HISTÓRIA DA IGREJA CRISTÃ



HISTÓRIA DA IGREJA CRISTÃ I

“Narrai isto a vossos filhos, e vossos filhos o façam a seus filhos, e os filhos destes, à outra geração (Joel 1.13).”

1-    INTRODUÇÃO:
A necessidade de transmitir às gerações vindouras o registro dos fatos pressupõe a importância da história. A vida é generosa com quem presta atenção na história. Ela é uma mestra sábia daqueles que a estudam criteriosamente em busca de informações, que possam trazer respostas para o presente e norteamento para o futuro.
A Bíblia é rica em textos que sugerem a necessidade de registrar a história a fim de construir um presente bem sucedido e lançar bases seguras para o futuro – Dt. 11. 19 – 2, Dt. 29. 22; Js. 4. 21. Não somente é importante registrar a história, mas também saber interpretá-la de maneira criteriosa, científica, imparcial e utilitária.
Não obstante estas considerações, vamos primeiramente entender o que é história no seu sentido etimológico. A palavra história vem da palavra grega historia, que é derivado do verbo grego historeo (istorew). O sentido geral da palavra é aprender pela pesquisa ou investigação (Cairns 2008). Há uma referência da palavra no Novo Testamento em Gl. 1. 8, significando avistar, tomar conhecimento, adquirir informações.
Tomando posse destas observações podemos definir história como uma ciência humana que estuda um evento, coleta informações e investiga os fatos de maneira científica. Podemos associar a estas definições, uma quarta definição decorrente das três primeiras, que é a interpretação dos fatos e eventos ocorridos.
Pensando na Bíblia, podemos dizer que ela é, também, uma narrativa (história) da caminhada do povo de Deus, começando pelos nossos pais hebreus, passando pela igreja primitiva na Judéia, o estabelecimento do cristianismo no mundo, por fim, a evolução do cristianismo até nossos dias. Entretanto, para fins de estudo nos ateremos, apenas, a história da igreja cristã, que pode ser definida como: O relato interpretado da origem, progresso e impacto do cristianismo sobre a sociedade humana, baseado em dados organizados, reunidos pelo método científico a partir de fontes arqueológicas, documentais ou vivas (Earle Cairns).


2 - A FUNDAÇÃO DA IGREJA EM JERUSALÉM

“E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações. Em cada alma havia temor, e muitas maravilhas e sinais se faziam pelos apóstolos. Todos os que criam estavam juntos e tinham tudo em comum (At. 2. 42 – 44).”

A igreja surge historicamente a partir de Pentecostes. Não somente historicamente, mas publicamente, uma vez que agora ela não estará mais encolhida nem (At. 1. 8) escondida. O testemunho da igreja cristã irá abalar as bases da religião judaica e atrair seguidores de todas as esferas sociais de Israel. O judaísmo milenar e firmado na Lei se depara agora com uma nova forma de interpretar o velho testamento e com um testemunho impactante de uma comunidade de pessoas, até então, inexpressivos no contexto da religião judaica. A igreja primitiva judaica no seu nascedouro é formada principalmente por galileus (At. 2. 7 e 8). No começo a igreja é vista, apenas, como um ramo do judaísmo, uma seita (At. 24. 14), como tantas outras que não poderá ameaçar a supremacia do judaísmo.
Não devemos imaginar uma a igreja de Jerusalém totalmente divorciada do judaísmo, mesmo porque a igreja, neste momento, não dispõe de literatura, nem de liturgia, nem muito menos de escritos do Novo Testamento. A Bíblia lida é a lei, os profetas e os salmos. A doutrina em que a igreja está fundamentada é aquela que Jesus ensinou aos apóstolos. Podemos asseverar que a igreja judaica tinha como doutrina as boas novas do evangelho, mas a sua liturgia é vigorosamente influenciada pelo culto do templo e, principalmente, da sinagoga. Num segundo momento, surgem novos convertidos procedentes do judaísmo, inclusive, sacerdotes, que têm grande dificuldade em se desvincularem da lei (At. 21. 20 – 22).
A igreja primitiva, nas primeiras décadas é, fortemente, influenciada pela igreja de Jerusalém. As profecias do velho testamento, o Messias, os apóstolos, os primeiros líderes são todos procedentes de Israel. Somente a partir do ministério de Paulo a igreja primitiva sai, efetivamente, das fronteiras da Palestina.

