CARACTERÍSTICAS DE UMA SOCIEDADE REGIDA PELA IMAGEM E PELA APARÊNCIA - UMA REFLEXÃO A PARTIR DE JOÃO 7. 1 – 13.
EVANGELHO DE JOÃO, CAPÍTULO 7. 1 - 13
¹ Passadas estas coisas, Jesus andava pela Galileia, porque não desejava percorrer a Judeia, visto que os judeus procuravam matá-lo. ² Ora, a festa dos judeus, chamada de Festa dos Tabernáculos, estava próxima. ³ Dirigiram-se, pois, a ele os seus irmãos e lhe disseram: Deixa este lugar e vai para a Judeia, para que também os teus discípulos vejam as obras que fazes. ⁴ Porque ninguém há que procure ser conhecido em público e, contudo, realize os seus feitos em oculto. Se fazes estas coisas, manifesta-te ao mundo. ⁵ Pois nem mesmo os seus irmãos criam nele. ⁶ Disse-lhes, pois, Jesus: O meu tempo ainda não chegou, mas o vosso sempre está presente. ⁷ Não pode o mundo odiar-vos, mas a mim me odeia, porque eu dou testemunho a seu respeito de que as suas obras são más. ⁸ Subi vós outros à festa; eu, por enquanto, não subo, porque o meu tempo ainda não está cumprido. ⁹ Disse-lhes Jesus estas coisas e continuou na Galileia. ¹⁰ Mas, depois que seus irmãos subiram para a festa, então, subiu ele também, não publicamente, mas em oculto. ¹¹ Ora, os judeus o procuravam na festa e perguntavam: Onde estará ele? ¹² E havia grande murmuração a seu respeito entre as multidões. Uns diziam: Ele é bom. E outros: Não, antes, engana o povo. ¹³ Entretanto, ninguém falava dele abertamente, por ter medo dos judeus.
Introdução: A narrativa desta passagem nos faz pensar sobre a importância excessiva que damos à aparência das coisas e dos fatos. A necessidade de ser visto, valorizado e admirado parece uma tônica desde a queda do homem. Na família de Jesus não aconteceu diferente. Seus irmãos, de acordo com a narrativa, constrangeram-no a ir para Jerusalém, a fim de dar visibilidade ao ministério dele e consequentemente oferecer prestígio a toda família. Jesus recusou-se, mas este episódio nos permite analisar as características de uma sociedade regida pela imagem e pela aparência. Paralelamente a esta narrativa, nos lembramos do livro do filósofo francês DEBORD, Guy[1], oferecendo uma crítica densa e consistente à sociedade das aparências e da supervalorização do espetáculo e do entretenimento. Neste horizonte, a vida real é substituída pela agenda das mídias de comunicação, na perspectiva de uma massificação cultural engendrada pelo capitalismo.
1- O sucesso deve ser considerado o principal objetivo
· O desejo de ser visto pode se tornar mais importante do que a vontade de servir as pessoas– v. 3 – (para que você seja visto);
· A vida cristã não pode ser baseada nos resultados ou na visibilidade do nosso trabalho – Mt. 7. 22 (muitos milagres);
· Vivemos no contexto da sociedade do espetáculo, da imagem e da aparência, mas este comportamento não reflete os valores do reino de Deus – Jo. 3. 22 – 30.
2- A busca de adeptos e admiradores como estratégia de mercado
· Precisamos observar que a busca de admiradores, seguidores e discípulos é uma estratégia comercial e não espiritual – v. 4, 5 – os irmãos de Jesus queriam um líder famoso, não um salvador;
· A igreja não deve buscar admiradores, seguidores e fãs, mas cidadãos do reino de Deus – Atos 8. 13, 18, 19;
· A igreja cristã precisa valorizar a discrição, a humildade e o recolhimento – v. 6 – 10 – João 6. 14, 15.
3- A relativização cultural e a inversão de valores universais
· Na sociedade globalizada, a maioria das pessoas que inspiram, influenciam e ditam as regras e os costumes são celebridades vazias, volúveis e fúteis (Mt. 23. 25 – 28);
· A sociedade, na pós-modernidade (modernidade tardia de Giddens, o neomodernismo de Rouanet ou, ainda, modernidade líquida de Baumann) relativizou os valores e desconstruiu as certezas, não conseguindo colocar nada no lugar – Tito 1. 10 – 14 (Cristianismo especulativo);
· Atualmente, vivemos sob a égide do virtual e do ilusório[2] - Mt. 23. 25 –28; Não podemos esquecer que a imagem não é a realidade e a aparência não pode substituir a essência–Jo.7. 24.
