofrido na carne, armai-vos também vós do mesmo pensamento; pois aquele que sofreu na carne deixou o pecado,

25- 1 João 3:4 Todo aquele que pratica o pecado também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei.

26- 1 João 3:8 Aquele que pratica o pecado procede do diabo, porque o diabo vive pecando desde o princípio. Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo.


2.4 – Diferenciando Culpa e Corrupção –

Após endossarmos a doutrina da universalidade do pecado e reconhecermos que todos somos culpados perante Deus (cf Rm. 3. 23), devemos distinguir a culpa da corrupção. A culpa é o dispositivo legal em face da lei moral de Deus que foi quebrada em Adão (Rm. 3.23), logo a culpa é uma questão jurídica, ou seja, somos legalmente culpados, independente de qualquer ação positiva ou negativa no presente.

Este conceito de culpa nem sempre foi aceito por toda a cristandade, sendo que no quarto século, um mestre cristão chamado Pelágio ensinava que nos tornamos responsáveis pelos pecados somente quando os praticamos, ou seja, não existe um pecado original (herdado) que condena o homem à morte. Gruden (1999) detalha a propositura de Pelágio:

Pelágio, popular mestre cristão que pregou em Roma por volta de 383 – 410 d. C., e mais tarde (até 424 d. C) na Palestina, ensinava que Deus responsabiliza o homem só pelas coisas que este é capaz de fazer. Logo, como Deus exorta a fazer o bem, temos necessariamente a capacidade de fazer o bem que Deus existe. A posição pelagiana rejeita a doutrina do “pecado herdado” (ou pecado original) e sustenta que o pecado consiste somente em atos pecaminosos isolados.

Mas sabemos que conforme Romanos 5. 12, a medida de nossa culpa não está baseada na nossa capacidade de pecar mais ou menos, mas no fato de sermos descendência de Adão.

Quanto à corrupção, precisamos distingui-la da culpa ou mesmo do pecado. A corrupção não é causa, mas conseqüência, ou seja, ela é o resultado do pecado na natureza do ser humano. Logo a corrupção é a natureza caída e pecaminosa do ser humano. Esta corrupção é um fato na vida da humanidade, devemos apenas discutir qual o nível de corrupção em que os homens se encontram.

Neste sentido voltamos á discussão sobre a imagem de Deus no ser humano. Estaria ela totalmente destruída pelo pecado, estaria ela embotada apenas? Aqui há uma ruptura entre dois segmentos da teologia: Calvinistas e Arminianos.

2.4.1 – Depravação Total

O assunto sobre o estado e a condição do homem, que aqui denominamos de depravação, não foi muito debatido no início do cristianismo, de tal forma, que os pais apostólicos pouco falaram do assunto. A doutrina mais estabelecida está ligada aos pais latinos, que de maneira geral afirmavam que o pecado era transmitido pela propagação da alma (teoria do traducionismo). Dentro desta perspectiva, o pecado original era considerado “como uma mancha ou corrupção hereditária e pecaminosa, que não excluía a presença de algum bem no homem” (BERKHOF, 2009, p. 227).

A igreja primitiva tendia a pensar na depravação, como uma corrupção parcial, que, apenas enfraquecia o livre arbítrio do homem, mas não o anulava. O único pensamento que destoou, nesta fase da história, foi o de Agostinho que considerava a natureza do homem, física e moralmente, totalmente, corrompida pelo pecado de Adão.

Teólogos como Berkhof defendem a depravação total do ser humano, explicando que o homem foi privado da justiça original e agora é um agente do mal. O homem foi atingido em toda a sua natureza, incluindo faculdades do corpo e da alma; não há bem espiritual algum na vida do pecador. Não somente o homem está neste estado depravado, mas ele é incapaz de realizar qualquer coisa que obtenha a aprovação de Deus e que ele é incapaz de mudar sua preferência fundamental pelo pecado e por isto ele é incapaz de fazer qualquer bem espiritual.

Outro Teólogo que se aproxima desta linha de pensamento é Gruden, entretanto ele é mais moderado. Ele argumenta que apesar da depravação do ser humano, “pela graça comum de Deus (ou seja, pelo favor imerecido que ele dispensa a todos os seres humanos), as pessoas puderam fazer o bem nos campos de educação, do desenvolvimento da beleza e da destreza nas artes, no desenvolvimento de leis justas e dos atos genéricos de benevolência e bondade humana para com os outros” (GRUDEN, 1999, p. 409).

O pensamento de Strong também caminha na mesma direção de Berkhof, quando ele afirma: “Depravação não significa simplesmente privação do bem. Depravação (...) é mais do que privação. O homem deixado ao seu destino, tende a decair e o seu pecado aumenta dia a dia” (STRONG, 2007. p. 1130).

Percebe – se, claramente, que os teólogos mais eminentes tendem á teoria da depravação total, exceto Pelágio e os Arminianos, que discordam frontalmente da teoria da depravação total. “Os pelagianos acreditam na plena capacidade do homem, negando que as suas faculdade morais foram prejudicadas pelo pecado” (BERKHOF 2009, p. 230). O pensamento de Pelágio é o mais extremo possível em relação á depravação total e carece de respaldo bíblico (Rm. 3. 10 – 12). Já os Arminianos falam de uma capacidade advinda da graça, porque acreditam que Deus infunde a sua graça comum a todos os homens, capacitando –os á conversão a Deus e à fé (BERKHOF, 2009, p. 230). O pensamento geral dos arminianos quanto à corrupção pode ser resumido assim, de acordo com Berkhof:

Os teólogos da Nova Escola atribuem ao homem uma capacidade natural, distinta de uma capacidade moral (...). O sentido do seu ensino é que o homem, em seu estado decaído, continua na posse de todas as faculdades naturais que se requerem para a realização de um bem espiritual (intelecto, vontade, etc.), mas lhe falta capacidade moral, isto é, a capacidade de dar apropriada direção áquelas faculdades, direção agradável a Deus (BERKHOF, 2009, p. 30).

Resumidamente, o nível de corrupção do homem é de difícil precisão. O homem está totalmente corrompido na alma, no corpo, no intelecto? O homem é capaz de reagir ao chamado de Deus pelo exercício natural de sua mente? O homem é capaz de, em si mesmo, voltar se para Deus? O homem, pelo exercício de seu livre arbítrio pode escolher Deus? Ou é Deus quem o escolhe? As respostas a estas perguntas determinarão a forma como o homem é alcançado ou alcança a salvação.

Toda glória a Deus!


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.

- HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001.

- GRUDEN, Waine. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999.

- CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2003.

- STRONG, Augustus Hopkins. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2007.

- WOLFF, Hans Walter. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2007.




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