3 - AVANÇO DO CRISTIANISMO – ATÉ O ANO 100

A negligência da segunda parte de At. 1. 8 (até os confins da terra) parece evidente nos primeiros anos da igreja na Judéia. No máximo algumas incursões em Samaria e Síria, sobretudo, após o martírio de Estevão e a efetiva perseguição da igreja na Judéia (Atos 8). Somente após a conversão de Paulo podemos pensar numa igreja missionária e de caráter abrangente.
A explicação para isto parece decorrer da herança vetero-testamentária em que a nação de Israel se entendia como povo exclusivo de Jeová. Compreensão esta somente abalada a partir das cartas de Paulo. Encontramos nas palavras de CAIRNS (2008) uma linha de pensamento semelhante:
Aparentemente, a Igreja Judaico-Cristã primitiva demorou a compreender o sentido universal do cristianismo, embora Pedro tivesse sido o instrumento na comunicação do evangelho aos primeiros gentios convertidos. Foi Paulo, capacitado pelo Espírito de Deus, que teve a visão das necessidades do mundo gentio, dedicando sua vida á pregação do evangelho a esse mundo. Como nenhum outro na Igreja Primitiva, Paulo entendeu o caráter universal do cristianismo e dedicou-se á pregação até os confins do Império Romano (Rm. 11. 13; 15.16).
A igreja a partir de Paulo se depara com o desafio de levar uma mensagem, até então, basicamente judaica a um mundo multi - cultural, multi- religioso, politeísta e geograficamente extenso. A cultura religiosa judaica exclusivista e regionalista enfrentaria grandes desafios desde o começo e, era necessário, alguém mais independente, cosmopolita e visionário para levar a mensagem cristã sem circunscrevê-la a uma experiência, meramente, judaica. Paulo foi o homem escolhido por Deus, porque, além de sólida educação religiosa reunia estas características na sua bagagem cultural. CAIRNS tece um importante comentário, perfilando o apóstolo dos gentios:
Paulo estava consciente de três lealdades temporais durante a vida. Quando jovem recebera educação ministrada apenas aos jovens judeus de futuro e foi educado aos pés do grande mestre Gamaliel. Poucos podiam se orgulhar de ter mais instrução do que Paulo no que dizia respeito à educação religiosa judaica, e poucos se aproveitaram tanto quanto ele da educação que recebeu (Fp. 3. 4 – 6). Ele também era cidadão de Tarso, a principal cidade da Cilícia, “cidade não insignificante” (At. 21. 39). Era também cidadão romano (At. 22. 28) e não tinha dúvidas em usar os privilégios de sua cidadania romana quando estes podiam ajudá-lo em sua missão por Cristo (At. 16. 37; 25. 11). O judaísmo foi seu ambiente religioso antes de sua conversão; Tarso, com sua grande universidade e sua atmosfera intelectual, foi o palco dos primeiros anos de sua vida; e o Império romano foi o espaço político em que viveu e agiu. Portanto, Paulo cresceu numa cultura urbana e cosmopolita.
A propagação do evangelho além- palestina se deve aos esforços missionários da igreja de Antioquia (Síria), através de Paulo, Barnabé, Marcos e Silas. A igreja de Jerusalém, paulatinamente, vai diminuindo sua influência à medida que outras igrejas vão alcançando os gentios, sobretudo, através do ministério de Paulo. Mesmo assim, até o ano 70 D. C, a influência judaica era muito grande sobre os cristãos. Não somente isto, havia certa tolerância do Império Romano, para com os cristãos devido à ligação da igreja com o judaísmo, sendo entendido pelo Império, o cristianismo, apenas, como mais uma seita do Judaísmo. Mas com a queda de Jerusalém, no ano 70 D. C, muitos judeus são mortos, escravizados, deportados e, a partir daí, o cristianismo terá que seguir sozinho sem a “sombra” do judaísmo.
Podemos afirmar que a igreja cristã assume feições próprias a partir do momento que dispõe das primeiras cartas de Paulo e da circulação dos evangelhos. A igreja cristã vai se definindo e se formando em torno de uma teologia baseada na mensagem pregada por Jesus, sendo que agora, seus apóstolos inspirados pelo Espírito Santo, fazem o registro escrito dos evangelhos e das revelações dadas particularmente a eles (II Pd. 1. 21). No entendimento dos estudiosos esta literatura já está circulando antes de terminar o primeiro século, como observa CAIRNS (2008): “Há agora certeza razoável de que os escritos do Novo Testamento estavam completos antes do fim do primeiro século depois de Cristo. Os homens que conheceram os apóstolos e a doutrina apostólica levaram adiante a tarefa de produzir uma literatura cristã. Esses homens são conhecidos como os pais apostólicos.”
3.    1 - OS PAIS DA IGREJA – Objeto de Pesquisa dos Estudantes, que tratarão do assunto em sala de aula.

