HERMENÊUTICA I

HERMENÊUTICA I

Introdução: Há muitos leitores, mas poucos bons intérpretes. A Hermenêutica é a ciência e a arte de interpretação do texto. Ela é a disciplina mais importante para quem vai pregar e ensinar. A leitura e a interpretação fiel de um texto bíblico é o ponto de partida para uma exposição bem sucedida na pregação e no ensino.
Significado da palavra: Hermenêutica, vêm do vocábulo grego ermhneuein (hermeneuein) que significa interpretar, logo ermeneutikov (ermenêutikos), significa intérprete, tradutor. Existe uma possível relação da palavra com o deus Hermes, o mensageiro dos deuses, a quem se atribui a origem da linguagem e da escrita (mitologia grega). Sendo assim, a palavra hermenêutica, no sentido teológico, significa a compreensão e a correta interpretação de uma mensagem divina.

A hermenêutica trata da interpretação, considerando:
  1. O texto escrito: a baixa crítica – a ênfase no texto original, as variantes textuais, considerando as questões linguísticas e antropológicas, afim de se aproximar da origem do texto – está primeira etapa é chamada de Exêgese do texto, onde se busca resgatar o sentido original do texto no que tange a intenção do autor, bem como o entendimento de seus primeiros leitores;
  2. O contexto histórico, cultural, político, teológico e religioso (alta crítica): Buscando contextualizar a mensagem (interpretar) dentro da práxis diária e atual dos ouvintes atuais, considerando os padrões morais, estéticos, religiosos etc da época em que foi escrito o texto. Procura harmonizar a mensagem dada no passado com a vida dos leitores contemporâneos.

A Hermenêutica como Arte e como Ciência
É arte porque o intérprete precisa ter a sua espiritualidade aguçada num relacionamento íntimo e pessoal com Deus e é ciência porque a hermenêutica exige princípios seguros e definitivos na interpretação do texto. Diante disto todo cristão é um intérprete no que tange a sua vida devocional, uma vez que ele já tem um relacionamento com Deus, entretanto, a hermenêutica exige mais do que uma compreensão devocional do texto sagrado e por isto ela tem regras básicas para a correta interpretação do texto, e são estas regras que constituirão o escopo desta disciplina.

Regras ou princípios da Hermenêutica Bíblica

1- Regra Fundamental:
A Escritura Interpreta – se a si mesma: A primeira e fundamental regra da Hermenêutica é que a Bíblia é a melhor interprete de si mesma, ou seja, dentro do seu conteúdo geral é que encontraremos respostas para ensinos particulares (2 Pd. 1. 21).
A Bíblia exige do seu intérprete um conhecimento geral e panorâmico, antes de entrar nas suas doutrinas e ensinamentos particulares. Sem o geral o particular é grandemente prejudicado, pois poderá levar ao intérprete a uma leitura reducionista ou herética.

II- Primeira Regra: As palavras do Texto devem ser tomadas no seu sentido usual (tanto quanto possível for).
Esta regra ensina que as palavras devem ser interpretadas, num primeiro momento, no seu sentido corriqueiro (comum).

Exemplos:
  1. O significado da palavra pedra neste texto: Jo. 8. 7 - 9
7 Como insistissem na pergunta, Jesus se levantou e lhes disse: Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra.
8 E, tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão.
9 Mas, ouvindo eles esta resposta e acusados pela própria consciência, foram-se retirando um por um, a começar pelos mais velhos até aos últimos, ficando só Jesus e a mulher no meio onde estava.

  1. É preciso pegar a palavra no seu sentido usual: Os judeus pegaram em pedras (litos) para apedrejar a mulher adúltera. As pedras, no sentido do texto, não são acusações, calúnias ou ofensas, mas pedra mineral mesmo. Eventualmente, alguém pode usar o simbolismo da pedra como forma de agredir alguém moralmente, mas não pode dizer que o texto está dizendo isto.

b)Salmo 8. 7, 8:
Ovelhas e bois: não significam o povo de Deus, mas os próprios animais;
Aves e peixes: não significam os ímpios, mas os próprios seres irracionais;
Sendo assim, não devemos, no primeiro momento, atribuir a um texto ou palavras um sentido figurado ou alegórico.