Anexo de textos citados
Mateus 7. 22
²² Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres?
João 3. 22 – 30
²² Depois disto, foi Jesus com seus discípulos para a terra da Judeia; ali permaneceu com eles e batizava. ²³ Ora, João estava também batizando em Enom, perto de Salim, porque havia ali muitas águas, e para lá concorria o povo e era batizado. ²⁴ Pois João ainda não tinha sido encarcerado. ²⁵ Ora, entre os discípulos de João e um judeu suscitou-se uma contenda com respeito à purificação. ²⁶ E foram ter com João e lhe disseram: Mestre, aquele que estava contigo além do Jordão, do qual tens dado testemunho, está batizando, e todos lhe saem ao encontro. ²⁷ Respondeu João: O homem não pode receber coisa alguma se do céu não lhe for dada. ²⁸ Vós mesmos sois testemunhas de que vos disse: eu não sou o Cristo, mas fui enviado como seu precursor. ²⁹ O que tem a noiva é o noivo; o amigo do noivo que está presente e o ouve muito se regozija por causa da voz do noivo. Pois esta alegria já se cumpriu em mim. ³⁰ Convém que ele cresça e que eu diminua.
Atos 8:13, 18, 19
¹³ O próprio Simão abraçou a fé; e, tendo sido batizado, acompanhava a Filipe de perto, observando extasiado os sinais e grandes milagres praticados. ¹⁸ Vendo, porém, Simão que, pelo fato de imporem os apóstolos as mãos, era concedido o Espírito [Santo], ofereceu-lhes dinheiro, ¹⁹ propondo: Concedei-me também a mim este poder, para que aquele sobre quem eu impuser as mãos receba o Espírito Santo.
João 6. 14, 15
¹⁴ Vendo, pois, os homens o sinal que Jesus fizera, disseram: Este é, verdadeiramente, o profeta que devia vir ao mundo. ¹⁵ Sabendo, pois, Jesus que estavam para vir com o intuito de arrebatá-lo para o proclamarem rei, retirou-se novamente, sozinho, para o monte.
Mateus 23. 25 – 28 (NTLH)
²⁵ "Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês limpam o exterior do copo e do prato, mas por dentro eles estão cheios de ganância e cobiça. ²⁶ Fariseu cego! Limpe primeiro o interior do copo e do prato, para que o exterior também fique limpo. ²⁷ "Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície. ²⁸ Assim são vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade.
Tito 1. 10 – 14
¹⁰ Porque existem muitos insubordinados, palradores frívolos e enganadores, especialmente os da circuncisão. ¹¹ É preciso fazê-los calar, porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando o que não devem, por torpe ganância. ¹² Foi mesmo, dentre eles, um seu profeta, que disse: Cretenses, sempre mentirosos, feras terríveis, ventres preguiçosos. ¹³ Tal testemunho é exato. Portanto, repreende-os severamente, para que sejam sadios na fé ¹⁴ e não se ocupem com fábulas judaicas, nem com mandamentos de homens desviados da verdade.
João 7. 24
²⁴ Não julgueis segundo a aparência, e sim pela reta justiça.
[1] DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997 – publicado pela primeira vez em 1967 na França.
[2] "A Essência do Cristianismo" é uma obra do filósofo alemão Ludwig Feuerbach, publicada em 1841, onde ele critica a religião cristã e a define como uma projeção da essência humana (IA do Google). Não somente isto, faz um questionamento incisivo quanto ao subjetivismo da fé religiosa, segundo ele, ignorando realidades corporais, materiais e objetivas. Seus sucessores nesta crítica podem ser percebidos, principalmente, em Marx e Nietzche. “Mas claro que para esta época, que prefere a imagem a coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência à essência, esta transformação {...}, é destruição absoluta ou profanação perversa; pois sagrada é para ela apenas a ilusão, mas profana a verdade. Sim, a santidade cresce a seus olhos na mesma medida em que a verdade decresce e a ilusão cresce, de tal modo que o maior grau de ilusão é também para ela o maior grau de santidade (FEUERBACH, Ludwig. A essência do cristianismo. Tradução de Adrian Veríssimo Serrão. 5 ed. Lisboa: Fundação Calouste GulBenkion, 2018. p. 431).