3.    2 - O GOVERNO DA IGREJA
O que podemos perceber nesta questão tão polêmica ao longo da história da igreja é que só podemos encontrar as diretrizes do governo no ensino e ministério de Jesus. Percebemos na chamada dos apóstolos uma escolha soberana de Deus daqueles que iriam lançar as bases da igreja (Ef. 2. 20). A partir da escolha dos apóstolos eles se tornam aptos a fundarem igrejas, doutrinarem as mesmas e incentivá-las a escolherem seus líderes locais (Pastores e Diáconos) – At. 14. 23, Fp. 1. 1. A posição dos líderes da igreja, necessariamente, não pressupõe uma hierarquia, mas uma funcionalidade necessária, ou seja, cada pessoa levantada por Deus precisa ser também reconhecida pela igreja (Fp. 2. 29, 30).
A centralização do poder na mão de determinado líder não encontra precedentes no velho e nem no novo testamento. A classe sacerdotal, no regime da lei, trabalhava de maneira cooperativa e na forma de turnos. Na igreja primitiva não encontramos também líderes absolutistas e dominadores dentre os apóstolos (I Pd. 5. 1- 3), nem mesmo entre os mais destacados como Pedro e Paulo encontramos esta dominação absolutista sobre o povo ou sobre igrejas.
O que podemos deduzir desta forma de governo da igreja é que há uma escolha soberana de Deus acerca daqueles que devem liderá-la, mas há uma consonância com a escolha da igreja. Céus e terra precisam estar alinhados na forma de governar a igreja do Deus vivo – I Tm. 3. 15.

3. 3 – O CULTO E A VIDA RELIGIOSA DA IGREJA PRIMITIVA
“E todos os dias, no templo e de casa em casa, não cessavam de ensinar e de pregar Jesus, o Cristo (Atos 5. 42).”

A vida religiosa da igreja de Jerusalém era, ainda, bastante influenciada pelo judaísmo, e sua dinâmica de culto ainda era muito templária. A presença do templo, bem como, as festas judaicas (Tabernáculos, Páscoa etc) afetam intensamente a vida cultual da igreja cristã judaica. A jovem igreja, entretanto, não se limita ao templo e busca fazer discípulos, ensinando e pregando de casa em casa.
Fora de Israel, entretanto, a igreja primitiva tinha uma vida religiosa menos templária, reunindo – se em lugares públicos, sinagogas e casas (Rm. 16. 5, 23; Cl. 4. 15, At. 19. 9; At. 18. 4). Esta forma de se reunir valorizava mais a comunhão, o estar junto, o compartilhar, com menos ênfase no espaço “sagrado” do culto. “O lugar não era tão importante como o modo de se encontrarem para ter comunhão uns com os outros e cultuar a Deus (EARLE 2008).
Encontramos (em várias fontes), também, que o dia de culto era o primeiro dia da semana (At. 20. 7, I Co. 16. 2):
Visto que os cristãos primitivos adoravam juntos, estabeleceram padrões de adoração que diferiam muito dos cultos da sinagoga. Não temos um quadro claro da adoração cristã primitiva até 150. D. C., quando Justino Mártir descreveu os cultos típicos de adoração. Sabemos que a igreja primitiva realizava seus serviços no domingo, o primeiro dia da semana. Chamavam-no de “o Dia do Senhor porque foi o dia em que Cristo ressurgiu dos mortos (Mundo do Novo Testamento, p. 145).