III- Segunda Regra: As palavras devem ser tomadas no sentido que indica a frase.
Esta regra informa que os vocábulos devem ser interpretados em consonância com as idéias expostas na frase. O que determina o sentido da palavra é o entendimento do conjunto das idéias daquela frase.

Exemplo:
a) A palavra Salvação/Salvar
  • Em Atos 7. 25: Salvação no sentido de livramento humano (salvação temporal);
  • Em Atos 15. 11 – Salvação da condenação do pecado;
  • Em Rm. 13. 11: Salvação no sentido de redenção do corpo (ressurreição) na volta de Cristo, Salvação desta ordem de coisas;

b) A palavra Carne
  • Ef. 2. 3/Rm. 8.8: No sentido de desejos pecaminosos;
  • I Tm. 3. 16/ Lc. 3. 6 : No sentido de forma humana (corpo, alma, espírito);
  • Gl. 4. 14/Fp. 1. 24: No sentido corporal.

3ª Regra: Regra do contexto
É preciso tomar as palavras no sentido do contexto, observando o que precede e sucede o texto tomado. O contexto pode ser os versos anteriores, o capítulo ou até o livro todo.

Exemplo:
a)Atos 18. 24 – Poderoso nas escrituras.
Somente com a leitura do contexto percebemos que Apollo era um grande conhecedor das escrituras, mas somente, no que diz respeito ao Velho Testamento. Além disso conhecia parcialmente o ensino de Jesus, e tudo leva a crer que ele não conhecia a doutrina da salvação com precisão (At. 19. 1 e 2).

b) Mt. 26. 27 – 29 - O vinho é o sangue de Jesus ou simboliza o sangue? v. 28
O verso 29 deixa claro que o vinho, apenas e tão somente, simboliza o sangue, uma vez que mesmo após as ações de graça (eucaristia), Jesus chama o vinho de fruto da videira (verso 29).

4ª Regra: Regra do Designio -
É preciso levar em consideração o objetivo ou o designio do livro, passagem ou texto em que ocorrem as palavras. Neste sentido leva – se em conta quando e para quem foi escrito.
Ex: A primeira carta aos Coríntios -
O ensino geral da carta está fundado em questões locais que afligiam a igreja de Corinto. Muito do ensinamento de Paulo está ligado às dúvidas e perguntas que os coríntios tinham feito a Paulo.
a) Dúvidas sobre a pureza e o casamento: capítulo 7
b) Idolatria e prostituição: capítulo 8
c) Emancipação feminina e autoridade na igreja: capítulo 11
d) Dúvidas
  • Muitos destes ensinamentos foram específicos para aquela ocasião e para aquela igreja. A questão do véu é um exemplo, que não se repete em nenhuma outra carta de Paulo.
  • Outro exemplo é a questão do uso do dom de línguas. Precisamos entender o ambiente de desordem que havia na igreja para compreendermos a ênfase que Paulo dá ao assunto.

5ª Regra: Regra das Passagens Paralelas
Necessário se faz consultar as passagens paralelas a fim de se determinar com precisão uma palavra ou passagem obscura.
À medida que se consulta outras passagens que falam do mesmo evento ou assunto, e percebendo a relação entre elas, extraímos o significado verdadeiro para aquele texto.
Neste sentido devemos observar que existem paralelos de palavras, paralelos de idéias e paralelos de doutrinas (ensinos gerais).

a) paralelo de palavras
Quando a palavra tomada tem amplitude de significado ou o sentido da frase e do contexto não são suficientes para determinar seu sentido, deve – se buscar nas passagens paralelas seu significado. Até mesmo com os nomes próprios deve-se consultar passagens paralelas para não misturar ou confundir personagens.


Exemplos:
  • A palavra arrependimento:
  • Gn. 6. 6: Arrependimento é pesar no coração;
  • Nm. 23. 19 – Mudar de pensamento, de idéia, de atitude;
  • I Sm. 15. 11: No sentido de estar triste, contristado, ferido, decepcionado. No hebraico é Mxn nocham, procedente do verbo nacham, estar arrependido, estar sentido, ter pena etc.
1 - No Velho testamento encontramos a palavra arrependimento com sentido de tristeza, pesar, decepção, e encontramos também com o sentido de mudança de pensamento e atitude.
  • No primeiro caso temos Gn. 6. 6, ISm. 15. 11 em que Deus antropaticamente sente tristeza e pesar pela criação do homem e por ter constituído Saul como Rei.
  • No segundo caso temos a palavra arrependimento no sentido de mudança de pensamento e de idéia (Nm, 23. 19) em que Deus claramente afirma que não se arrepende.