 A vida litúrgica da igreja também era bastante informal e, “geralmente o culto matutino era uma ocasião de louvor, oração e pregação (Packer e tal 2006). Neste sentido, podemos afirmar que a ordem de culto da igreja primitiva não era rígida como os cultos no templo e nas sinagogas. O que se percebe, também, é que a ceia do Senhor ocupava um lugar central nas celebrações, sendo que a idéia que temos é que se tratava de uma refeição completa, sendo que cada convidado trazia um prato para a mesa comum. Este banquete, também chamado de banquete do amor (1 Co. 11. 20 – 22), festa ágape etc, precedia a ceia do Senhor no culto da noite.
Outra consideração importante a ser feita diz respeito às músicas cantadas nos cultos. Podemos acreditar que a maioria das músicas eram retiradas dos salmos, conforme a tradição judaica. Na própria experiência de Jesus, vemo-lo, cantando um hino à medida que se dirige ao Getsemani. A música é um elemento essencial de culto na igreja primitiva, haja visto que o maior livro (ou livros) do Velho Testamento fala de música (os salmos). Pensar no que os primeiros irmãos cantavam pode ser inspirativo para a igreja moderna, como nos faz crer a pena de (Packer e tal 2006):

É impossível determinar o “primeiro” hino cristão. Os cristãos, seguindo o exemplo de fé judaica, adotaram o cântico como expressão de ações de graça ou de alegria. Diz-nos a Bíblia que Jesus cantou um hino com os seus discípulos na última Ceia (Marcos 14. 26); este hino, com toda a probabilidade, foi os salmos 113 – 118, que eram tradicionalmente cantados na celebração da Páscoa. O novo Testamento registra outras ocasiões em que os apóstolos e outros cristãos cantaram. Paulo e Silas, por exemplo, oravam e cantavam hinos na cadeia de Filipos (At. 16. 25).

A moderna estrutura eclesiástica, sobretudo da igreja cristã católica romana, convive com uma agenda, excessivamente, recheada de eventos, datas, dias sagrados etc. Entretanto, não notamos na igreja primitiva evidências de um calendário eclesiástico, a não ser na adoração no primeiro dia da semana (I Co. 16. 2, Ap. 1. 10), mas sendo exclusivamente voltado para o culto e não para a guarda do dia. A idéia de fazer do primeiro dia, um dia “santo”, ou de repouso” nos moldes da lei judaica não encontra eco na igreja cristã primitiva, sendo que somente depois do século IV, com Constantino, o domingo passa ser observado por imposição do estado como um dia de descanso.


4- A IGREJA SE ESTABELECE, MESMO EM FACE DAS PERSEGUIÇÕES - ANO 100 AO ANO 313 D. C.

A igreja cristã sempre se deparou com inimigos e opositores ao seu desenvolvimento. Homens, demônios, ideologias, filosofias, doutrinas a serviço do inferno, sempre promoveram perseguições e ofensivas contra a igreja. Entretanto, a perseguição sempre foi permitida por Deus para refinar a igreja e promover sua expansão.
As perseguições nem sempre vieram de fora, muitas vezes, as heresias geraram escândalos, cismas e conflitos no seio da igreja. Podemos dizer que as heresias foram problemas internos que brotaram no seio da própria igreja, e, seu efetivo combate foi mais delicado.

4.1 – PERSEGUIÇÕES NO CAMINHO DA IGREJA
Uma questão a ser esclarecida é que a igreja, neste período, não foi sistematicamente perseguida pelo império romano, como política estabelecida pelos imperadores, exceto no período de 250 D. C a 312.

4.1.1– As Primeiras Perseguições
O ponto de partida para as perseguições foi exatamente em Jerusalém, nos primeiros movimentos da igreja, fatos estes registrados em Atos (capítulos 3 a 9), entretanto, perseguições patrocinadas pelo império romano só a partir de Nero (54 – 68), mas estas perseguições eram localizadas, nada que fosse definido em lei e aplicado a todo o império. “Durante os primórdios da Igreja em Jerusalém, os judeus foram os perseguidores. Somente no governo de Nero (54 – 68) as perseguições partiram do Estado Romano (Cairns 2006).”

Passado este primeiro momento de perseguição, encontramos lá pelos anos 95 D.C, com o imperador Domiciano, um segundo momento desta. Esta perseguição na verdade estava ligado aos judeus, que se recusaram a pagar um imposto público para manter o templo consagrado a Júpiter e por isto caíram em desgraça diante do imperador. E a igreja cristã por estar associado aos judeus, sofreu, também violenta perseguição, e é neste período que João é deportado para Patmos (Apocalipse 1).

4.1. 2 – Agravamento da Perseguição

À medida que o cristianismo avançava e criava adeptos, a perseguição se acentuava. A maneira da igreja se estabelecer abalava os alicerces da comunidade no que tange a sua vida religiosa e cultural. Templos pagãos eram abandonados, vendedores de animais para sacrifícios pagãos perdiam seus clientes, o culto ao imperador era abalado, tudo isto criava uma animosidade muito grande do império em relação aos cristãos.
A primeira perseguição formalizada e organizada pelo poder público, ainda que localizada, foi na Bitínia, durante a administração de Plínio (112 D. C). As coisas funcionavam assim: se alguém era denunciado como Cristão, este era convidado a se retratar na sua fé e oferecer culto ao imperador, negando – se a isto era executado. Cairns explicita esta forma de funcionar do tribunal da Bitínia: “Quando alguém era denunciado como cristão, Plínio convocava o tribunal e perguntava se era cristão. Se admitisse a acusação três vezes, o cristão era condenado á morte.”
Outro momento da perseguição aconteceu em Esmirna, na metade do século II, e foi nesta época que Policarpo foi martirizado, sendo que a força perseguidora e inquisidora era população local, que levava os cristãos diante das autoridades.

4.1. 3  – Perseguição Oficial do Império Romano
A partir de 250 D. C encontramos o império em rota de perseguição efetiva aos cristãos. O imperador Décio promulgou um edito em 250 exigindo um sacrifício anual ao imperador. Quem oferecesse o sacrifício alcançaria o um certificado chamado “libellus”. Quem não dispusesse do documento poderia ser torturado e, até, morto. Neste período Orígenes (um dos pais da igreja) foi severamente torturado, vindo a falecer anos mais tarde. Esta perseguição durou um ano, porque Décio morreu no ano seguinte.
Entretanto, a grande perseguição ainda estava por vir, pelas mãos do imperador Diocleciano que em 285 D. C centraliza o governo do império em suas mãos, dissolvendo o senado, realizando a partir daí um governo despótico e centralizado. Não demorou muito e, já no ano 303 ele expede editos em que ordenava o fim das reuniões cristãs, a destruição das igrejas, a deposição dos oficiais da igreja, a prisão daqueles que permanecessem firmes na sua fé em Cristo, a destruição das Escrituras etc. Outro edito obrigava os “cristãos a sacrificarem aos deuses pagãos sob pena de morte caso recusassem” (Cairns 2006). Neste estado de coisas se instala a mais violenta perseguição movida pelo Império Romano, que é descrita por Cairns, referenciando Eusébio na sua magistral obra “História Eclesiástica”:

Eusébio conta que as prisões ficaram tão cheias de líderes cristãos e crentes comuns que não havia lugar suficiente para os criminosos. Os cristãos foram punidos com o confisco de bens, exílio, prisões ou execuções à espada ou por animais ferozes. Os mais afortunados eram enviados aos campos de trabalhos forçados, onde trabalhavam até a morte nas minas. A força da perseguição foi diminuída quando Diocleciano abdicou e se retirou em 305.

A perseguição só começou a abrandar com o primeiro edito (311) de tolerância ao cristianismo, expedido por Galério, desde que não atentassem contra a paz do império. Este edito não foi, ainda, eficiente para dar tranqüilidade aos cristãos, sendo que a tolerância só se tornou real a partir do edito de 313 da pena de Constantino, que estabelecia liberdade de culto não somente ao cristianismo, mas a todas as religiões.