2- No Novo Testamento encontramos a palavra arrependimento na maioria, senão em todas as vezes, no sentido de mudança de pensamento (metanóia – metanoia.
  • Mt. 3. 8, At. 3. 19, 2 pd. 3. 9: no sentido de mudança de mente, de entendimento, de disposição interior.
  • Metanóia: Meta:mudança, transformação; nóia: mente, entendimento. Este arrependimento precisa estar baseado numa racionalização. O Espírito Santo ilumina e convence, a mente entende e atende;
  • Este tipo de arrependimento Deus nunca pratica – Tg. 1. 17.

B) Paralelo de Idéias:
Na busca da melhor compreensão do texto, precisamos de verificar não somente o sentido das palavra, mas também a interpretação correta das idéias, e neste caso, também é necessário avaliar passagens paralelas afim de se estabelecer uma idéia que seja bíblica no seu todo.
Exemplo: O Cristão é justo ou não?
a- De acordo com o texto de Rm. 3. 9, 10 não existem justos, entretanto em outras passagens somos chamados de justos (hb. 10. 38, Ap. 22. 11).
  • Neste caso precisamos avaliar as idéias que são expostas nos textos para formar uma opinião segura;
  • A justiça precisa ser compreendida em duas dimensões, ou seja, no sentido legal e no sentido moral;
  • A justiça legal trata da questão jurídica (da lei e do direito), a justiça moral fala da ética;
  • No caso da justiça legal nos somos amparados pela justiça de Deus, emprestada e atribuida a nós em Cristo (Rm. 5. 1, 2). Portanto, somos, sem dúvida alguma, justos no aspecto legal;
  • Já no caso da justiça moral nós somos expostos a vergonha pois somos, por natureza, pecadores (I Tm. 1. 15, Rm. 3. 9, 10, 23). Então, moralmente, nós continuamos injustos (Rm. 22, 23).
A idéia que se extrai sobre a condição do cristão é a seguinte: Somos legalmente justos em Cristo e moralmente incapazes de ser justos em nossa natureza.

C) Paralelo de Ensinos Gerais (Doutrinas).
Não sendo possível encontrar o significado do texto, mesmo diante da busca do sentido das passagens paralelas de palavras e idéias, devemos lançar mão do ensino geral das escrituras (as doutrinas). Nenhuma passagem bíblica deve ser interpretada à margem do ensino geral das escrituras. Sendo assim, necessário se faz conhecer as doutrinas fundamentais da fé como: Justificação, Salvação, Santificação, as ordenanças (batismo e ceia) etc.

Ex- Vamos analisar uma das ordenanças, o batismo:Usaremos o texto de Mc. 16. 16, at. 22. 16
Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado.”
  • Com este texto muitos afirmam que o batismo é essencial para a salvação. Por que o texto afirma que quem crer e for batizado e não somente crer. Entretanto precisamos entender a presença das duas palavras no sentido geral do novo testamento.
  • Percebemos claramente que quem cria era imediatamente batizado (At. 2, At. 8). De tal maneira que o batismo era um ato contínuo a fé. Negar se a batizar era negar a fé. Portanto o batismo dava visibilidade a fé;
  • O ensino geral da bíblia é que a salvação não é mediante o batismo (Ef. 2. 8, Lc. 23. 43, At.16. 33, At. 10. 44 – 48;
  • Analisando os convertidos gentios na casa de Cornélio percebemos que eles foram batizados no Espírito Santo antes de serem batizados nas águas. Logo, ninguém discorda quem é batizado no Espírito Santo é um salvo, portanto, o batismo não é para a salvação.
  • Por fim, o texto de Atos 22. 16 não fala que o batismo lava pecados, mas sim a invocação do nome de Jesus e com isto o texto de Rm. 10. 13 corrobora.