4.1.3 – O Resultado das Perseguições.
A perseguição da igreja proporcionou momentos de profunda angústia e desespero para os cristãos. Nunca a fé dos cristãos foi tão exigida a fim de suportar as injustiças e os desmandos dos governantes. Esta é uma página manchada com sangue dos mártires, na história da igreja. Não devemos supor que foi, apenas, um ato de heroísmo de nossos pais na fé, mas certamente que muitas coisas só se tornarão possíveis através da inclemência da perseguição. Podemos vislumbrar estes resultados na observação na pena do autor de História do Cristianismo (editora vida, 2006):
A era da perseguição é interessante devido à luz que projeta sobre o problema permanente da relação entre a Igreja e o Estado. O cristianismo exigia fidelidade exclusiva de seus seguidores em assuntos  morais e espirituais. O cristão deveria obedecer ao Estado, enquanto este não exigisse uma violação de sua submissão moral e espiritual a Deus. Os cristãos que vivem hoje em países onde são perseguidos por sua fé devem ter a história da perseguição primitiva como guia. O problema da obediência a Cristo ou a César é perene na história da Igreja.

Ademais podemos afirmar que a perseguição possibilitou a discussão sobre os livros que verdadeiramente inspirados, uma vez que seu conteúdo estava sendo posto á prova, diante da obediência ou a negação dos seus escritos, em face da perseguição à igreja que afirmava as verdades ali contidas. Então, conforme Cairns “ se a posse de epístolas podiam levá-los á morte, os cristãos precisavam ter certeza de que os livros pelos quais poderiam padecer a morte eram realmente livros canônicosEsta preocupação ajudou nas decisões finais acerca de qual literatura era canônica.” 

4.    2 - O SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS HERESIAS – ANO 100 - 313

A igreja sempre este espremida entre o legalismo dos judeus e a filosofia dos gregos. Desta forma o mundo do Novo Testamento está cercado pela cultura e a religião judaica e o intelectualismo filosófico grego. Neste estado de coisas, naturalmente, a igreja se defrontou com seitas que ameaçavam a sua pureza doutrinária. Podemos estabelecer dois movimentos deste conflito: um na direção do legalismo judaico, outro na direção das heresias filosóficas. Como conseqüência deste caldeirão de influências, muitos cristãos piedosos incorreram em erros teológicos.

4.2.1 – Heresias legalistas - Ebionitas
Era de se esperar que muitos judeus convertidos ao cristianismo se reportassem ao legalismo do Velho Testamento. A grande dificuldade estava ligada á questão do monoteísmo e das obras da lei. Neste sentido, a seita mais problemática era a dos Ebionitas, que era um grupo que pregavam a unidade de Deus, rejeitando a trindade, acreditando que a maior revelação fora a lei dada a Moisés. Para eles, Jesus seria simplesmente um homem que alcançou certa divindade a partir da descida do Espírito Santo no batismo. Este grupo rejeitava os escritos de Paulo, mas davam atenção especial ao evangelho de Mateus, além disto, recomendavam que os novos crentes deveriam guardar a Lei de Moisés, se quisessem alcançar a salvação.

4.2.2 – Heresias Filosóficas – Gnosticismo e outros
As heresias filosóficas constituem um capítulo especial na compreensão do novo testamento, uma vez que o mundo político era dominado por Roma, mas o mundo cultural era dominado pela filosofia grega. O pensamento, a música, a arte, o lazer etc eram produtos da cultura grega. Portanto, a religião sendo um tema mais voltado para a interioridade e a subjetividade e, que na defesa de seus pressupostos doutrinários, exige reflexão e racionalidade encontrou na filosofia grega uma encruzilhada. Por um lado, muitos pais buscaram cristianizar a filosofia, outros demonizaram a mesma. Havia a preocupação de não permitir que o paganismo entrasse na igreja cristã através do pensamento dos filósofos gregos, mormente, o Platonismo, o Epicurismo e o Estoicismo. Por isto o melhor caminho era ajustá-la, dando a ela um status de matriz do pensamento, ou então expurgá-la de vez pela desqualificação da mesma.
a)    Gnosticismo: Nesta encruzilhada a igreja se depara com uma corrente de pensamento filosófica chamada Gnosticismo, que era embasada em elementos da filosofia grega, influências do Zoroastrismo Persa e crenças egípcias, que tem seus princípios elencados assim, na proposta do Manual Bíblico Vida Nova:
1-     Há um dualismo no universo entre Deus e um ser inferior, maligno, via de regra, chamado Demiurgo.
2-     Não se pode conhecer a Deus, ele não está preocupado com o mundo e não tem nada a ver com ele;
3-     Vários seres emergem de Deus e formam pares de macho e fêmea, formando barreiras concêntricas em torno de Deus.
4-     O ser feminino na última barreira, sem parceiro masculino, deu a luz o demiurgo.
5-     O demiurgo criou o mundo, razão pela qual tudo o que é material (inclusive nosso corpo) é mau.
6-     Contudo, uma chama do divino também foi colocada no ser humano (ou pelo menos, em alguns),que precisa ser despertada e chamada de volta ao divino.
7-     Alguém que serve de revelador chama as pessoas e mostra-lhes o caminho através das barreiras. Cristo foi considerado esse revelador, mas ele não era genuinamente humano. Ele apenas assumiu o corpo de Jesus no batismo e deixou-o antes da sua morte.
8-     O conhecimento genuíno de si mesmo e do caráter do universo é o caminho para a salvação alcançada quando, na morte ou no fim do mundo, a pessoa passa pelas barreiras e é reintegrada em Deus.