Figuras de Linguagem
1- Metáfora: Estabelece uma relação comparativa entre duas coisas, sendo que uma delas se caracteriza com o que é próprio do outro: Ex. Fulano é uma cancela; ou seja não dá ouvidos, insensível, ignorante. Exemplos bíblicos:
  • Eu sou a videira verdadeira: aquela que dá vida aos ramos. Jesus não é uma videira literalmente;
  • Vós sois os ramos: Vocês estão ligados ao tronco da videira. O cristão não é um ramo literalmente.
  • Eu sou o pão da vida. Aquele que alimenta e mata a fome.
2- Sinédoque: Quando se toma a parte pelo todo; Ex. Já foi servido o café.
Ex: A minha carne repousará segura (Sl. 16. 9);
3- Metonímia: é quando existe uma relação entre causa e efeito, entre matéria e objeto, entre autor e obra.
Ex. Já li Machado de Assis – (já li as obras de Machado de Assis);
Exemplo bíblico – causa pelo efeito: Eles tem Moisés e os profetas; que os ouçam (Lc. 16. 29).
Outro exemplo: I Jo. 1. 7 – O sangue de Jesus nos purifica de todo pecado. A vida e a morte vicária de Jesus é que o purifica de todo pecado – Heresias: O óleo pelo Espírito, o sangue pelo sacrifício.
4- Prosopópeia: É usada quando se personifica coisas inanimadas: Ex. A alegria saltou de prazer
Exemplo bíblico: Isaías 55. 12 - Sl. 85. 10, 11
5- Ironia: É quando se expressa o contrário do que se gostaria de dizer. É uma linguagem sarcástica.
Ex: I Rs. 18. 27; Jó. 12. 2.
6- Hipérbole: É o uso de um exagero intencional para enfatizar uma situação:
Ex: O seu fusquinha era um verdadeiro fórmula I – Já lhe avisei mil vezes.

Exemplo bíblico: Nm. 13. 33 – Jo. 21. 25.

HERMENÊUTICA II 

1-    A IMPORTÂNCIA DA HERMENÊUTICA E O LUGAR DA CRÍTICA TEXTUAL

Quando falamos de Hermenêutica logo pensamos de uma atividade, meramente, acadêmica ou circunscrita ao ambiente técnico. A hermenêutica, ou seja, a interpretação científica do texto é, também, uma arte, tendo em vista que ela lida com aspectos estéticos e artísticos do texto.

Nenhum texto deve ser interpretado á margem de seu contexto histórico, cultural, sociológico e religioso. A hermenêutica, evidentemente, parte do texto escrito, mas não se limita a crítica do texto. Diante desta perspectiva precisamos iniciar a boa hermenêutica considerando alguns pressupostos importantes, que podem ser resumidos assim:

A)   Estudo gramatical do texto;

B)   Estudo panorâmico do texto;

C)   Estudo doutrinário do texto;

D)   Estudo da língua do texto (filologia).

Feitas estas considerações iniciais, queremos resumidamente relembrar as seis regras da Hermenêutica que podem ser assim resumidas:

Regra 1
 A Escritura Interpreta – se a si mesma: A primeira e fundamental regra da Hermenêutica é que a Bíblia é a melhor interprete de si mesma, ou seja, dentro do seu conteúdo geral é que encontraremos respostas para ensinos particulares (2 Pd. 1. 21).

Regra 2: As palavras do Texto devem ser tomadas no seu sentido usual (tanto quanto possível for).
Esta regra ensina que as palavras devem ser interpretadas, num primeiro momento, no seu sentido corriqueiro (comum).

Regra 3: As palavras devem ser tomadas no sentido que indica a frase.
Esta regra informa que os vocábulos devem ser interpretados em consonância com as idéias expostas na frase. O que determina o sentido da palavra é o entendimento do conjunto das idéias daquela frase.

Regra 4: Regra do contexto
É preciso tomar as palavras no sentido do contexto, observando o que precede e sucede o texto tomado. O contexto pode ser os versos anteriores, o capítulo ou até o livro todo.

Regra 5: Regra  do Desígnio -
            É preciso levar em consideração o objetivo ou o desígnio do livro, passagem ou texto em que ocorrem as palavras. Neste sentido leva – se em conta quando e para quem foi escrito.

Regra 6: Regra das Passagens Paralelas
            Necessário se faz consultar as passagens paralelas a fim de se determinar com precisão uma palavra ou passagem obscura.
            À medida que se consulta outras passagens que falam do mesmo evento ou assunto, e percebendo a relação entre elas, extraímos o significado verdadeiro para aquele texto.
            Neste sentido devemos observar que existem paralelos de palavras, paralelos de idéias e paralelos de doutrinas (ensinos gerais).

Após esta breve recapitulação, vamos focalizar a disciplina que estará diretamente ligada à Hermenêutica II que é a Crítica Textual. Vamos, então, conhecer um pouquinho da crítica textual ou baixa crítica. 

2- CRÍTICA TEXTUAL: HISTÓRIA, DEFINIÇÃO, FOCO DE ESTUDOS E DESAFIOS
2.            1 - História:

A crítica textual, como a conhecemos hoje, é uma atividade moderna. A teologia da igreja e, principalmente, a ortodoxia, não considerava razoável a pesquisa científica do texto sagrado. Não somente isto, a escassez de ferramentas e informações científicas era um poderoso entrave para a pesquisa. A partir do século XIX com o progresso da lingüística, da arqueologia e outras ciências, a tarefa de pesquisar os manuscritos mais antigos do Novo testamento tornou se algo exeqüível.

2.            2 - Definição:
Podemos definir crítica textual como a ciência que se ocupa de estabelecer o sentido original de um texto ou trabalho escrito, num contexto em que o “autógrafo” não exista mais. A crítica textual, também, denominada de baixa crítica é assim entendida porque ela vai em busca do significado primeiro do texto, na pena do escritor e não dos copistas.

2. 3 – Foco de Estudos
À Crítica textual focaliza seus estudos na investigação da autenticidade, antiguidade, quantidade e diversidade dos textos (manuscritos do N. T). Sabemos que os originais não mais existem, portanto, a Crítica Textual vai se lançar na busca de textos que estejam mais próximos do texto original, seja na questão da antiguidade, seja na semelhança textual. Nesta busca do melhor texto, a sua importância como ciência bíblica ganha dimensões extraordinárias no estabelecimento da ortodoxia da fé. PAROSHI (1993) vislumbra a grandeza da crítica textual na seguinte proposição:

A crítica textual, portanto, lida com um problema básico e de tremendas implicações. Dela dependem todas as demais ciências bíblicas que corporalizam a religião cristã, pois lança os fundamentos sobre os quais toda e qualquer investigação bíblica deva ser construída. Sem um texto grego fidedigno, tão mais próximo do original quanto possível, não há como se fazer confiável crítica histórica ou literária, exegese, teologia, nem mesmo sermão, para não falar em tradução.


2. 4 – Desafios e dificuldades Técnicas
As dificuldades podem ser enumeradas em três frentes: Distância das cópias mais completas e os originais, o grande número de documentos (manuscritos) disponíveis e a elevada quantidade de variantes textuais. Conjugar estas questões, a fim de oferecer um texto mais próximo do original é o grande desafio da crítica textual.

A primeira dificuldade que é a distância das cópias mais completas dos originais pode ser amenizada pelo fato de que entre os manuscritos completos e os autógrafos existem citações de pais apostólicos, escritos cristãos, porções diversas e incompletas em manuscritos mais antigos. Temos manuscritos, ainda que incompletos do século II, e que podem ser codificados para favorecer a leitura e avaliação de manuscritos mais completos como os do século IV. A distância do século II para os escritos originais do Novo Testamento, se torna desprezível, uma vez que, todo o novo testamento foi concluído somente no fim do século I, logo a distância temporal é insignificante, como nos faz enxergar a pena de Kenyon:

O intervalo, então, entre as datas da composição original e a mais antiga evidência subsistente torna-se tão reduzido de sorte que é praticamente desprezível, e o derradeiro fundamento para qualquer dúvida de que nos hajam as Escrituras chegado às mãos substancialmente como foram escritas já não mais persiste.

A segunda dificuldade que é o elevado número de documentos, cerca de 5500 manuscritos gregos completos ou fragmentários. Esta dificuldade pode ser compensada pela possibilidade que ela oferece de comparação entre os diversos textos. Na verdade a grande quantidade dos manuscritos só corrobora na elaboração da pesquisa e da “firmação de um texto confiável”. Se a diversidade de textos exige um esforço maior para pesquisar, não somente esforço, mas tempo também, por outro lado ela dá mais elementos de verificação na busca do texto ideal. O maior estudioso do novo testamento dos tempos modernos, Frederic F. Bruce, citado por Paroshi (1993),  fez a importante declaração sobre o assunto:

Felizmente, se o grande número de mss. Aumenta o índice de erros escribais, aumenta, na medida idêntica, os meios para a correção dos erros, de modo que a margem de dúvida deixada no processo de restauração dos termos exatos do original não é tão grande como se poderia temer; pelo contrário, é, na verdade, marcadamente reduzida.