A palavra Gnosticismo é uma derivação da palavra grega “Gnoses” (conhecimento), e de maneira geral, admitimos que o florescimento do gnosticismo aconteceu no século II, embora, possamos perceber sua influência já em meados do século I, quando observamos a condenação de suas práticas no doutrinamento de Paulo (especialmente em Colossenses) e o apóstolo João em uma de suas cartas.
Estudar uma seita como o gnosticismo se reveste de vital importância, quando observamos que muitas de suas práticas encontram repercussão na igreja atual, não somente isto,  podemos deduzir que a aceitação do gnosticismo na igreja primitiva se deve ao profundo desejo de preencher lacunas na compreensão da vida neste mundo, especialmente, na explicação do problema do mal. Também podemos imaginar que o Cristianismo, devido a sua rejeição nas classes de educação mais elevada, buscava um elemento que o tornasse intelectualmente aceitável a este segmento. Dentro desta perspectiva, alguma seita que conseguisse conciliar fé com intelectualidade seria bem vinda.
Nesta esteira de pensamento, encontramos um interessante lecionamento de F. F Bruce, especialista em Novo Testamento:
O gnosticismo, que mais tarde se desenvolveria em uma diversidade de formas, era um intelectualismo falso tingido de misticismo. Uma de suas doutrinas fundamentais era que a matéria é inerentemente má, assim negando qualquer agência direta de Deus na obra da criação, e interpondo uma grande série de emanações e poderes intermediários que precisam ser apaziguados e adorados, e também destruindo qualquer crença verdadeira na encarnação. O corpo material, eles ensinavam, era mau, a prisão do homem, e o livramento ocorria por meio de um conhecimento superior (gnosis) concedido aos iniciados, conduzindo, então, á perfeição (teleiosis). 

B) Maniqueísmo
O fundador desta seita, Mani, desenvolveu um sistema filosófico em muito semelhante ao Gnosticismo. Sua base ideológica estava ligado ao dualismo cósmico, onde duas forças lutavam energicamente pela posse do homem, luz versus trevas. Em sua crença existiriam dois princípios eternos e opostos, representados pelo rei da luz e o rei das trevas. Dentro deste pensamento a alma do homem estava ligada ao reino da luz e o corpo ao reino das trevas. A libertação só seria possível através da exposição á luz, que era Cristo.
A doutrina maniqueísta criou a idéia de uma classe de crentes chamados de perfeitos que eram aqueles que viviam em rigoroso ascetismo do corpo, de tal forma que, até, os instintos sexuais pecaminosos, sendo que os que vivessem como solteiros estavam numa posição espiritual superior aos casados.

C- Neoplatonismo
O pensamento de Platão nunca morreu na igreja primitiva, vez por outra ele ressurgia seja na forma do gnosticismo, seja na forma de interpretar as escrituras, seguindo pressupostos da filosofia de Platão, como os esboçados na teoria do “mundo das idéias”.
Dentro deste universo filosófico os Neoplatonistas acreditavam  num ser absoluto como a fonte de toda a transcendência, sendo que toda criação é fruto de sua emanação. Então a busca do crente deveria ser a reabsorção do homem pelo ser absoluto. Então, uma vida de contemplação e busca intuitiva do divino era recomendada como forma de alcançar o êxtase, que era o estado mais elevado desta vida.