Quanto à terceira dificuldade, que é aquela que trata da grande quantidade de variantes textuais, embora elas sejam muitas, elas são, quase na totalidade, ligadas á ordem das palavras, o uso de preposições, as conjunções ou partículas. As variantes textuais que podem alterar o sentido de uma doutrina ou ensinamento das Escrituras podem ser consideradas, extremamente, reduzidas.

Agora que temos algum conhecimento sobre a crítica textual e sua importância vamos voltar aos pressupostos básicos na aplicação da hermenêutica.

1-    Estudo gramatical do texto:

a)    Mateus 9.10

E sucedeu que, estando ele em casa, à mesa, muitos publicanos e pecadores vieram e tomaram lugares com Jesus e seus discípulos.

Pergunta: Em que casa Jesus estava? Na sua casa, na casa de outra pessoa, em uma casa. A análise gramatical responde apenas: em casa (dentro de casa);

2-    Estudo panorâmico do texto

a)    Mateus 9. 10 é paralelo a Marcos 2. 15 e Lucas 5. 29

b)   Marcos 2:15 

Achando-se Jesus à mesa na casa de Levi, estavam juntamente com ele e com seus discípulos muitos publicanos e pecadores; porque estes eram em grande número e também o seguiam.

c)Lucas 5. 29 - Então, lhe ofereceu Levi um grande banquete em sua casa; e numerosos publicanos e outros estavam com eles à mesa.

Resposta: Analisando as passagens paralelas percebe- se que Jesus poderia estar na casa de Levi (Mateus).

3-    Estudo doutrinário do texto

A possibilidade de Jesus estar na casa de Levi é razoável, uma vez que Jesus era freqüentador deste tipo de ambiente, haja visto a alcunha que recebeu de amigo de publicanos e pecadores. Logo a presença de Jesus em casa de Levi é suportada pela boa doutrina.

4-             Estudo da língua do texto

A parte que é mais determinante para a interpretação do texto é o seu sentido original, ou seja, o que o texto disse para os primeiros ouvintes. Esta é a tarefa da crítica textual, descobrir o significado do texto bíblico na sua língua original.

a)           Vamos a passagem de Mateus 9.10

10 καὶ ἐγένετο αὐτοῦ ἀνακειμένου ἐν τῇ οἰκίᾳ, καὶ ἰδοὺ πολλοὶ τελῶναι καὶ ἁμαρτωλοὶ ἐλθόντες συνανέκειντο τῷ Ἰησοῦ καὶ τοῖς μαθηταῖς αὐτοῦ[1]

Tradução LivreE aconteceu ele reclinado sobre a mesa em a casa, e eis muitos cobradores de impostos e pecadores tendo vindo reclinaram juntamente na mesa com Jesus e os discípulos dele.

Resposta: A casa citada no texto não pode ser atribuída a Levi com base na análise da língua original. Pode ser a casa de Levi (Mateus) e tem boas chances de ser, mas o texto não garante isto. Outrossim, não seria impossível a Jesus estar em outra casa dentro das mesmas circunstâncias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.    ALMEIDA, João Ferreira. Bíblia Sagrada. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

2.    BRUCE, F. F. The New Testament Documents. Londres, The Inter – Varsity Fellowship, 1966.

3.    KENYON, Sir Frederic G. A Bíblia e a Arqueologia, p. 288.

4.    PAROSH, Wilson. Crítica Textual do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1993.


[1]Aland, Barbara ; Aland, Kurt ; Black, Matthew ; Martini, Carlo M. ; Metzger, Bruce M. ; Wikgren, Allen: The Greek New Testament. 4th ed. Federal Republic of Germany : United Bible Societies, 1993, c1979, S. 21

Um comentário:

  1. mispedrocerqueira@ig.com.br22 de agosto de 2016 às 13:06

    Materia muito boa e importante na vida do pregador.

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