D- Seitas Cristãs (fruto de erros teológicos).
O florescimento de diversas correntes filosóficas no seio da igreja e os diversos debates acerca da divindade de Cristo, sua encarnação, o papel do  Espírito Santo, a trindade e outras questões, vez por outro levava algum líder mais zeloso ou extremista a criar uma blindagem em torno de alguma doutrina, e isto, não raramente, acarretava erros que chamaremos de teológicos.
d. 1 – O montanismo:
Surgiu na região da Frígia, por volta do ano 155, através de um cristão chamado Montano que desejava libertar a igreja do formalismo e da dependência de uma liderança humana. Sua abordagem visava enfatizar o papel do Espírito Santo, acreditando que o Espírito Santo continuava a revelar – se a ele como se revelou a Paulo e aos demais apóstolos. Sendo assim, a revelação que ele recebia tinha o mesmo peso do texto bíblico. Seus ensinos foram condenados no concílio de Constantinopla em 381.
d. 2- Monarquianismo ou Modalismo
Esta doutrina esboça a idéia de que Deus se manifesta na trindade através dos papéis exercidos, ou seja, no Velho Testamento ele se manifestou como Deus pai, no Novo Testamento, como o Deus Filho e pós-  pentecostes como o Deus Espírito. Seu ensino apregoa a unidade da pessoa de Deus. Deus seria apenas uma pessoa, e não três pessoas distintas.
Sabélio, que foi o proponente da desta doutrina, no seu zelo, tencionava evitar qualquer forma de triteísmo (três deuses), mas caiu no erro de propor um só Deus em uma única pessoa, anulando a pessoalidade do Filho e do Espírito Santo.

5- CONCLUSÃO:

“Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mt. 16. 18).”

Analisar a caminhada da igreja, desde o seu nascimento em Pentecostes até o seu estabelecimento como religião tolerada no ano 313 D. C é uma tarefa de difícil realização. A igreja, sendo uma agência do Reino de Deus manifesta aspectos de sua temporaneidade como instituição, e apresenta aspectos sobrenaturais na sua vocação celestial, como corpo de Cristo.
Os tropeços, os conflitos, as divisões devem ser vistos como obra exclusiva dos agentes humanos, fruto da natureza pecaminosa de seus agentes humanos. Já a preservação da igreja, o seu crescimento e seu prevalecimento devem ser vistos como obra da graça de Deus, e o cumprimento de sua promessa de que jamais as portas do inferno iriam prevalecer.
Portanto, o estudante não deve estudar a história da igreja como um compêndio de teologia, mas como instrumento de observação e avaliação da caminhada da igreja, buscando valorizar e honrar a história dos pais, que inobstante, a escassez de literatura teológica, as perseguições do Estado e os conflitos como o paganismo souberam dar a razão de sua fé.
Por outro lado, deve, também, o aspirante a teólogo interpretar os desvios teológicos, os radicalismos em nome da fé, as heresias filosóficas e os desmandos dos líderes religiosos como acidentes de percurso que devem ser evitados e, também, como riscos reais para a igreja contemporânea.
Com esta disposição em mente, podemos nos tornar em instrumentos de bênção para a igreja contemporânea que padece de mazelas semelhantes às vividas pelos nossos irmãos do passado. Por isto será sempre pertinente, ouvir a voz desafiadora do Espírito Santo, proposta pela pena do apóstolo dos gentios: “Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão (I Co. 15. 58).”


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1-    ALMEIDA, João Ferreira. Bíblia Sagrada ARA. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
2-    CAIRNS, Earle E. O Cristianismo através dos Séculos. São Paulo: Vida Nova, 2008.
3-    BRUCE, F. F. Comentário Bíblico NVI. São Paulo: Editora Vida, 2008.
4-    DOCKERY, David S.. Manual Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2001.
5-    PACKER,J. I.; TENNEY, Merril C.; JÚNIOR, William White. O mundo do novo testamento. São Paulo: Editora Vida, 2006.













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